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O trabalho é o único caminho para o sucesso

Afonso Félix de Oliveira, 24 anos, não quer ser apenas mais um médico para a estatística e tem feito por isso

Terminado o curso de medicina, Afonso Félix de Oliveira ainda não sabe que especialidade vai seguir, mas tem já uma certeza: quer ser melhor todos os dias, embora tenha consciência que a perfeição é inatingível. Recentemente galardoado com o Prémio Pulido Valente Ensino 2014, o jovem ambiciona vir a ser reconhecido como um bom médico e acredita que o sucesso só se atinge com muito trabalho.

Com uma média de 19 valores, Afonso José Costa Félix de Oliveira foi o aluno melhor classificado na disciplina de Medicina Interna, no ano lectivo de 2011/2012, no curso de Medicina da Universidade de Lisboa, tendo sido recentemente distinguido com o “Prémio Pulido Valente Ensino 2014”. O prémio, no valor pecuniário de três mil euros, foi entregue ao jovem, residente em Torres Novas, pelo presidente da Fundação Pulido Valente, Dr. Francisco Pulido Valente. “Olho para este prémio como o reconhecimento pelo trabalho que fiz e pela formação que tive, que foi muito completa. Ter gostado muito, desde o 1.º ano, do que estava a estudar e ter sentido que cada cadeira me poderia ajudar a ser um melhor médico, contribuiu para que, no final do 5.º ano, numa cadeira que valorizo muito como é a Medicina Interna, obtivesse esta nota”, refere durante a entrevista que deu a O MIRANTE na casa onde vive com os pais, em Torres Novas. E acrescenta: “É uma grande honra ter o meu nome associado ao Professor Pulido Valente. Olho para o prémio como uma grande responsabilidade. No futuro, sinto que tenho que estar à altura da distinção que recebi. Quero conseguir influenciar colegas, doentes e os serviços de forma a que partilhem desta minha vontade de ser um bocadinho melhor amanhã para que, no futuro, todos sejamos bons”.O amor ao Tramagal e a paixão pelo basquetebolCom raízes no Tramagal, concelho de Abrantes, Afonso Félix de Oliveira nasceu a 1 de Março de 1990. Foi viver ainda criança para Torres Novas, confessando que o seu coração está dividido entre esses dois concelhos do Médio Tejo. Actualmente está no 6.º e último ano do curso de Medicina, que frequenta na Faculdade de Medicina de Lisboa, no Hospital de Santa Maria, e encontra-se a finalizar o estágio profissional de um mês e meio em Medicina Geral e Familiar na Unidade de Saúde Familiar (USF) do Almonda, em Torres Novas. Segue-se um ano de internato em dois ou três hospitais do país. Os avós maternos e paternos residem no Tramagal pelo que foi nessa vila que passou grande parte da sua infância, tendo chegado a ponderar seguir o ramo agrícola. “Gostava muito de brincar no pequeno casal dos meus avós, de andar na vinha e a regar as árvores e as plantas”, recorda a O MIRANTE, acrescentando, com graça, que também dizia que queria ser reformado como o avô. Jogou basquetebol no Clube Desportivo de Torres Novas, entre os 12 e os 19 anos, mas iniciou-se na modalidade no Tramagal Sport União. Também foi atleta federado de natação e ténis. Actualmente, faz equitação em Torres Novas. Tem um cavalo chamado “Rústico”. Gosta de touradas, assumindo que tem alma ribatejana. Depois de frequentar o Jardim Escola João de Deus, passou pelas três escolas de Torres Novas, sem se envolver no movimento académico, até rumar a Lisboa, aos 18 anos, para estudar Medicina, a sua primeira opção.História e literatura são outros pontos de interesseFilho mais velho de uma jurista e de um gestor (o actual secretário de Estado do Emprego, Octávio de Oliveira) a escolha pela Medicina foi motivada pelo gosto pela Matemática e Ciências, apesar da História ser uma paixão que ainda hoje conserva. As boas notas, para as quais sempre trabalhou, facilitaram a entrada na Faculdade de Medicina de Lisboa. Curiosamente, para além de uns primos afastados, não existem médicos no seu seio familiar mais restrito. “Foi curioso constatar, na faculdade, que era muito comum os meus colegas terem pais ou avós médicos e, no meu caso, não era assim”, refere. “Desde muito novo sempre tive interesse em várias áreas. Ciências era uma delas, embora também gostasse muito de História. O que acontece é que temos que tomar decisões ao longo do nosso percurso escolar”, recorda. Foi só no 10.º e 11.º ano, quando começou a pensar mais a sério a profissão que ia seguir, que decidiu que Medicina era a hipótese que mais o completava pois era a junção entre as ciências e as pessoas. Em casa, costuma falar de política com os pais mas nunca pensou em fazer da política o foco da sua vida.Afonso considera que foi importante, durante a sua juventude, ter realizado algumas viagens à Europa para estudar e aprender línguas, experiências que ajudaram a reduzir a adaptação à vida em Lisboa. Espanha, Inglaterra, Holanda e Alemanha, são alguns dos países que já conhece. “Sou feliz por ter tido estas experiências. Contribuíram para que estivesse aberto a outras formas de cultura, de estar e viver”, refere. Gosta muito de ler, embora o curso lhe tivesse retirado a disponibilidade de o fazer durante o ano lectivo. Quando frequentava o ensino secundário lia obras mais relacionadas com a ciência tais com os livros de António Damásio e Lobo Antunes. Na faculdade virou-se para obras mais humanistas. Um dos seus livros de referência é a “A Morte de Ivan Ilitch”, um romance de Liev Tolstoi, que retrata a vivência da pessoa com a doença e com a morte. Mais recentemente, voltou a ler livros sobre História Mundial e do século XX.