uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Meditativo Manuel Serra d’Aire

Admiro e invejo a tua capacidade de abstracção, ao ponto de conseguires levar uma vida contemplativa em plena praia sem embarcar em pensamentos lúbricos e depravados dignos de bolinha vermelha no canto superior da página. Confesso que não consigo implementar essa auto-disciplina monástica e os primeiros dias de praia, para mim, são um verdadeiro tormento. Qualquer biquíni me flagela e não há celulite, estrias, sinais ou mesmo uns pelos rebeldes a espreitarem nas virilhas que me apaziguem os ânimos e me diminuam o entusiasmo. Sou um amante da natureza feminina no seu estado mais puro e selvagem e, perante tanta fartura, a única solução, meu caro, são banhos, muitos banhos, nas águas frias do Atlântico e deitar-me de barriga para baixo na toalha para evitar embaraços. Mas avancemos. A crise já passou e eu acho que devemos mandar foguetes por isso. E, atenção, não é só por o senhor primeiro-ministro o vir apregoar que eu acredito nessa realidade. Porque eu não sou de emprenhar pelos ouvidos e muito menos com a música dada por políticos e/ou outros vendedores de banha da cobra. Mas, neste caso, tenho de dar razão ao Passos Coelho. Basta ver a quantidade de negócios que fecham para férias por esta altura para se chegar à simplicíssima e inatacável conclusão de que há muita gente abonada que se pode dar ao luxo de fechar a tasca e dar descanso à máquina registadora.Essa é, aliás, uma característica ribatejana de há muito que sempre me causou alguma confusão, pois nas terras dos meus antepassados beirões nunca se viu tal coisa. E, a existir, seria vista como uma heresia semelhante à deglutição de toucinho na Arábia Saudita ou de salada de rúcula num encontro motard. A época estival no Ribatejo é encarada tão a sério que até as ruínas romanas de Vila Cardílio, em Torres Novas, estão encerradas ao público durante quase todo o mês de Agosto, vê lá tu!No Ribatejo o Verão é para se gozar e talvez fosse por isso que em tempos idos tinham que importar pessoal de outros pontos do país para trabalharem nas colheitas, fosse no tomate ou vindimas, porque, pelos vistos, por cá a malta devia estar toda para o Baleal, para a Nazaré ou para a Consolação. Digo eu, com esta língua verrinosa que me há-de levar para o Inferno sem pagar portagem...E para acabar partilho contigo uma questão metafísica que me atormenta há anos: o que leva tanta gente a fazer-se à estrada inopinadamente (enfiando-se na via à papo-seco sem ligar a quem vem, como se diz em calão) para depois seguir em velocidade de funeral enquanto calmamente coloca o cinto de segurança ou fala ao telemóvel marimbando-se para o mundo? E porque estaciona tanta gente em segunda fila, perturbando o trânsito quando tem lugares vagos para parar o carro a meia dúzia de metros? Será só distracção? Será uma questão de ego, afirmação? Para provar que, caso ninguém ainda tenha reparado, aquela gente existe e pode mexer com a vida dos seus semelhantes? Ou será mesmo só a estupidez natural que emana da arrogância e falta de civismo de quem se julga ungido pelos deuses e acima da maralha?Com esta charada de Verão me vou a caminho de mais um mergulho. Um abraço do Serafim das Neves

Mais Notícias

    A carregar...