uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Hoje as crianças já nascem calçadas

A história que vou contar passou-se em 1952, tinha eu 7 anos, na aldeia da Ribeira, Sertã, onde vivia. Até essa altura eu nunca tinha tido sapatos e os meus pais decidiram mandar fazer-me uns para eu estrear no primeiro dia de aulas. Nessa altura, os sapateiros e costureiras iam a casa dos clientes e ficavam até terminarem o seu trabalho. A paga incluía também refeições e foi o que aconteceu. O sapateiro e a costureira estiveram em nossa casa dois dias. Nós éramos 7 irmãos e só comíamos depois deles. Fiquei tão contente com os sapatos que os mostrava a todos os meus futuros colegas de escola.Passados dois dias a minha mãe foi cozer pão no forno de uma vizinha. A minha ajuda foi prender uma cabrita que a senhora já velhota tinha que, quando via o forno aberto, costumava saltar lá para dentro. Prendi mal a cabra porque ela se libertou, entrou no forno e saiu de lá com o pêlo a arder. Pode-se dizer que ficou com a permanente feita. Mas não ficou por ali a minha aventura. Aproveitando a ausência durante algum tempo da minha mãe, resolvi estrear os sapatos. Calcei-os mas como havia muita água e lama ficaram logo encharcados. Para a minha mãe não ralhar, lavei-os e meti-os à boca do forno para secarem. Foi de tal maneira que, como eram de sola, quando os tirei estava a biqueira chegada ao calcanhar. Tentei endireitá-los e ainda foi pior porque, perante a minha surpresa, partiram-se ao meio. Fui escondê-los, chorei mas acabei por ir contar tudo ao meu pai que, por acaso, estava ao pé do sapateiro. Ele não disse nada. Ajoelhei-me e fixei o meu olhar no dele e prometi-lhe andar descalço até completar a 4ª classe. Acabei por ver o castigo reduzido e aos 9 anos já tinha sapatos. Dedico este texto a todos os estudantes pelo que agora têm e que eu não tinha no meu tempo de criança. Virgílio Lourenço Nunes

Mais Notícias

    A carregar...