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Pedro Ré não compreende porque se gastam fortunas a iluminar o céu quando o que precisa ser iluminado é o chão que pisamos

Pedro Ré não compreende porque se gastam fortunas a iluminar o céu quando o que precisa ser iluminado é o chão que pisamos

Biólogo, professor universitário, astrónomo amador com casa e observatório astronómico no Ribatejo e amante de mergulho e de fotografia

Pedro Ré é um biólogo com inúmeras paixões e garante que tem tempo para todas. Dá aulas na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, é mergulhador, fotógrafo, presidente da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores e tem uma ligação de décadas ao Ribatejo onde tem uma casa e um observatório astronómico particular. Garante que este é um palco privilegiado para observar o céu e lamenta que se gaste tanto dinheiro a iluminar o céu quando o que precisa de ser iluminado é o chão que pisamos. É ateu, graças aos padres, pontual por causa da frequência de um colégio inglês durante a infância e considera-se uma pessoa... “estupidamente organizada”.

O que é que procura no céu?A minha motivação é a fotografia. No sol está sempre tudo a mudar enquanto numa galáxia raramente vemos modificações a não ser que tenha explodido uma estrela, que explodiu muitas vezes antes de existir Homem na terra e só agora chega cá a luz. É essa janela no tempo que me interessa ver. Gosto de registar o sol, a lua, planetas, galáxias, supernovas, cometas. Não me interessa ter fotografias muito bonitas. O que pretendo é determinar a magnitude ou fazer determinadas medições.Usa o telescópio todas as noites para observar o céu?Se vivesse no campo utilizava o telescópio todos os dias. Também é verdade que hoje, com as técnicas que existem, já não é preciso ir para a rua. Controlo tudo remotamente pelo computador que tenho em casa. De Inverno ou Verão. Já descobriu ou participou na descoberta de uma nova estrela, constelação ou planeta?Não é que não tenha tentado. Uma das coisas que me interessa é o estudo das supernovas. As estrelas que explodem nas galáxias e que são, do ponto de vista evolutivo, extremamente interessantes. É por existirem supernovas que nós existimos. Nós somos poeiras das estrelas mas também somos filhos das supernovas porque se não houvesse essas explosões os elementos fundamentais para a vida não existiam.É biólogo de profissão e astrónomo amador. Há alguma ligação entre essas duas áreas?Para mim a ligação é a fotografia. Adoro fotografar. Faço fotografia tanto para o trabalho de investigação na biologia como na astronomia. Muitas das técnicas que se utilizam em processamento digital de imagem, usam-se tanto com microscópio como com telescópio.Descobriu a astronomia primeiro que a biologia ou foi ao contrário? Descobri a astronomia muito cedo. O meu pai, que era médico, sempre se interessou por astronomia. Comprava muitos livros sobre astronomia. Eu devia ter uns 12, 13 anos quando ele comprou um telescópio. A partir dessa altura comecei a descobrir o mundo da astronomia através do telescópio e nunca mais parei. Mas foi sempre um hobbie.Mas não é um hobbie qualquer?!Sou astrónomo amador e faço tudo por carolice, por prazer. O que me interessa mais fotografar são galáxias, supernovas, o sol. É o que tenho feito nos últimos tempos. Isso é que tem interesse científico e muitos desses dados podem, e devem, ser divulgados para serem trabalhados por astrónomos profissionais. Quando os astrónomos amadores possuem equipamentos sofisticados, como é o meu caso, os profissionais já nos solicitam observações. Isso é que me dá gozo, participar em projectos de cooperação entre profissionais e amadores. Algumas das minhas fotografias podem ser interessantes do ponto de vista científico. Consegue ver com os seus equipamentos a lixeira, nomeadamente de satélites, que o homem colocou no espaço nos últimos anos?Não há praticamente nenhuma vez que não apanhe um satélite nas fotografias que faço. Mas nunca vi nenhum Ovni [Objecto Voador Não Identificado]. Nunca vi nada que não se possa explicar.Acredita na existência de extraterrestres?Acredito que, de certeza, existe vida no Universo. Falar em Ovnis é que não faz qualquer sentido. É falta de cultura científica. Se me puserem um Ovni no laboratório eu acredito. (risos)A lixeira que vê no espaço é mais ou menos impressionante que a lixeira que o homem depositou no fundo dos oceanos?No fundo dos oceanos é bem pior. A lixeira que existe no espaço resume-se a satélites, restos de instrumentos que foram enviados para fora da atmosfera. No fundo dos oceanos é um problema gravíssimo que não sei como se vai resolver. Se juntarmos a isso a questão das mudanças climáticas globais e o aumento gradual da temperatura, a situação é mesmo muito grave. Ainda há lugares limpos nos oceanos? Por incrível que possa parecer ainda há alguns locais onde mergulho há muitos anos, que são completamente virgens e é um espectáculo fantástico estar em contacto com a natureza naquele estado tão puro.