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A arte dos sapateiros do Vale das Mós dura há mais de sete décadas

A arte dos sapateiros do Vale das Mós dura há mais de sete décadas

Continuam a trabalhar 12 horas por dia no local onde se estrearam no ofício

Manuel e Capitolino aproximam-se a passos largos dos 90 anos e continuam a fazer aquilo que sempre fizeram desde que aprenderam a arte com o pai. A fama do calçado saído das mãos dos dois artesãos de Vale das Mós, Abrantes, já é antiga e chega longe. Um caso de longevidade activa exemplar.

Das suas mãos saem há muitos anos botas, botins, sapatos e sandálias por medida para clientes de todas as idades. Começaram a trabalhar quando Salazar mandava no país e Portugal era um império que ia do Minho a Timor. Numa altura em que andar calçado era um luxo inacessível a muita gente. Muita coisa mudou entretanto, mas o quotidiano de Manuel e Capitolino Bernardino permaneceu incólume. Os dois artesãos de Vale das Mós, Abrantes, aprenderam a arte de sapateiro com o pai após concluírem a escola primária e ao longo do tempo foram aperfeiçoando a técnica que lhes deu merecida fama. Sempre no sítio onde começaram e onde ainda hoje passam 12 horas diárias.Com 89 anos, Manuel é casado e tem um filho que decidiu enveredar por um caminho diferente e ser psiquiatra. Capitolino, 85 anos, nunca casou. O MIRANTE foi encontrá-los na sua oficina rodeados por máquinas da Singer e uma parede coberta de formas verdes que moldaram centenas de botas. A arte de fazer calçado mantém-se à moda antiga e as solas são feitas à mão. O calçado é produzido com pele de vitela e a sola é de couro de boi.Continuam a trabalhar porque é uma forma de se entreterem. “Estamos aqui e vamos passando o tempo. Assim não vamos para a taberna. As pessoas vão passando e fazendo conversa. Antigamente tínhamos um banco comprido que estava sempre cheio. Aqui é que era o café”, conta Manuel.A produção sofreu algumas evoluções e agora têm a ajuda de algumas máquinas. “Antes era quase tudo feito à mão, agora existe uma máquina de acabamentos e também existe a pregadeira”, explica Capitolino. Com paciência e vagar faz-se calçado para todos os números. Os preços variam: uns botins podem custar 130 euros; as sandálias 45 euros; os sapatos dos ranchos 60 euros.Para encomendar o calçado, os clientes têm de ir à oficina tirar as medidas e depois aguardar duas semanas até que fique pronto. Quando precisam de arranjar a sola geralmente voltam. “Agora esperam 15 dias até ficarem feitos, mas antes chegavam a esperar três meses e não abalavam. Estavam uns aqui a tirar medidas e outros a espreitar à janela. Vinha muita gente de fora, da Chamusca e do Entroncamento. Agora a vida é diferente, anda tudo de chinelos e meias lonas. Fica estragado aventa-se! (deita-se fora)”, diz Capitolino.Ranchos são os principais clientesOs irmãos sempre gostaram da sua profissão e por isso continuam a trabalhar apesar de os clientes terem diminuído. O seu trabalho neste momento é sobretudo direccionado para os ranchos folclóricos, com encomendas do Pego, Bemposta, Santa Margarida. Os artesãos reconhecem que a arte começa a entrar em declínio. “Continua a haver clientes, mas são menos. E nós também já não conseguimos fazer as quantidades de outros tempos. Agora temos aqui uma encomenda da Cunheira, em Ponte de Sôr, e outra da Barquinha”, conta Manuel.Na oficina, para além da produção de calçado, fazem-se consertos e colagens de sola. Trabalham das 08h00 às 20h00 mas noutros tempos o horário era das 05h00 às 21h00. “Antigamente fazíamos 12 pares por semana, agora já não. Nem éramos capazes, com esta idade o corpo começa a pedir descanso”, afirma Manuel. Na sua opinião, a profissão vai acabar por desaparecer e nessa altura é que as pessoas vão sentir a sua falta. “Aparece aqui gente de longe para vir arranjar coisas sem jeito nenhum. Vêm de Ponte de Sôr e outros lados para colar sapatos, porque onde moram não há sapateiro. Às vezes nem tenho coragem de levar dinheiro”, continua.Ali também já se ensinaram aprendizes mas, que os irmãos Bernardino saibam, nenhum seguiu o ofício e deu continuidade à arte de sapateiro. “Tivemos aqui quatro mulheres durante um ano a aperfeiçoar a técnica. A câmara vinha aqui trazê-las e buscá-las. Mas elas queriam era ganhar o dinheirito delas, quando acabou o curso, acabou o ofício”.
A arte dos sapateiros do Vale das Mós dura há mais de sete décadas

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