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“Onde houvesse perigo era onde eu gostava de estar”

“Onde houvesse perigo era onde eu gostava de estar”

Acácio Benavente, 59 anos, sócio-gerente da Agência Funerária Lopes & Benavente, Santarém

Quando era criança queria ser matador de toiros mas quis o destino que fosse agente funerário. Há mais de três décadas abriu com o seu sócio a primeira agência e daí em diante tem apostado na qualidade dos serviços prestados. Casado e com dois filhos, Acácio Benavente ou Acácio da “Estrudes”, como também é conhecido, é uma pessoa bem-humorada, que gosta de aventura e de coisas fora do comum. Diz que a morte não o assusta e que já fez milhares de funerais.

Eu era muito vadio e aos 13 anos fugi para Espanha, porque queria ser matador de toiros. Roubei 500 escudos à minha mãe e fui para Sevilha. Foi um acontecimento nacional, apareceu na televisão que eu tinha desaparecido. Fui sempre de aventuras. Apanhei uma boleia e gastei os 500 escudos em quatro dias. Ainda escrevi uma carta à minha mãe, mas acabei por chegar primeiro do que a carta. Fiz a antiga quarta classe mas foi à custa de levar muita reguada. Do que mais me lembro dos tempos da escola é das grandes tareias que a professora me dava, se não fosse isso ainda hoje lá andava. Gostava pouco de estudar. Nasci em Póvoa da Isenta e fui criado sem pai. A minha mãe foi pai e mãe, ainda é viva, felizmente. Tem 84 anos. Foi ela que me transmitiu os valores da época. Actualmente vivo em Paço, freguesia de Tremês. Gostei sempre de coisas fora do comum. Fui sempre mais à frente para a época. Ia fazer as passagens de ano a Faro ou a Lisboa, enquanto a rapaziada passava o ano aqui em Santarém no Grémio Operário.O meu primeiro trabalho foi numa fábrica de tijolo, tinha 15 anos. Aos 19 anos fui trabalhar para o cemitério como coveiro. Além de 32 anos de actividade funerária tenho mais esse tempo a abrir covas no cemitério de Santarém. Estive também nos Comandos durante o serviço militar porque queria pertencer a uma tropa de elite. Onde houvesse perigo era onde eu gostava de estar. Há 32 anos entrei na actividade funerária com o meu sócio. Para arrancar fomos ao banco pedir um empréstimo de 120 contos que foi recusado. Felizmente um senhor, que também trabalhava no banco, emprestou-nos 500 contos. Tudo correu bem. Esta é a terceira agência que abrimos em Santarém. Queremos fazer diferente e apostar na qualidade. Actualmente já temos oito colaboradores.Sou o agente funerário mais popular de Santarém. Toda a gente conhece o Acácio da Funerária. Não digo que não a uma boa anedota e dou-me bem com todos os colegas de profissão. Lido bem com a morte. Tenho muitas histórias caricatas ao longo destes anos de profissão. Um dia perguntei ao morto onde estava o morto. Foi há vinte e tal anos. Fomos contactados eram quatro da manhã e eu e o meu sócio, Carlos Lopes, fomos ao local, tocamos à campainha e o filho do senhor abriu. A primeira pessoa que vi quando entrei foi um senhor sentado no sofá com os olhos abertos e uma cafeteira na mão e perguntei-lhe “Oiça lá, o senhor que morreu está no quarto?”.Já fiz milhares de funerais entre eles a um cão. Somos a agência de Santarém com mais serviços. Já fiz muitos funerais de elite, mas fazemos funerais de todas as religiões e classes sociais. Na vida marcaram-me um ou dois funerais de pessoal com quem eu brincava na escola. Sou sensível mas são tantos milhares que uma pessoa habitua-se. Curiosamente, o primeiro funeral a que fui, devia ter 10 anos, fiquei três dias sem dormir a pensar na velhota.A minha família lida bem com a minha profissão. Sou casado há 28 anos e tenho dois filhos e eles habituaram-se ao meu trabalho. Para me distrair vou um pouco ao café, e gosto muito de ver futebol. Sou sócio do Benfica e quando era jovem joguei na União de Almeirim, agora já não dou toques na bola, agora é só para o petisco. Gosto muito de petiscar com os amigos. Também gosto de cozinhar e de fazer uma boa massa à barrão. Só nunca comi Sushi.Acácio da “Estrudes” ainda hoje é a minha alcunha. Dizem que a minha avó Gertrudes também era um bocado aventureira como eu, uma espécie de Padeira de Aljubarrota. Sou uma pessoa honesta, amigo do meu amigo, bem-disposto e sempre disponível. O bom-humor e o profissionalismo são as minhas armas diárias.Andreia Montez
“Onde houvesse perigo era onde eu gostava de estar”

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