“A medicina é uma ciência e uma arte”Para responder à pergunta sobre o que mais o seduz na Medicina, socorre-se de uma frase que se repete na faculdade até à exaustão e com a qual concorda em absoluto: “A medicina é uma ciência e uma arte”. Para Afonso Félix de Oliveira a medicina está assente num método científico e muito objectivo mas, por outro lado, “só é um bom médico quem consegue ter arte na execução dessa ciência”. O médico tem que conseguir transmitir ao paciente a confiança de que as coisas vão correr bem, estando entregue nas suas mãos. Quer ser conhecido pelos utentes como um médico que inspire confiança, empático e com uma boa competência técnico-científica. Para isso, confia na sua grande capacidade de autocrítica e nos dois ensinamentos valiosos que os pais lhe transmitiram: acreditar sempre que ao trabalho corresponde o sucesso e tentar ser sempre melhor no dia de amanhã. “Sempre tive a noção que tudo o que fazemos devemos procurar fazer bem feito. Tudo. Desde a nossa profissão ao relacionamento com as pessoas que nos rodeiam”, atesta.Com um discurso amadurecido para alguém que tem apenas 24 anos, Afonso Félix de Oliveira não quer ser apenas mais um médico em Portugal. Quer ser um bom médico. “Não quero ser perfeito mas quero ser sempre melhor que ontem”, diz. E ainda arranja tempo para namorar, garante, enquanto solta uma gargalhada, leve mas muito genuína, de resto, repetida por diversas vezes ao longo desta conversa.“A falta de médicos vai acabar a curto prazo”Há muitos jovens licenciados da sua geração que não conseguem arranjar trabalho. Continua a valer a pena investir num curso superior? Penso que sim, embora existam outras soluções para além da licenciatura tradicional. O ideal é considerar as opções que temos e tentar escolher o melhor caminho, que nos satisfaça a nós e que dê saídas profissionais. Mas continua a valer a pena investir na educação.Ouvir governantes a indicar a emigração como uma saída possível para os jovens que não têm trabalho não deve ser muito motivador. Os jovens são o futuro do país, como é evidente. Olho para essas situações como adversidades que os jovens e o país têm que ultrapassar. Se há jovens que têm que emigrar, acredito que vão ter experiências que no futuro lhes poderão ser muito úteis, tal como ao país. Seria capaz de emigrar caso não encontrasse saídas no mercado de trabalho nacional? Sim, sem dúvida. No meu caso, se não conseguisse trabalho cá iria atrás de oportunidades na minha área e tentar ter mais aptidões, ser melhor e eventualmente mais tarde voltar.As queixas de falta de médicos são recorrentes. Há realmente falta de médicos em Portugal ou estão apenas mal distribuídos? Estão mal distribuídos. A falta de médicos vai acabar a curto prazo porque existem muitos médicos, sobretudo em Medicina Geral e Familiar, a serem formados. Só começam a contar, na prática, quando acabarem a especialidade. O curso são seis anos e a especialidade neste caso são quatro anos. Neste momento ainda poderá haver essa má distribuição, essa falta de médicos, mas irá ser corrigida a curto prazo.Não acha estanho que os hospitais da região, que se encontram a uma hora de Lisboa ou até menos, não consigam contratar médicos para determinadas especialidades, por falta de interessados? Parecer-me estranho parece, mas não conheço a situação em concreto para a poder comentar. Também acho que essa situação também será corrigida a curto prazo. Há muitos médicos em formação. A minha faculdade está sobrelotada de alunos, como várias outras.Que opinião tem do Serviço Nacional de Saúde (SNS)? É uma das construções da democracia que teve mais sucesso. Temos indicadores muito bons a todos os níveis. O erro fundamental foi essa má distribuição que retirou muitos médicos aos cuidados de saúde primários e criou uma dependência muito grande dos hospitais. Penso que isso vai mudar. Há muita coisa para melhorar, mas a verdade é que o SNS foi bom, é bom e continuará a ser bom. Nunca foi mal atendido nos nossos serviços de saúde? Nunca tive razões de queixa. Mas também não tenho recorrido muito a eles. Vê-se a trabalhar num hospital da região? Seria desafiante trabalhar num hospital da região, tentar melhorar as coisas, fazer parte da solução aqui. Sem dúvida que seria algo de que gostaria. Mas é difícil dizer onde a minha carreira me irá levar. Vamos ver o que o futuro me reserva.

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