uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Um artesão que vai resistindo à crise

Um artesão que vai resistindo à crise

A oficina é no antigo quartel da Cavalaria, em Santarém, onde trabalham também outros artífices

Manuel Ferreira, 58 anos, ganha o pão a fabricar peças de artesanato em bunho e outros materiais. Faz disso a sua profissão, já lá vão mais de duas décadas. Não é uma vida fácil, até porque este trabalho faz mesmo calos. Mas vai dando para as despesas.

Há mais de 20 anos que Manuel Ferreira se aventurou no artesanato. Tem dias que gosta, outros que nem por isso, mas para ele a independência no trabalho é o que realmente importa. Ali, ele é o patrão dele próprio. Quando lhe perguntamos se vai sentindo a crise, suspira e responde que quem se dedica ao artesanato é dos primeiros a sentir a crise, pois não se trata de artigos de primeira necessidade.A época de Natal é o balão de oxigénio que permite equilibrar as contas, pois sempre se vende mais qualquer coisa. “As pessoas têm mais disponibilidade financeira e depois é a questão da prendinha, as pessoas gostam de oferecer algo diferente”, diz na sua oficina situada no antigo quartel da Cavalaria, de onde saiu o capitão Salgueiro Maia e a sua coluna militar em 25 de Abril de 74 para ajudar a derrubar a ditadura em Lisboa.Há cerca de dois anos que está ali aquartelado, em instalações cedidas pelo município, à semelhança de outros artífices e entidades diversas. Partilha a sua sala com outra artesã, Maria das Neves, que se dedica aos cestos e às malas. No outro lado da sua oficina encontra-se outra senhora, Arminda, que vai fazendo louças em barro, estatuetas. Antes tinha a oficina no antigo campo da feira, num espaço que já não existe.Manuel é um bom exemplo de que os cursos de formação profissional ainda servem para alguma coisa. Foi após ter frequentado uma acção dessas que ganhou afeição à arte. Depois foi aprendendo sozinho, ganhando destreza e jeito com a prática, porque o caminho faz-se andando e quem não nasceu em berço de ouro tem que pôr mãos à obra para ganhar o sustento de cada dia. Apesar de se queixar das dores nas costas e dos dedos dormentes, dedica-se por inteiro a essa actividade de manhã à noite. A produção não pode parar. “É o que sei fazer e agora depois de velho já não vou a tempo de trabalhar noutro ramo, hei-de morrer a fazer isto”, sentencia.A retribuição nem sempre é choruda, mas parece conformado com a sua sina até porque a clientela hoje em dia não nada em dinheiro. O artesão pratica quase os mesmos preços que praticava há 10 anos. “Faço peças que nem chego a ganhar dois euros à hora”, confessa a O MIRANTE. Agora, para dar descanso aos calos e para ver se ganha mais alguma coisa, Manuel inovou a sua arte apostando na confecção de carteiras artesanais. Como companhia na oficina tem a Linda, a sua cadela de estimação. Enquanto decorria a conversa, no seu local de trabalho, o artesão levantava-se de vez em quando para lhe mandar a bola e suspirava dizendo que era a sua única companhia.Tempos livres são raros na vida do artesão. “Quando não estou a fazer peças, estou a tentar vendê-las”. Manuel monta banca habitualmente às quartas-feiras na Rua Capelo e Ivens, ao sábado no Largo Seminário e ao domingo junto ao jardim das Portas do Sol. É por isso uma cara conhecida na cidade.Mesmo com pouco tempo livre Manuel diz que ainda vai gerindo os seus blogues (manuelferreiraartesanato.blogspot.pt), mostrando-se um verdadeiro fã da Internet. Faz vídeos dele próprio a trabalhar na sua arte e coloca-os no youtube. Já fora da sua oficina Manuel confessa que a sua profissão está em vias de extinção. “Quem é que quer ir para uma profissão que não é rentável? E que faz calos na mão? Se calhar, se fosse há uns anos atrás também pensava melhor”.
Um artesão que vai resistindo à crise

Mais Notícias

    A carregar...