
Aldeia avieira da Palhota está condenada a naufragar no esquecimento
Projectos não concretizados levaram à debandada de quem lá tinha casa
Há uma década, o jornalista Humberto Vasconcelos, entusiasta da recuperação da aldeia Avieira do concelho do Cartaxo e proprietário de uma das casas tradicionais dizia, com amarga ironia, que o local tinha 5 pessoas e 127 cães. Agora até os cães foram embora.
A aldeia avieira da Palhota, em Valada, concelho do Cartaxo, está cada vez mais ao abandono. No local impera o silêncio. As casas coloridas vão ficando degradadas pelo tempo, pela maresia do Tejo e pela falta de manutenção. Em 2003 O MIRANTE esteve no local e esta já era uma aldeia fantasma. Uma década volvida voltamos lá e depois de muitas promessas de renovação e dinamização a situação continua a agravar-se. Já nem o café do “Zé Broa”- que entretanto morreu - está aberto. Mantém-se apenas o espaço e as indicações da existência do negócio, mas está vazio.Contam-se pelos dedos das mãos o número de pessoas que estavam na Palhota no dia em que O MIRANTE esteve no local a fazer reportagem. Apareceu um barco turístico que faz a rota avieira, com uma família composta por três elementos que deram uma volta rápida à aldeia e partiram. A Casa Avieira, dinamizada pelo projecto Palhota Viva está fechada e só aceita visitas por marcação. Ao casal e à filha valeu-lhes o senhor João Pita Pereira que os convidou a entrar para conhecerem a sua própria casa avieira.Na aldeia vivem habitualmente oito pessoas. No pontão de madeira - recentemente melhorado pela Câmara do Cartaxo - estão meia dúzia de barcos atracados. Em terra vêem-se esqueletos de embarcações avieiras que noutros tempos foram o sustento dos pescadores. A aldeia já teve vida, chegaram a viver lá ou a passar por lá aos fins de semana ou em férias cerca de 50 pessoas, agora mantêm-se apenas 14 casas com ocupação regular. Em 2009 em declarações a O MIRANTE, Humberto Vasconcelos, jornalista reformado e habitante da Palhota, dizia com ironia que a aldeia resumia-se a “5 pessoas e 127 cães”. Pouca coisa mudou excepto o facto de até os cães e os gatos quase terem desaparecido do local. Há ainda a esperança de quem gosta e quer lutar pela cultura avieira, mas na verdade quem lá tem casa está a abandonar o local e nem sequer cuida da sua manutenção.Projectos foram ficando pelo caminho“A aldeia não tem apoio da câmara”, refere Pedro Santos, do Projecto Palhota Viva - associação de defesa do ambiente criada em 1988 e legalizada em 1997. Pedro recorda que entre os projectos da associação estava o corte do trânsito na aldeia e a criação de casas de banho públicas que servissem os visitantes. Pedro Santos tem 30 anos e conheceu a Palhota em 2000 quando andava nos escuteiros. Ficou apaixonado pela aldeia e lamenta que a autarquia do Cartaxo “não se preocupe com o turismo”.A Câmara Municipal do Cartaxo, afogada em dívidas, tem-se focado noutras prioridades. Em 2010 com o projecto Valada XXI a autarquia previa a requalificação da zona ribeirinha da freguesia e da aldeia. O investimento seria de 12 milhões de euros. A intervenção ficou muito aquém das expectativas. Recomendações para a legalização de todas as casas e para a elaboração e aprovação de um Plano de Pormenor para a aldeia nunca foram satisfeitos.João Pita Pereira, 67 anos, vive no Reguengo, mas mantém a casa que construiu de raiz há cerca de duas décadas na aldeia da Palhota. Uma casa que é um pequeno museu da cultura avieira. No seu interior destacam-se as suas criações em miniatura, barcos e casas avieiras. O próximo projecto que João tem na manga será a construção da Palhota em miniatura, uma forma de guardar as memórias da típica aldeia avieira. “Cantinho do Fragateiro”, assim foi baptizada a sua “barraquinha”. É a que mais se destaca assim que se chega à aldeia, pela forma cuidada como se encontra e os seus proprietários tentam quebrar o rumo que a Palhota tem tomado e por isso não prescindem de fazer a manutenção da barraquinha típica de madeira.Assim que acorda, João toma o pequeno almoço e o seu destino é a aldeia. É lá que passa o dia, tanto na pequena oficina que tem no local, como a cuidar da horta, que é regada pela água puxada do rio Tejo. A aldeia não tem água da rede e só algumas das casas têm os seus próprios furos. “Vivia aqui muita gente”, recorda João Pita Pereira que aos sete anos já andava de lancha à pesca com o pai. “É fundamental que as pessoas preservem as memórias do antigamente e é importante que as pessoas e a autarquia façam a manutenção da aldeia e tratem de arranjar as barraquitas, porque fazia a Palhota muito mais bonita”, completa.“A Palhota está um pouco degradada também devido aos donos das casas que não cuidam do espaço”, refere a O MIRANTE Pedro Santos, do projecto Palhota Viva, que ressalva ainda o facto de anteriormente a aldeia ser propriedade privada e de não ter existido uma legalização das casas. “Algumas estão legalizadas porque as pessoas arranjaram os documentos de compra e venda”, confirma.

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