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Uma tremoceira à moda antiga que resiste ao tempo e à crise

Uma tremoceira à moda antiga que resiste ao tempo e à crise

Celísia Ramos Serrado, 72 anos, cultiva a tradição há décadas: cria, colhe e prepara com dedicação os tremoços que depois vende aos fregueses por terras do concelho de Santarém. E há quem ache que não há tremoços como os dela.

Há mais de vinte anos que vende tremoços, amendoins, favas e grãos torrados por ela e diversas variedades de frutos secos. Ao sábado, a moradora na localidade de Espinheira leva a banca até Amiais de Baixo e todos os domingos o seu destino é a vila de Tremês. Foi aí, mesmo em frente à igreja, que O MIRANTE encontrou Celísia. Sentada numa das pontas da sua banca, protegida do calor por um chapéu-de-sol azul, a aguardar pelos fregueses, muitos deles clientes fiéis de há décadas.O colorido dos tremoços e da variedade de produtos que tem à venda contrasta com o luto que a acompanha. Os olhos enchem-se de lágrimas quando recorda o marido, António Duarte, seu companheiro de vida e de vendas, que morreu há poucos meses. Agora é a filha que a traz e lhe faz companhia na venda, mas mantém-se a saudade.Celísia dedicou a vida à família, à casa e ao campo. O seu primeiro trabalho foi a ceifar. “Fui ganhar a azeitonada tinha a minha filha 18 meses e quantos dias eu fiz ela fê-los comigo”, relembra enquanto explica a O MIRANTE que andava a trabalhar no campo com a filha a chorar atrás dela enrolada numa manta.O tremoço, que tantos gostam de apreciar, tem a sua arte. “É complicado deixar os tremoços no ponto e este ano ainda é pior, porque faz muito calor e eles começando a apanhar calor ganham espuma e às vezes pintam os beiços, pois ficam encarnadinhos”, revela Celísia.Não esconde o segredo para que os tremoços fiquem saborosos. O importante é mudar-lhes a água muitas vezes ao dia e mantê-los embebidos em água fresca. Antes de estarem prontos a ser saboreados há um processo que requer muita dedicação.“Os tremoços deitam-se à terra em Outubro ou Novembro. Depois sacham-se, que é para lhes matar a erva, e deixam-se estar na terra até Junho ou Julho. Nessa altura apanham-se, debulham-se, joeiram-se e arrecadam-se. Conforme os vamos querendo cozer, vão-se pondo de molho”, explica a tremoceira. Enquanto conversa com O MIRANTE levanta-se, vai enchendo o alguidar de tremoços, atende os fregueses e vai trocando algumas palavras com aqueles que dizem que não há tremoços melhores do que os da D. Celísia. Agora já não são muitos os fregueses, confessa, mas mesmo assim suficientes para a manterem activa.Foi com a “tia” Amélia, senhora da sua terra, que se entusiasmou para enveredar por este negócio, mas foi com a mãe que aprendeu a cozer os tremoços. “A minha mãe chegou a cozer tremoços tantas vezes para a Senhora dos Prazeres... Cozia-os à segunda-feira para os comerem ao sábado, por aí é que me orientei, depois fui cozendo”, recorda. Na sua terra mantém-se a tradição e comem-se tremoços à noite na véspera da festa em honra de Nossa Senhora dos Prazeres, que decorre anualmente no início do mês de Abril.Hoje, a medida mais cara que tem é de 85 cêntimos, a mais barata 40 cêntimos, mas “mesmo assim vende-se pouco”, lamenta Celísia relembrando que antigamente vinham fregueses da cidade propositadamente para comprar os seus frutos secos. Uma actividade que está em vias de extinção, o que causa algum pesar nesta tremoceira. “A juventude não sabe fazer nada, aí é que vai o defeito. Nunca lhes falta nada e esses que entraram no governo são iguais e esquecem-se que nós estamos cá”, critica.Diz que agora está dependente dos filhos para continuar na venda, mas mantém a esperança de continuar. Garante que tem sido feliz e que é o campo que lhe traz divertimento, mas a partida do marido tem abalado os seus dias. “Tenho sido feliz, agora é que me caiu a infelicidade toda de uma vez em cima”, diz. Aos domingos, podemos continuar a encontrar Celísia na vila de Tremês a vender tremoços que ela garante não haver igual no sabor.
Uma tremoceira à moda antiga que resiste ao tempo e à crise

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