Maria Helena Carreira diz que Acordo Ortográfico nos afasta do português do Brasil
A propósito do Dia da Língua Materna falámos com quem ensina português no estrangeiro
Professora catedrática especialista em linguística portuguesa, Maria Helena Carreira vive e trabalha há 40 anos em Paris mas sem perder a ligação a Vila Franca de Xira. Considera que os pressupostos do Acordo Ortográfico eram interessantes mas não foram atingidos.
Maria Helena Araújo Carreira, professora catedrática, especialista em linguística portuguesa, na Universidade de Paris 8, concorda que se tenha tentado fazer uma harmonização da língua portuguesa em termos de ortografia mas diz que o Acordo Ortográfico é um fracasso e que vai provocar efeitos negativos que não foram devidamente equacionados. Apesar de residir na capital de França, Maria Helena Carreira nunca se desligou por completo de Vila Franca de Xira para onde foi viver aos 9 anos de idade. A mudança da Avenida Duque de Ávila, em Lisboa, para o Bom Retiro foi determinada pela colocação do pai, Abel Carreira, professor de português.Foi com o progenitor que Maria Helena Carreira ganhou o gosto pela língua portuguesa. Foi com ele que se habituou a ser rigorosa. Com o Dia Internacional da Língua Materna a celebrar-se dia 21 de Fevereiro, O MIRANTE falou com ela e o polémico Acordo Ortográfico foi tema obrigatório. “Esta mudança ortográfica faz com que se percam marcas da história da língua, o que é uma pena. Além disso o acordo afasta-nos do português do Brasil em vez de nos aproximar”, defende. Juventude passada em Vila Franca de XiraFoi no ano lectivo de 1973/74 que Maria Helena Carreira foi dar aulas para Paris depois de ter estudado na Faculdade de Letras de Lisboa, onde tirou o curso de Filologia Românica, especializado no estudo das línguas portuguesa e francesa. “Quando terminei o curso voltei a Vila Franca de Xira e aí permaneci durante três anos a dar aulas, tanto no colégio do meu pai como no ciclo preparatório, que se situava no edifício dos actuais bombeiros voluntários”, conta. “Depois fui para Paris”.Diz que nunca perdeu o contacto com Portugal e com Vila Franca de Xira. Recentemente visitou o Museu do Neo-Realismo que diz ser bastante atractivo e organizado, com fácil acesso aos escritos dos escritores e ao movimento a que pertenceram. Sobre a literatura neo-realista diz ter pouca visibilidade, nomeadamente no estrangeiro. Está muito ligada a um contexto social, histórico e geográfico muito específicos, o que a torna mais difícil de transmitir e traduzir”.Muitos dos seus alunos são brasileiros, cabo-verdianos, são-tomenses e franceses com ascendência portuguesa mas também tem alunos de outras nacionalidades que escolhem o português como uma disciplina de opção.Lecciona português, literatura portuguesa e linguística portuguesa e, como não tem alunos de iniciação, fala exclusivamente na sua língua materna durante as aulas. “Apenas utilizo o francês para comparações ou como reflexão, tudo o resto é falado unicamente em português”, refere. Segundo ela, a pronúncia portuguesa é o maior entrave que os seus alunos enfrentam, principalmente na articulação das sílabas átonas.Gosta de ler os bons escritores, sejam eles clássicos ou contemporâneos, portugueses ou estrangeiros, embora os africanos estejam entre os seus eleitos. É o caso de Mia Couto, José Eduardo Agualusa ou Luandino Vieira.Não discorda com o novo hábito dos jovens na utilização de uma linguagem abreviada e simplificada na troca de SMS e “posts” nas redes sociais, desde que saibam separar as coisas e escrevam de forma adequada e bem quando é preciso.O ano lectivo de 20015/16 será o último em que dará aulas, antes de entrar na reforma, e garante que não tem planos para essa altura. “Depois logo se verá mas, certamente, passarei muito mais tempo em Portugal, sempre sem deixar Paris, porque considero-me em casa nos dois países”, concluiu.Condecoração do Estado portuguêsHelena Carreira foi distinguida pelo Estado português com a condecoração “Talentos 2007 - Língua Portuguesa”, atribuída pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. “Estava numa viagem de trabalho na Roménia quando fui contactada e fiquei a saber que tinha sido a escolhida para a atribuição do galardão na categoria Língua Portuguesa. Vim com uma antiga aluna minha, Sílvia Amorim, e os meus pais e uma prima também foram assistir”, afirmou muito animada.Recebeu o prémio das mãos da escritora portuguesa Lídia Jorge e diz ser uma pena terem acabado com este galardão, por ser uma “boa forma de se dar conhecimento do que os portugueses fazem pelo mundo fora”.Helena Carreira já correu parte do mundo a dar a conhecer um pouco mais da língua portuguesa, como oradora em seminários, colóquios e congressos, e é autora de diversas obras. É ainda coordenadora da série “Travaux et Documents”, onde estão publicados trabalhos seus e de outros colegas sobre as línguas românicas (português, espanhol, francês, italiano e romeno), resultantes de colóquios internacionais realizados na Universidade de Paris 8.
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