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31 anos do jornal o Mirante

Trinta e um anos a inovar na arte de fazer vinagre

É na Golegã que se produzem alguns dos melhores vinagres do país, em parte graças à arte de Joaquim Cardoso, mestre vinagreiro que domina os segredos de um processo ancestral que foi evoluindo ao longo dos tempos. Hoje há vinagres para todos os gostos e todas as carteiras.

Joaquim Cardoso é mestre vinagreiro numa fábrica de vinagre da Golegã há quase 31 anos. Quando iniciou funções não imaginava o quanto o seu local de trabalho iria mudar ao longo dos tempos, mas tinha noção que a inovação de produtos ia obrigar a uma grande viragem. “Começámos com um depósito e apenas a fazer vinagre de fruta, o que na altura era uma grande inovação. Não havia vinagre de fruta e era impensável falar dele, só havia o tradicional vinagre de vinho”, explica.Convidado pelo fundador da fábrica Mendes Gonçalves, da Golegã, a abraçar esse projecto, conta que gosta do que faz e explica em que consiste o seu trabalho a quem é leigo na matéria. Um mestre vinagreiro acompanha todo o processo de produção de vinagre, desde a chegada da matéria-prima até ao engarrafamento. Pelo meio faz o loteamento consoante o tipo de produto, controla todo o processo de fermentação que leva à transformação do teor alcoólico em teor asséptico ou acidez, segue a sua filtração de alta qualidade e a armazenagem do vinagre.“O primeiro vinagre de fruta era feito com a fermentação do figo. Ainda hoje o fazemos na destilaria. Comprávamos o figo aqui na zona de Torres Novas, que na altura tinha muita produção”, conta. Hoje o conceito de vinagre de fruta expandiu-se à manga, frutos vermelhos, maracujá e maçã verde. Como não podia deixar de ser, continua-se a produzir o vinagre de vinho branco e tinto mas o preferido deste mestre vinagreiro é o de sidra. “Gosto muito do vinagre de sidra e é o que uso na minha casa. Acho que é um vinagre mais suave”, diz o vinagreiro de 55 anos, residente na Golegã.Esta diversidade de vinagres encontra-se em qualquer supermercado do país. Existem para todos os gostos e para todas as carteiras. Com preços que variam entre os 40 cêntimos de um vinagre de marca branca e os 3 euros de um vinagre envelhecido em madeira, podem ser encontrados em spray, embalados em plástico ou vidro, ou até mesmo em reduções.Após 28 anos a trabalhar sozinho, Joaquim Cardoso está há dois anos a partilhar o seu conhecimento com um novo colaborador. “Quando comecei, o senhor Carlos Ferreira, que já conhecia bem os vinagres, foi-me dando formação sobre a base de produção dos vinagres”. É essa formação e a sua experiência de vida que hoje passa para o seu aprendiz, que dará seguimento a uma nova geração de mestres na arte de fazer vinagre. “Ele está entusiasmado, interessa-se e penso que se vai desenrascar bem. Ao princípio ensinei-lhe e continuo a ensinar o que sei, mas a aprendizagem é mesmo no dia-a-dia”. De jovem padeiro a mestre vinagreiroJoaquim Cardoso, natural de Sobreira Formosa, concelho de Proença-a-Nova, começou a trabalhar mal acabou o ensino primário. Ajudou os pais na agricultura e, com 12 anos, aprendeu a fabricar pão. Aos 17 anos teve o seu primeiro contacto com a indústria do vinagre. “Fui convidado a vir trabalhar para o Entroncamento, já na área dos vinagres. Na altura tinha um irmão e um primo a trabalhar na fábrica. Estive lá desde 1976 a 1981 e depois, por opção, saí”.Antes de iniciar funções na Golegã passou ainda por uma empresa de metalurgia nas Caldas da Rainha, de 1981 a 1983, até que foi convidado pelo fundador da fábrica da Golegã, que já tinha sido seu patrão no Entroncamento, a enveredar por essa área. Afirma que é reconhecido pelo seu trabalho, quer pelo fundador da fábrica quer pelo seu filho, gosta do que faz e sente-se “como um membro da família”. O seu lema de vida é “dormir sempre de consciência tranquila”. Com uma vida dedicada ao trabalho tentou sempre dar o seu melhor e ser sempre honesto com as pessoas que o rodeiam.Quando questionado sobre se