“Todos os cálculos feitos pelos astrólogos estão completamente errados”Os astrólogos baseiam-se na teoria de que os astros influenciam os nossos comportamentos. Isso tem alguma sustentação científica?Todos os cálculos feitos pelos astrólogos estão completamente errados. Por exemplo, eu nasci a 24 de Dezembro, sou do signo Capricórnio. Se for a um dos programas de computador onde os astrólogos fazem o Mapa Astral e verificar onde estava o sol na hora e dia em que eu nasci não está no signo de Capricórnio. Os astrólogos não entram em consideração com uma coisa que se chama “precessão dos equinócios”. São contas feitas de há dois mil anos para cá e está tudo errado. A pessoa que me ajudou a nascer teve maior influência na minha vida do que Marte ou Vénus juntos.Acredita que se tivesse nascido noutro dia ou no mesmo dia a uma hora diferente, seria outra pessoa? Isso não faz qualquer sentido. É verdade que existem pessoas extremamente inteligentes como o Fernando Pessoa, por exemplo, que fez vários mapas astrais, e acreditava na astrologia. Uma pessoa que tenha a mínima formação científica não pode acreditar nessas coisas. Existe a influência de alguns fenómenos, como a lua nas marés ou o clima, agora os astros determinarem a vida de cada pessoa é uma crendice. Tenho um ódio de estimação pela astrologia, como se nota. (risos)Acredita em Deus?Não. A melhor maneira de ser ateu é andar num colégio de padres (Pedro Ré frequentou durante algum tempo o Colégio Marista de Carcavelos). (risos) Não acredito nas divindades nem na predestinação.Os seus namoros foram sempre ao luar e a ver as estrelas?Quase sempre. Também tem que se escolher as pessoas que gostam destas coisas da biologia e astronomia como eu. Os seus filmes e livros preferidos são do género da Guerra das Estrelas, Guerra dos Mundos, Alien...?Reconheço que devia ter lido mais escritores clássicos. Li alguns mas não foram muitos. Grande parte das revistas ou livros que leio são tudo coisas técnicas. O meu filme favorito é o Gladiador, por causa dos aspectos históricos.Como classifica alguém que consegue exercer a sua profissão apenas das nove às cinco e meia, de segunda a sexta-feira, desligando-se totalmente dela durante o resto do tempo?Há aquele célebre provérbio chinês que diz “arranja uma ocupação de que gostes e não trabalharás um único dia da tua vida”. Sou um privilegiado porque faço aquilo que gosto. Compreendo que, para quem trabalhe contrariado, o tempo custe muito a passar mas isso nunca aconteceu comigo. Não descanso a dormir. Descanso a mudar de actividade por isso tenho a biologia no trabalho e a astronomia em casa.“Já não precisamos de estar na lua para saber o que se lá passa”Trabalha como professor universitário para sustentar a sua paixão como astrónomo amador ou os seus trabalhos como astrónomo também lhe rendem dinheiro?O meu ordenado é ganho com o trabalho que faço na faculdade mas também ganho dinheiro com a astronomia. Publiquei cinco livros de astronomia que vão dando direitos de autor, embora tenha optado, há pouco tempo, por prescindir deles. Tenho dedicação exclusiva na faculdade onde trabalho e para poder ter direito às duas coisas tinha que me instituir como profissional livre. Decidi abdicar dos direitos de autor.Com duas actividades tão absorventes como arranja tempo para a família e os amigos?