uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Na Suíça à procura de uma vida melhor

Vanessa Graça, natural de Tomar, fala das agruras de ter emigrado para um país frio no clima e onde, ainda por cima, não abunda o calor humano. Sem oportunidades no seu país, a jovem licenciada trabalha num restaurante e é um dos muitos rostos da nova vaga de emigração lusitana.

Acorda todos os dias às 5h30 da madrugada para ir trabalhar. Já chegou a andar quatro horas a pé, debaixo de neve, para chegar ao trabalho. Quando chega o final do dia não tem muita disposição para momentos de lazer e dado que trabalha em restaurantes é difícil ter o fim de semana livre para sair. Natural da freguesia de São João Batista, em Tomar, Vanessa Graça, tem actualmente 25 anos e emigrou há dois anos para Bulle, na Suíça, onde trabalha como empregada de mesa. Trata-se de uma vila que pertence ao cantão de Fribourg (zona francesa) onde mais de 50% da população é portuguesa “e outra boa parte” é turca, descreve. No dia 26 de Setembro de 2012, recorda, quando principiava esta aventura, deixou a mãe e o irmão mais novo a chorar, em pranto, no aeroporto de Lisboa. Do pai, recebeu um abraço apertado pela força de conter as lágrimas. “Escusado será dizer que passei a viagem toda a chorar também”, confessa. Licenciada em Gestão e Administração de Serviços de Saúde pelo Instituto Politécnico de Tomar, concluída em 2010, a única coisa que conseguiu arranjar na sua área foi um estágio profissional. Quando ia a entrevistas de emprego, recebia sempre como resposta que tinha “falta de experiência” ou “qualificações a mais”. Com 23 anos, licenciada e sem trabalho (apenas cantava na Banda T), a morar com os pais e com o canudo debaixo do braço, a sede de independência falou mais alto. “Um pouco de loucura emocional associada à vontade de ter uma vida melhor e de dar uma vida melhor à minha família”, justifica a aposta. Acrescenta que foi desafiada a emigrar por um amigo que já lá se encontrava a trabalhar. Teve que aprender a falar francês sozinha porque, atesta, os suíços que não se esforçam “um bocadinho para nos compreender”. O inglês, a tal língua universal, não é útil para quem emigra para este país. A trabalhar na restauração Vanessa conta que existem dois grandes costumes dos quais ficou a par desde que está dentro do ramo. Um deles tem a ver com os funerais. Depois do corpo ser enterrado, a família oferece um lanche ou um almoço num restaurante a um grande grupo de pessoas, como se de uma festa se tratasse. O outro, é nos casamentos. Existem três tipos de convite para o casamento suíço: um para convidar as pessoas a irem à igreja, outro para a igreja e o aperitivo e outro para igreja, aperitivo e almoço. “É hilariante. As pessoas estão descansadas a beber o seu aperitivo, chega a hora de almoçar e têm de ir embora pois não foram convidados para comer! Não deixa de ser caricata a situação”, conta.Como já trabalhou em vários restaurantes, em diferentes zonas, conheceu vários tipos de suíços. Considera que existe alguma xenofobia, maioritariamente da parte de pessoas que habitam nas aldeias, pessoas com negócios próprios de agricultura e criação de gado. “São muito rígidos para estrangeiros como eu, que ainda não falam perfeitamente francês e que se tentam inserir na sociedade”. Em minoria, infelizmente, existem aqueles que têm plena noção que os portugueses mexem muito com a economia suíça e que eles precisam, de facto, dos bons trabalhadores portugueses. “Conheço patrões suíços que só empregam portugueses, por saberem que são pessoas trabalhadoras e que sabem bem o que fazem”, atesta. Na Suíça começa-se a trabalhar muito cedo e, durante a semana, o comércio fecha às 19h00. Ao sábado, depois das 16h00, já não se encontra nada aberto nem ao domingo. No entanto, aponta, em “todos os cantos” existe um centro português com bailaricos ou karaokes, que gosta de frequentar de vez em quando. Nos momentos de descanso gosta de estar deitada no sofá a ver televisão portuguesa para matar saudades. “Alguém que queira juntar dinheiro para um dia voltar para Portugal, não pode sair todos os dias pois, por exemplo, um café custa 3,70 francos”, exemplifica. Portuguesas são mais vaidosasAtenciosa com a sua imagem, notou que o povo português tem mais cuidado com as aparências que o suíço. Já na comida, sublinha que se come muito bife de cavalo, fondues de queijo ou raclete e tartare (carne crua). Como é esquisita, não gosta muito. “Acho engraçado a reacção deles quando lhes digo que nós portugueses comemos batatas fritas com arroz. Para eles é impensável misturar essas duas coisas”, atesta.“Continua a ser muito difícil estar longe e aceitar que se voltar para Portugal nunca terei condições para fazer uma vida sem depender dos outros”, diz. De vez em quando, ainda chora com saudades com um pouco de arrependimento à mistura. A vida de emigrante não está a ser fácil. A começar pelo clima. “Vejo este país, e as pessoas que o habitam, como o tempo que faz aqui: frio, sem cor. As pessoas não são acolhedoras como em Portugal, nem mesmo os próprios portugueses que já aqui habitam”, atesta. Para matar saudades, contacta com a família via telemóvel, pois tem um contrato anual que lhe permite fazer chamadas gratuitas para Portugal. E quando perguntamos do que mais tem saudades, a lista é infindável: da família, dos amigos, da grande paixão que é cantar, da banda, dos gatos, do carro, do bom tempo, das noites passadas com os amigos, da comidinha da mamã, do frango assado da avó materna, do pão e do caldo verde da avó paterna, das tardes de domingo passadas na cama a ver filmes, da sua aldeia, da linda cidade de Tomar, dos bailes de Verão e “dos miminhos do irmão”.“Não é fácil largar tudo e começar do zero noutro país, onde nem sequer a língua falamos”, diz, aconselhando a quem ponderar emigrar que pense melhor antes de o fazer. “Às vezes vou-me um bocado abaixo quando me ponho a reflectir nos anos que dediquei aos estudos para poder ter uma vida melhor e me vejo aqui a fazer limpezas, a servir às mesas ou a trabalhar em fábricas”, confessa. Mas não tem vergonha. Pelo contrário. O seu objectivo, como o de quase todos emigrantes, é voltar um dia a Portugal, construir uma casa na terra que a viu nascer e viver feliz com a escolha que fez.

Mais Notícias

    A carregar...