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O pescador de Benfica do Ribatejo que nas cheias passava as pessoas entre Almeirim e Santarém

O pescador de Benfica do Ribatejo que nas cheias passava as pessoas entre Almeirim e Santarém

Carlos Rabita diz que ainda recorda bem o peso de mulheres que tinha de levar às costas até ao barco.

Carlos Rabita não se lembra do dia mas não esquece o momento em que teve de levar uma mulher com mais de 80 quilos escarranchada nas suas costas até ao barco no qual passava as pessoas entre Almeirim e Santarém. Foi nas maiores cheias do Século XX em 1979. A Estrada Nacional 114 estava submersa e quem queria ir para Santarém trabalhar ou precisasse de ir ao hospital tinha que passar em barcos dos pescadores. Carlos Rabita, de Benfica do Ribatejo, concelho de Almeirim, era um dos pescadores que vinham de várias terras da borda de água para a zona da Pontinha em Almeirim para ajudarem quem precisasse e ganharem uns trocos que davam para a comida e para beber uns copos com os amigos. Chegaram a estar dez embarcações a trabalhar. “Até vieram barcos da aldeia avieira do Porto da Palha, de Azambuja”, recorda o habitante de Benfica do Ribatejo que aprendeu a pescar no rio com o pai mas que nunca viveu desta arte. Trabalhou na marinha mercante e depois procurou segurança económica em terra como seareiro. Mas quem nasceu dentro de um barco na zona da Palhota (Cartaxo) quando a mãe ajudava o pai na pesca fica ligado para sempre ao rio. Carlos sempre teve barcos que ele próprio construiu. O que tem actualmente para fazer umas pescarias com os amigos está à beira do Tejo em Benfica do Ribatejo mas onde por estes dias não se consegue aceder por causa das últimas cheias e dos caminhos enlameados. Para manobrar o barco com sete metros de comprimento eram precisas duas pessoas. Carlos gastava as forças nos remos e um seu cunhado ajudava com uma vara. Não havia motores e era precisa alguma valentia para às vezes fazer mais de uma hora a remar com oito pessoas a bordo. Os homens molhavam os pés para entrarem no barco mas as mulheres eram carregadas às costas. Carlos e os outros pescadores conheciam bem a zona e as correntes do rio. Não havia coletes salva vidas nessa época mas também, diz, nunca alguém foi parar dentro de água. Quando arrancava da Pontinha tinha que remar um quilómetro, às vezes mais se a corrente estivesse mais forte, para montante e depois começar a descer até à zona da casa da guarda, que ainda existe à beira da EN 114, onde desembarcava os passageiros que depois seguiam para a ponte. “Se fôssemos a direito podíamos ficar presos nas árvores e a corrente arrastava-nos para longe do sítio de desembarque”, lembra Carlos Rabita com 67 anos de idade. Durante as cerca de duas semanas que fez de taxista fluvial o que ganhava dava apenas para os gastos. As pessoas davam o que queriam. Uns 10 escudos (cerca de cinco cêntimos), outros 15 escudos. Ele e os outros pescadores almoçavam na mercearia do Joaquim da Loja, em frente ao Instituto Conde Sobral, que tinha uma taberna. O preço da refeição era fixo e combinado no primeiro dia. Se houvesse ondulação ou correntes fortes a lotação de oito pessoas chegava a ser reduzida a metade. O número de passageiros e a hora de início da navegação (às 8h00) e do fim eram controlados por guarda-rios. Um do lado de Santarém, outro do lado de Almeirim. “Outra regra que havia era não meter pessoas no barco que tivessem medo”, recorda Carlos Rabita. Os perigos de andar nas cheias era deixar um remo ficar preso nos arames das vinhas. “O barco podia virar-se”, explica. Carlos nesse ano não transportou só pessoas. Um dia andou de manhã à noite a tirar leitões de uma pecuária que existia no Porto da Courela (entre Tapada e Alpiarça). Em 1979 só havia entre Almeirim e Santarém a ponte D. Luís que nas cheias só dava para ir da capital de distrito à Tapada. Com a generalização do uso do automóvel e a inauguração da Ponte Salgueiro Maia, em 11 de Junho de 2000, imagens como as desses dias de Fevereiro de 1979 ficaram mergulhadas na história.
O pescador de Benfica do Ribatejo que nas cheias passava as pessoas entre Almeirim e Santarém

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