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A passo

Depois de ter escrito sobre as passadas largas (correr) em tempo de férias, vem a propósito escrever sobre o pé à frente do outro. O passo a passo, isto é, o andar como o melhor dos exercícios físicos, além de muitas outras coisas.A premiada escritora Rachel Joyce no seu primeiro romance “A improvável Viagem de Harold Fry” (Ed. Porto Editora) descreve uma caminhada como infinitamente mais do que andar: “caminhar é um acto lento que desacelera tudo, além de que, é uma espécie de regresso a algo básico, onde nos podemos relacionar com outras coisas mais intensamente e onde ganhamos noção que somos pequenos e tudo o resto é muito grande”, diz a escritora à revista Time Out.No fundo, uns mais que outros, todos sabemos que isto é bem verdade. Ao nosso lado há um mundo, talvez mais autêntico, certamente mais humano, que todos os dias desperdiçamos. Cada vez mais as suspeitas são maiores: a nossa vida, à procura sempre de mais, afasta-nos do essencial. Podemos descobrir esta triste realidade quando desaceleramos, e pomos o pé na terra. O tempo é outro, alarga-se, e há lugar a muito mais que uma sucessão de paisagens que não entendemos, nem vivemos.Quase todos vivemos em cidades. Na Europa, estima-se que cerca de 80% da população é urbana. A tendência mundial é idêntica. Esquecemos o campo, a floresta, o clima, o ciclo da água e a natureza. Tudo isto nos chega a casa pela TV, habitualmente, pelas piores razões: catástrofes naturais, incêndios, ou mais uma infraestrutura que destrói uma floresta, mas que aponta para o progresso. É assim que vivemos. É assim o modo de vida da esmagadora maioria: a louca correria do dia-a-dia, em que a tecnologia nos foi apresentada para nos facilitar a vida, mas que às vezes, vezes de mais, tem o efeito contrário. Esquecemos muito do essencial. Somos convidados por um conjunto de soluções que nos afastam de um modo de vida sustentável.Nada se compara com o caminhar, o avião leva-nos às terras mais distantes, mas é no andar que encontramos a melhor forma de conhecer uma região, de viver patrimónios e conhecer gente. Quem já experimentou sabe que é verdade, e, talvez por isso, é cada vez maior o número de pessoas que pelo menos uma vez por ano, nas férias, opta por andar.Com menos recursos (tempo e dinheiro), mais uma vez a minha opção de férias vai ser esta: calçar as botas e andar. Tenho a sorte de viver num dos melhores países para o fazer, e por isso de forma muito económica, perto de casa, vou descobrir coisas e conhecer pessoas que nem imagino.Há muito que perdemos a noção de tempo e espaço; é fundamental voltarmos a ter presentes essas dimensões. Só assim é possível vivermos melhor. Carlos A. Cupetocupeto@uevora.pt Professor na Universidade de Évora

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