É uma questão de organização e costumo dizer que sou estupidamente organizado, tem que ser. Arranja-se sempre tempo para a família, embora a família também tenha que entender esta paixão.As viagens de férias são planeadas a pensar apenas no lazer ou têm sempre em conta os melhores locais para observar os astros ou fazer mergulho?As viagens são sempre planeadas para fazer ou explorações subaquáticas ou fotografia astronómica. É impensável ir visitar uma cidade. Se gosto de natureza não me vou ‘enfiar’ numa cidade. Já visitei Paris ou Nova Iorque, mas não me diz nada. A motivação é estar sempre em contacto com a natureza.Um biólogo para ser bom biólogo tem que ser também mergulhador?Não. O mergulho é um desporto. Já mergulho desde 1973. Hoje existem muito melhores condições para mergulhar. Mergulho também pelas fotografias. Conseguimos excelentes fotografias do fundo do mar.Qual é o melhor ponto do mundo para observar o céu?O deserto de Atacama, no Chile, onde agora está a ser construído o Observatório de Alma, a cinco mil metros de altitude. São dezenas de antenas com radiotelescópios que nos vão permitir uma série de coisas. Já fui lá umas cinco ou seis vezes. Não é barato lá chegar mas vale muito a pena.Que opinião tem do Centro de Ciência Viva de Constância?É um óptimo espaço de divulgação da astronomia para explicar aos mais novos o Sistema Solar e as Galáxias. É importante ter um espaço destes fora das grandes cidades. Alguns equipamentos que possuem podem não ter sido os mais bem escolhidos mas isso é normal.Portugal é um palco privilegiado para observar o céu?Portugal é talvez um dos poucos locais na Europa onde temos mais noites limpas por ano. Está sempre limpo. As pessoas ficam admiradas por eu observar o sol e o céu quase todos os dias porque não é habitual. Mas temos o problema da poluição luminosa que é desregrada. Poluição luminosa?A electricidade é necessária mas a luz é mal direccionada. Há um gasto brutal de electricidade que apenas serve para iluminar o céu, que não precisa ser iluminado. O que interessa iluminar é o chão mas a maior parte da luz está apontada para o céu.Já poderíamos ter colonizado a Lua?Sempre se disse que iria haver uma base na Lua e o projecto da estação internacional foi muito interessante mas tudo isso teve problemas de financiamento. Com os projectos que agora foram desenvolvidos, com observações feitas com telescópios espaciais, não é preciso estar ninguém na Lua.Também esteve acordado na noite de 20 de Julho de 1969 para ver as primeiras imagens do astronauta americano Neil Armstrong a pisar a Lua? Duvidou do que estava a ver?Lembro-me de ser miúdo e estar em frente à televisão, entusiasmado, a ver aquilo. As imagens eram horríveis mas nunca tive dúvidas de que aquilo estava mesmo a acontecer. Tem o sonho de ir à Lua? Já pensou participar naquela viagem à lua organizada pela empresa do patrão da Virgin?Nunca tal coisa me passou pela cabeça. O meu país não deixou, como diz uma letra da música do Tim, dos Xutos e Pontapés. (risos). Isso é muito caro. Mas há uma coisa que gostava de fazer que era mergulhar num submersível que vai muito fundo no Oceano. É a coisa mais próxima de ir numa nave espacial.A exploração de Marte entusiasma-o?Sem dúvida. Nos próximos 20, 30 anos saberemos se existe vida unicelular e será uma enorme diferença se descobrirmos bactérias ou vírus em Marte. De certeza que vamos encontrar. Se descobrirmos vida noutros satélites ou planetas do Sistema Solar vai ser uma enorme revolução.Astronomia é viciantePedro Ré nasceu a 24 de Dezembro de 1956 e licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tirou o doutoramento em Biologia Marinha na mesma universidade, onde dá aulas há 37 anos. É astrónomo amador e é o presidente da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores. Desde a década de setenta que está ligado à região de Santarém onde tem uma casa que utiliza aos fins de semana e nas férias e o seu observatório astronómico particular. Por toda a sua casa há telescópios. Até na cozinha. Na sala estão pendurados vários registos fotográficos do espaço. É através de um computador que controla remotamente os telescópios que tem no amplo quintal. Considera a astronomia fascinante e... viciante. Diz que o facto de ter estudado sete anos num colégio inglês [dos três aos dez anos] aprimorou a sua pontualidade. Detesta atrasos. Garante ser entusiasmante dar aulas para um auditório com cerca de 250 alunos. Separado, tem uma filha com 25 anos que se está a licenciar em medicina veterinária e que também gosta de astronomia embora prefira o mergulho, sendo frequente acompanhar o pai nas aventuras subaquáticas. Resistiu durante algum tempo à rede social Facebook mas rendeu-se porque, garante, é uma óptima ferramenta de trabalho. “É importante porque estamos em contacto com o mundo e para sabermos o que está a acontecer vamos lá. Também há muito ‘lixo’ mas é quase impossível vivermos sem as redes sociais”, explica.
Pedro Ré não compreende porque se gastam fortunas a iluminar o céu quando o que precisa ser iluminado é o chão que pisamos

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