um dia a Golegã poderia ser também conhecida como capital do vinagre, indicou que a Golegã vai ser conhecida pela capital dos temperos. “A empresa não é só os vinagres, é muito mais que isso”.Como se faz vinagreO processo de produção de vinagre passa por várias fases. Após a recepção da matéria-prima (que pode ser vinho branco ou tinto, cereais ou frutos) e do seu loteamento consoante o seu grau de teor alcoólico, cor e fermentação, o produto é enviado para cubas de inox onde sofre uma transformação controlada. Trata-se de uma fermentação forçada utilizando uma turbina especial, colocada dentro da cuba, para agitar o líquido e ao mesmo tempo aspirar oxigénio do exterior. Quer o oxigénio, quer a temperatura, que deve estar entre os 30 e os 32 graus, são essenciais para que as bactérias utilizadas na fermentação possam sobreviver. À fermentação segue-se a filtração e o armazenamento do chamado vinagre duplo, isto é, um vinagre entre os 10 e os 12 graus. Quando é necessário efectuar o engarrafamento, estes vinagres duplos são desdobrados em vinagres simples consoante o produto final pretendido.Mas nem sempre foi assim. O processo de produção de vinagre evoluiu bastante ao longo deste 30 anos, no caso da fábrica da Golegã. A qualidade e o sabor já não são os de antigamente. Inicialmente, feito em cubas de madeira ou balseiros, era um processo muito mais lento. “Numa semana produziam-se cerca de 10 mil litros de vinagre. Agora em 24 horas produzem-se 20 mil litros. Mas também temos de ser realistas, nesse processo das raspas de madeira a qualidade do produto final era melhor. O próprio vinagre ia ganhando o sabor a madeira, era um processo muito mais natural. Hoje em dia é um processo mais forçado”.Considerado por muitos como um elixir para resolver problemas de saúde, o vinagre é indicado para o emagrecimento e reconhecido como antibiótico e anti-séptico. Em Portugal a história do vinagre está intimamente ligada à história do vinho e ambos ocupam um lugar de destaque na economia e nos hábitos alimentares dos portugueses.O gosto pelas viagens e pelos monumentosQual a sua viagem de sonho?Teria outras, com certeza, mas uma delas já a realizei no ano passado. Foi a Cabo Verde, à ilha do Sal. A minha família gostaria muito de lá voltar.Um monumento que o tenha marcado ou que gostasse de visitar?Visitei a Sagrada Família, em Barcelona, e adorei. Claro que há outros. É inadmissível dizer isto, mas gostava de visitar o Mosteiro dos Jerónimos. Costuma-se dizer que está aqui tão pertinho e nunca o visitei. Também visitei o Mosteiro da Batalha, o de Alcobaça, mas aquele que mais me marcou foi mesmo a Sagrada Família.Qual o programa de televisão que vê mais vezes?Futebol, mas também há documentários de que gosto muito. Há um programa ao fim-de-semana, sobre animais e a natureza, de que eu gosto muito, penso que se chama “O nosso mundo”.A imprensa regional interessa-lhe?A imprensa regional é um bom meio para desenvolver a região e faz falta. Não tenho por hábito ler, mas já fui assinante do Jornal da Golegã. Infelizmente durou muito pouco tempo.O que é que a troika lhe diz?A troika foi um mal necessário. Se eles vieram cá foi porque nós os chamámos. E se os chamámos foi porque os nossos governantes não se portaram bem. Penso que se não forem cometidos os mesmos erros, as coisas vão melhorar. Se não dermos um passo maior do que a perna e os nossos governantes tiverem juízo, isto vai começar a correr melhor. Já se nota uma melhoria em Portugal.Gostava de um dia participar na política local?Nem pensar nisso. Não participava na política local, mas ela é importante e para participar nela não é preciso ser político.Quando chega a casa a sua mulher diz-lhe que ainda cheira a vinagre?Muitas vezes diz e o pior ainda é o filho. Às vezes ao fim-de-semana vou à fábrica fazer a ronda e ando um pouco lá dentro. Quando chego a casa diz-me logo: “já vens a cheirar a vinagre”. Não é preciso mexer em nada, basta entrar, é um cheiro que se entranha.

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