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Assertivo Serafim das Neves

Os políticos só me metem propaganda na caixa do correio na altura das campanhas eleitorais e este ano, por sinal, ainda nem começaram. Nesse aspecto os supermercados são muito mais eficientes. Não se passa um dia que não me proponham algo para comprar. Eu gosto. Estou a acumular numa caixa de cartão toda aquela literatura para, quando chegar à reforma, concretizar um dos meus sonhos literários, que é editar um livro sobre a evolução do preço por quilo da costeleta de porco, do cachaço, ao longo de meio século. Tenho para cima de uma arroba de folhetos de promoções e apenas guardo as que me são metidas na caixa do correio.A propósito de promoções queria chamar-te a atenção para o contributo dado pelos comerciantes para a pacificação geral da sociedade portuguesa e para o “desangustiamento” dos cidadãos. Ao contrário dos alarmistas profissionais que andam sempre numa gritaria por tudo e por nada, o comércio em geral, para além de nos dar música suave no decurso das compras e descontos em talão e em cartão, criando-nos aquela sensação de aquisições indolores, inventou a técnica do 99 para melhor alimentar o nosso lado pechincheiro.Dirás que em termos de números preferes outras combinações mas peço-te que leias a minha teoria até ao fim. Entras num supermercado, olhas para os preços e o que vês? Vinho da península de Setúbal a um euro, costeletões de novilho a quatro, um pack de doze minis a cinco euritos, bacalhau crescido a quatro...Ficas feliz da vida e vais atirando para dentro do carrinho. Na caixa, quando olhas para a conta, ficas a pensar que se calhar abusaste mas não é isso que te vai estragar o dia, afinal estava tudo baratíssimo. E depende de ti continuares no nirvana consumista. Se deitas o talão das compras fora és feliz. Se te armas em contabilista e segues os conselhos da Deco, o sonho desvanece-se após olhares para o talão com olhos de ver ou com os óculos de ver ao perto encavalitados na ponta do nariz. Se adoptas essa postura masoquista, descobres que aquelas caganitas de mosca que estavam em todas as placas dos preços, afinal eram números. Números minúsculos mas números, mesmo assim. Dois noves juntos a formarem um noventa e nove (lá está a tal técnica). O vinho não era a um euro mas a um euro e noventa e nove cêntimos, o bacalhau a quatro euros e noventa e nove cêntimos, os costeletões a quatro euros e noventa e nove cêntimos e por aí fora até ao fim do talão que tens na mão, que tem o comprimento de um comboio. É por estas e por outras que o cidadão informado não é, ao contrário daquilo que nos querem fazer crer, um cidadão feliz. Eu há muito tempo que não ligo a talões de supermercado nem a programas eleitorais de partidos políticos. E sinto-me muito melhor, acredita. Continuo a não ter dinheiro no bolso...mas pelo menos não tenho angústias.Isso não quer dizer que ignore o que se passa à minha volta. Mesmo que eu quisesse era impossível. Ainda um dia destes o Chico, que, como sabes, nunca ligou à política, mas que agora não fala de outra coisa desde que o cunhado o meteu na lista de candidatos de um daqueles novos partidos porque não havia mais ninguém à mão, veio beber um copo comigo e a meio de uma conversa sobre a falta de inspiração do Ronaldo depois de se ter separado da namorada russa, começou a falar-me da possibilidade de vir a ser deputado do Ribatejo. O tempo que eu levei a explicar-lhe que não há deputados do Ribatejo nem do Algarve ou de Bragança porque, no final, depois de eleitos, são todos deputados de Lisboa. Como é bom rapaz ficou meio convencido mas foi à custa de meio presunto de Mação e de duas garrafas de D. Guilherme Reserva da adega de Alcanhões. E se calhar, amanhã ou depois, vai ter uma recaída.Um abraço militanteManuel Serra d’Aire

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