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“Não sou viciada em trabalho mas trabalho genuinamente por gosto”

Clara Maria Rodrigues, 48 anos, notária, Salvaterra de Magos

A determinada altura da sua vida chegou a pensar numa carreira de enfermagem mas acabou por ser oficial de justiça e posteriormente notária, profissão que agora exerce. Natural de Vila Real foi ainda bebé para Angola e regressou após a descolonização. Nessa altura viveu três meses num campo de refugiados. Diz que se sentiu discriminada em Portugal por ser retornada. Apaixonada pelo trabalho reconhece que a família deve sofrer com isso. Gosta de Mozart, vive em Sintra e vai de carro todos os dias para o trabalho em Salvaterra de Magos.

Após a independência de Angola onde vivi com os meus pais estive três meses num campo de refugiados na África do Sul. Foi uma aventura para mim porque eu era muito nova. Fiz lá muitas amizades. Ainda tentámos ficar na África do Sul mas não dominávamos a língua e era necessário domínio pleno do inglês. As pessoas com licenciaturas puderam ficar porque eram uma mais valia para os sul africanos. Nós apanhámos um avião em Joanesburgo para Lisboa. Tinha uma imagem maravilhosa de Portugal porque tinha vindo cá passear e a ideia de voltar a Portugal era entusiasmante para mim. Regressámos sem nada para a aldeia onde nasci. A minha avó tinha sete filhos e de uma assentada vieram quatro filhos de Angola, todos ao mesmo tempo. Lá fomos conseguindo ficar todos. Estive em Vila Real entre os 12 e os 21 anos. Aqueles primeiros anos foram terríveis, houve muita discriminação no pós-25 de Abril em relação aos retornados das ex-colónias. Aos 18 anos soube por um tio que iam abrir concursos para os tribunais, para oficial de justiça. Candidatei-me e passei. Na altura já éramos 14 mil candidatos a nível nacional para 300 vagas.O primeiro dia como oficial de justiça foi terrível porque nem sequer percebia do que falavam. A linguagem dos tribunais era muito hermética, muito fechada, e eu era uma jovem de 19 anos que vinha de um curso de ciências. Ao fim de uns dias pensei que não ia conseguir mas depois as coisas equilibraram-se. Acabei por ficar 20 anos ligada aos tribunais. Enquanto oficial de justiça estive nos tribunais quase todos, desde o Tribunal de Instrução Criminal, Tribunal Judicial de Sintra e no Supremo Tribunal de Justiça.Fiquei desiludida porque após vinte anos de trabalho não tinha progredido quase nada na carreira. Quando entrei para oficial de justiça sempre ouvi falar em provas para subir na carreira mas a subida acabou por ser muito lenta. Decidi tirar um curso de direito e conclui a licenciatura em cinco anos. Quando terminei o curso em 2004 deu-se a privatização do notariado. Estagiei como notária em Lisboa com um notário que trabalhou em Salvaterra de Magos e daí nasce a minha primeira ligação a esta vila. O meu desejo sempre foi começar a trabalhar no notariado numa vila pequena e Salvaterra foi a minha primeira opção. Se não fosse notária acho que gostaria de ser enfermeira. Arranjar tempo para a família é a parte mais difícil. Já quando estava nos tribunais era a mesma coisa. Não sou viciada em trabalho, mas para mim trabalhar é genuinamente um gosto. Dedico muito tempo a isto com receio que o mundo vá acabar amanhã. Mas admito que não se pode viver só para trabalhar. Posso estar pouco tempo com a família mas esse tempo tem de ser de qualidade.Prezo muito os valores da entreajuda e do respeito. É mais fácil trabalhar quando se tem paixão. Curiosamente nunca fiz nada que não gostasse na vida. Trabalho normalmente das 08h00 às 20h00. Alguns dias fico a trabalhar até às 22h00. Temos tido muita procura, não só das pessoas daqui de Salvaterra como também de pessoas de outras zonas. Para mim a eficiência, qualidade, rapidez e confidencialidade do serviço é o mais importante. Aprecio quando a pessoa fica feliz e satisfeita com o nosso trabalho, mesmo em situações complexas, onde tentamos e conseguimos sempre arranjar solução.Filipe Matias

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