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Dez quilómetros de Tagarro voltam dezasseis anos depois

Dez quilómetros de Tagarro voltam dezasseis anos depois

Organização homenageou o ex-campeão da Europa Paulo Guerra
Foi em ambiente de grande festa popular que se realizou no sábado, 6 de Setembro, a 11ª edição dos 10 Km de Tagarro, uma prova que conquistou merecido destaque no calendário nacional de atletismo ao longo das suas primeiras dez edições, realizadas entre 1989 e 1998. Agora, dezasseis anos depois, os 10 Km de Tagarro, no concelho de Azambuja, voltaram à estrada com a participação de 240 atletas, com idades compreendidas entre os 17 e os 80 anos, e várias centenas de apoiantes entusiásticos que ao longo de todo o percurso garantiram a animação necessária e característica dos grandes eventos desportivos. Na classificação geral masculina o vencedor desta 11ª edição dos 10 Km de Tagarro, com uma marca de 34 minutos e 8 segundos, foi Alberto Chaíça, um veterano destas lides, logo seguido por Oswaldo Freitas e João Ginja que ocuparam os segundo e terceiro lugares com diferenças de menos de um minuto entre as respectivas chegadas. Na classificação geral feminina subiram ao pódio Alexandra Alves, primeira classificada com uma marca de 00:43:42, logo seguida por Ana Duarte (00:45:10) e Luísa Santo (00:46:28). Convidado a fazer um balanço desta 11ª edição dos 10 Km de Tagarro, o director da prova, Paulo Nobre, disse a O MIRANTE estar “plenamente satisfeito com as prestações quer dos atletas quer da organização”, uma vez que “tudo correu na perfeição face aos objectivos que pretendíamos alcançar”. Homenagem a Paulo GuerraUm dos momentos altos desta 11ª edição dos 10 Km de Tagarro foi a homenagem prestada a Paulo Guerra, atleta tetra campeão da Europa em corta-mato e ainda medalha de bronze no Campeonato do Mundo de corta-mato em 1999, isto para além de ter sido o vencedor em 1992 da 4ª Edição dos 10 km de Tagarro. Vinte e dois anos depois, o forte aplauso de todo o público presente nesta 11ª edição mostrou bem o carinho justamente devido a este atleta barranquense.“Sou sempre o último mas nunca desisto nem faço batota”Fernando Cardoso, 80 anos, foi um exemplo de persistência e mais uma vez chegou ao fimQuando Alberto Chaíça perfez os 10 quilómetros da prova e cortou a meta, Fernando Cardoso tinha ainda muito para correr. Quando os três primeiros classificados subiram ao pódio e receberam as suas taças, Fernando Cardoso continuava a correr. Quando Paulo Guerra foi homenageado e entrevistado no palco, Fernando ainda corria e corria… Passaram os discursos e as fotografias, os aplausos e os abraços e Fernando Cardoso só viria a parar quando já mais de meia aldeia tinha saboreado os petiscos à disposição de todos, quando já todas as taças e medalhas tinham sido entregues e quando já todos os outros participantes davam a estafa como passada e praticamente arrumada na memória. Só então Fernando Cardoso, 80 anos de idade, que veio de Vale de Figueira, dorsal 275 e veterano apaixonado das corridas, cruzou a linha de chegada e finalmente parou para descansar. Tinham passado exactamente uma hora, trinta e um minutos e quarenta e cinco segundos desde que começara a correr. A essa hora no largo da aldeia a festa seguia imparável, com sandes de porco assado e vinho da região à disposição de todos. Fernando não quis comer nem beber, lia-se-lhe no rosto o esforço despendido, quer na expressão cansada e pálida do mal-estar, quer no passo lento e coxo com que agora descia aquela mesma estrada que antes subira a correr, primeiro integrado no pelotão, depois cada vez mais só até chegar por último à ambicionada meta. Agora bastava um olhar para perceber que só por brio se mantinha de pé e ainda a caminhar. Chegamos à sua beira, puxamos assunto para o distrair, perguntamos-lhe como correu só para ter o prazer de o ouvir. “Fui o último, já viu? Sou sempre o último, sempre o último” atira, em jeito de desabafo; “Os outros foram desistindo mas eu não desisto, nunca desisto nem faço batota como vejo outros a fazerem”. Aos poucos vai na conversa e assim finta o cansaço, a dor e o mal-estar. Queixa-se do peito que lhe dói, do coração a bater a contrapasso da vontade inquebrantável que ali o trouxera, mais uma vez como tantas outras, há tantos e tantos anos. E queixa-se do resultado, claro: “Estou um pouco esmorecido, sabe? É que treinei bastante esta semana para ficar bem e afinal olhe: fiquei outra vez em último!”.Vamos descendo lado a lado, devagar, trocando mágoas e mazelas por um sorriso ou outro que não resiste a deixar escapar, à medida que vai descomprimindo. “Isto é o coração, sabe? E as pernas, que para o fim começaram a doer tanto que eu estava a ver que não aguentava… Mas aguentei e não desisti, eu nunca desisto, nunca. E já corro desde 1954, sabia?”. Com a conversa de feição, chegamos aos carros sem dar por isso. Fernando continua com um ar combalido, mas francamente mais animado do que estava antes. Perguntamos-lhe se está a sentir-se melhor, ele diz que sim e oferece-me esta pérola a terminar. “Isto do coração passa, só tem é que passar… Mas sabe, eu estou preocupado é com os 20 Km de Almeirim que vêm aí já no final do mês...”. Assim nos despedimos e eu fico a ver partir o último a chegar à meta de Tagarro, exemplo de uma impressionante demonstração de vontade e de força, nas pernas e na mente, sobretudo. Fernando Cardoso terá sido o último a chegar, é certo, mas nunca foi tão verdade que os últimos são os primeiros, como diz o povo e com razão. Ou como aquele homem que um dia disse que ‘a força não vem da capacidade física mas sim da vontade férrea’, frase que se adapta como uma luva ao nosso Fernando Cardoso. É certo que não corria, esse outro homem; não corria mas marchava, andava a pé centenas e centenas de quilómetros, dias e dias seguidos, para dar provas de uma força que assim ficou inesquecível. Tal como Fernando Cardoso também ele nunca desistia, nunca fazia batota. Chamava-se Ghandi e mudou o mundo…
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