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Saber morrer e conseguir renascer é o segredo para completar 250 quilómetros no Sahara

Saber morrer e conseguir renascer é o segredo para completar 250 quilómetros no Sahara

Paulo Reis, que vive na Póvoa de Santa Iria, participou numa das provas mais difíceis do mundo

Paulo Reis admite que a prova é perigosa, que haja quem classifique a aventura como sendo “de doidos” mas nota que nada é feito sem preparação. Ele próprio confessa ter tido “momentos complicados”, no meio do deserto, só com os escorpiões como companhia.

Paulo Miguel Reis, 44 anos, que vive na Póvoa de Santa Iria, foi um dos cinco portugueses que conseguiu completar, com êxito, a Marathon des Sables (MDS), uma das ultramaratonas mais duras do mundo, com uma extensão de 250 quilómetros pelas dunas do deserto do Sahara. Tem consciência do risco que a prova implicou para a sua vida e recorda que se chegou a sentir a morrer numa das etapas. O segredo, confessa, é saber morrer e conseguir renascer, para caminhar os quilómetros que faltam até à meta, numa prova em que o principal inimigo - além dos escorpiões na areia - é a própria cabeça. Diz que presenciou um “fenómeno” durante a prova. O que não é de admirar, uma vez que o esforço é intenso, cada atleta carrega uma mochila de onze quilos, a água é racionada e a comida limitada a duas mil calorias por dia. As longas distâncias feitas debaixo de um sol abrasador em temperaturas próximas dos 45 graus fazem com que o suor se evapore tão rápido que não chega a molhar o rosto. A MDS disputou-se entre os dias 4 e 14 de Abril.A vontade de superação pessoal foi uma das coisas que levou Paulo a aventurar-se na corrida. Paulo Reis já arriscava a vida antes da MDS. Em Novembro de 2012 estava com 103 quilos de peso, asmático, a tomar comprimidos para a tensão arterial e mal conseguia correr cinco minutos. Paulo Pires, treinador e amigo de infância, acordou-o para a necessidade de mudar o estilo de vida sedentário que levava. “Houve um dia em que eu disse nunca mais e a partir daí mudei”, recorda a O MIRANTE. Entretanto deixou uma dezena e meia de quilos para trás e abandonou os medicamentos. Se virá a sofrer das articulações no futuro só o tempo o dirá.Paulo terminou a prova em 280º lugar entre 1029 atletas de todo o mundo. Mas só o facto de ter terminado foi uma vitória. Entre os portugueses com quem partilhou a prova estava Carlos Sá, o atleta de elite que o ano passado venceu a Badwater nos Estados Unidos.Paulo começou a participar em algumas provas e com a ajuda de Paulo Pires foi desenvolvendo a sua resistência. Fez o Melides-Tróia de 42 quilómetros na areia, depois a meia-maratona da Costa da Caparica e o trail dos amigos da montanha, em Barcelos, com 61 quilómetros e um desnível acumulado de 3 mil metros.“Conseguimos desenvolver a nossa capacidade de resiliência, a maturidade perante os desafios e a resistência natural do nosso corpo. E sobretudo a mente. Estas provas têm uma forte componente mental, são muitas horas sozinho. O nosso inimigo principal somos nós”, nota.Durante um ano preparou-se para a MDS, sempre depois da hora de trabalho. “As maiores dificuldades foram na etapa de 81 quilómetros, comecei às 08h00 e terminei às 23h00. Tive momentos complicados, em que morremos e renascemos várias vezes. Quando o meu relógio começou a ficar sem bateria eu próprio pareci morrer com ele”, recorda.Paulo Reis confessa que a prova é perigosa, admite que haja quem classifique a aventura como sendo “de doidos” mas nota que nada é feito sem preparação. “Não vou fazer uma prova destas sem o mínimo de preparação, isso é inconsciência. Quem se dedica, tem metodologia de treino, confia no treinador, faz exames médicos, tem cuidado com a alimentação e planeia, não tem de ter medo. Imponderáveis acontecem, até ser atropelado na rua. Mas tentamos limitar o risco ao máximo. Mas ele existe”, confessa. A mulher fica preocupada mas também ela já se deixou contagiar pelo trail, correndo em várias distâncias.O próximo objectivo de Paulo é participar, no dia 27 de Agosto, nos 119 quilómetros do Monte Branco, nos Alpes, para em 2015 tentar fazer as suas primeiras 100 milhas e a Diagonal dos Loucos, uma ultramaratona disputada no Índico. “As pessoas têm de se preocupar em introduzir hábitos saudáveis nos seus comportamentos diários. É fundamental”, conclui.Uma prova só para durosA Marathon des Sables é uma ultramaratona de várias etapas disputada num dos locais mais inóspitos do planeta, o deserto do Sahara. Realizada pela primeira vez em 1986 por Patrick Bauer, a prova celebra o 30º aniversário no próximo ano. As inscrições são limitadas e participar na aventura custa perto de quatro mil euros. Os atletas, amadores e profissionais, têm a oportunidade de atravessar dunas, cidades em ruínas, planícies, montanhas e lidar com tempestades de areia. Um dos objectivos da prova é dar aos participantes a certeza que podem conquistar o que quiserem, desde que a mente e o corpo resista às privações.Novo parque ribeirinho da Póvoa é uma mais-valiaPaulo Reis vive na Póvoa de Santa Iria e tem por hábito, em alguns dias, treinar no novo parque urbano ribeirinho da cidade. Diz que o concelho cresceu demais sem ter sido acompanhado por infra-estruturas que melhorassem a qualidade de vida dos cidadãos. Nota com agrado que essa tendência se esteja a inverter. Elogia o parque ribeirinho como uma mais-valia que meteu as pessoas a mexer, dando-lhes um local onde praticarem exercício físico.Paulo nasceu em França mas veio viver para o concelho quando tinha 14 anos. Estudou na secundária Gago Coutinho, em Alverca, e licenciou-se em gestão e organização de empresas, tendo passado por um conjunto de multinacionais, entre eles o grupo automóvel PSA, onde chegou a ser director na Peugeot Portugal. Nos últimos cinco anos está ligado ao grupo Impresa, onde é director financeiro. Está a ler “Auto-retrato do escritor enquanto corredor de fundo”, de Haruki Murakami, é um apaixonado pelos irlandeses U2 e vai de automóvel para o trabalho. Quase todos os dias vai correr, logo que sai do emprego, em preparação para novas provas.
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