uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
A morte de um cavalo deixa o campino tão triste como a morte de um amigo ou familiar

A morte de um cavalo deixa o campino tão triste como a morte de um amigo ou familiar

Rui Moura via a sua montada morrer nas festas de Benavente e não conteve as lágrimas

Um campino passa mais tempo com os seus cavalos do que com os familiares. Conhecem-se mutuamente, confiam um no outro, relacionam-se como grandes amigos. Quando um morre a perda é sentida como o desaparecimento de uma pessoa de quem se gosta muito.

O campino Rui Moura chorou a morte da Floribela, a sua montada de há vários anos, como se tivesse perdido um grande amigo ou um familiar. O campino da Companhia das Lezírias jamais vai esquecer o dia fatídico de 29 de Junho quando a égua de 19 anos escorregou na largada de toiros das festas de Benavente, caiu e bateu com a cabeça no lancil do passeio, morrendo de imediato. Rui depositava na égua, que no livro de registos estava registada como Nefralgia mas a quem todos chamavam Floribela, a sua vida. No campo a lidar com os toiros ou nas festas os campinos têm de ter confiança nos cavalos porque são eles que os safam da morte numa investida dos animais bravos. Ao longo da vida conhece-se a montada melhor que as pessoas, passam-se aventuras e momentos de aflição e estabelece-se uma relação profunda entre homem e animal que se compreendem profundamente. Rui tinha uma estima enorme pela égua até porque a herdou do antigo maioral das vacas quando entrou na Companhia das Lezírias para o substituir em Agosto de 2010. Rui Moura, tal como os restantes campinos que trabalham na companhia, têm dois cavalos que são disponiblizados pela empresa e que ficam ao seu encargo. Garante que era com a égua Floribela que orientava diariamente as 230 vacas que tem à sua responsabilidade. “Chorei como já chorei por um amigo. Ela já tinha uma idade avançada, mas era a minha eleita para o trabalho. Era as minhas pernas, o meu braço de trabalho, uma amiga”, contou na tarde de sábado, 6 de Julho, nas Festas do Colete Encarnado de Vila Franca de Xira. Estava montado no seu segundo cavalo, baptizado por Bispo, mas mais conhecido por “Meia Orelha” por já ter nascido com a orelha direita partida. De poucas palavras, Rui Moura não esconde que o Meia Orelha ainda tem de crescer muito para chegar aos calcanhares de Floribela. “Este para trabalhar está quieto. Mal vê o gado parece que se vira para mim e diz-me logo para desmontar e ir lá eu sozinho. É um mandrião”. O campino garante que o acidente se tratou de um “azar” que poderia acontecer a qualquer outro. Numa outra ganadaria onde já trabalhou também perdeu um cavalo que estava ao seu cuidado. “Não sei o que aconteceu. Estava um dia de muito calor e o cavalo não se sentia bem”, conta, ressalvando que não quer ser conhecido por “mata-cavalos”, diz em jeito de brincadeira para aliviar a mágoa.Monta o Meia Orelha para despachar a conversa e ir à vida mas antes de arrancar a galope ainda comenta que a relação emocional de um campino com um cavalo é “quase como estar com a nossa mulher”. “Não precisa quase de falar, um olhar de um cavalo ou de uma égua chega para descobrirmos o que está a passar”. E talvez por não ser preciso conversas, Rui conclui que às vezes “é mais fácil de lidar com um cavalo do que com uma mulher”. Um cavalo é como uma amanteUm dos campinos mais antigos de Benavente, José Moleiro, 79 anos, está por perto a ouvir a conversa e ajuda a explicar a relação entre o homem e um animal “especial”. Do alto da sua égua Remaria diz que só o que separa as pessoas dos cavalos é estes não falarem. Mas comunicam de outras formas. “Se o conhecermos basta olhar e sabemos logo se estão tristes ou não”. O amigo José Mimoso, do Cartaxo, que também se prepara para o desfile do Colete Encarnado, conta que construiu uma cocheira dentro da sua própria casa para ter a sua égua, Bolota, mais perto de si. “É como se fosse a minha amante porque me rouba o tempo todo. É gulosa por mim, mas também pela minha esposa. É o nosso mimo”, conta. José Mimoso jura que as maiores tristezas que já sentiu foram quando os patrões vendiam os cavalos que usava. “Quem lida com gado bravo precisa de ter um cavalo pronto a desenvencilhar-nos a nós e a ele em caso de perigo”, revela o campino que já perdeu a conta às vezes em que um cavalo lhe salvou a vida. O campino prefere as éguas para o trabalho. “São mais trabalhadoras, aprendem mais depressa e concentram-se melhor. Só se tiverem parido é que não. Mãe é mãe, já se sabe”.Cavalos que morrem são incinerados em CorucheO regulamento europeu que entrou em vigor em Portugal estabelece regras sanitárias relativas aos subprodutos de animais não destinados ao consumo humano. O cavalo que morreu na Festa da Amizade e Sardinha Assada de Benavente acabou por ser encaminhado para uma empresa em Coruche que é a única na região que faz a incineração de animais. O crematório pertence à empresa ITS Marques que recolhe e destrói os cadáveres e subprodutos de risco para a saúde, como aconteceu na época das vacas loucas. O presidente da Câmara Municipal de Benavente, António José Ganhão (CDU), já se mostrou disponível para activar o seguro que a autarquia possui para os acidentes nas festas..
A morte de um cavalo deixa o campino tão triste como a morte de um amigo ou familiar

Mais Notícias

    A carregar...