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“Nestes 40 anos de liberdade avançamos muito mas estamos aquém do que sonhámos”

“Nestes 40 anos de liberdade avançamos muito mas estamos aquém do que sonhámos”

Escritora Lídia Jorge, autora de “O Vento da Paixão” e “O Vento Assobiando nas Gruas”, esteve em Santarém para falar de cultura e das suas memórias.

“Nestes 40 anos de liberdade avançamos bastante mas estamos aquém do que sonhámos”. A frase é da escritora Lídia Jorge que esteve em Santarém, no Fórum Actor Mário Viegas, na noite de sexta-feira, 23 de Outubro, para falar sobre “Cultura - prioridade numa sociedade democrática”. Não que a escritora esteja desiludida com esta democracia, porque vínhamos de uma situação muito arcaica e muito atrasada em relação a outros países e, portanto, “o caminho iria ser bastante penoso. O que achava era que em certos aspectos a evolução iria ser mais rápida”, afirma.Mas há coisas boas nestes 40 anos. “Em 1988 inaugurou-se a rede de bibliotecas públicas em Portugal”. Éramos um povo sem leitura. A avó de Lídia Jorge afirmava que “é melhor ler um homem que ler um livro”, e esta frase “é muito interessante porque demonstrava o preconceito contra a leitura”. Foi uma grande luta para que os portugueses lessem. Dizia-se que a leitura era uma coisa muito má porque afastava as pessoas da família, porque durante os serões as pessoas punham-se a ler cada uma para seu lado e portanto não falavam umas com as outras. “Passados estes anos todos fazemos este discurso mas noutro sentido. Imaginar hoje uma família onde todos lêem é o supra-sumo, mas na altura não”, conta a escritora. As novas tecnologias são uma coisa fantástica, são uma abertura extraordinária para o mundo, uma aposta fantástica para o futuro mas em relação à questão artística e cultural e, sobretudo na leitura, está a constituir um retrocesso para Portugal. Há uma alteração do comportamento da aquisição dos saberes que preocupa toda a gente e que é preciso avaliar, sobretudo quando se está num país como o nosso, considera a escritora. Nos países onde a tradição da leitura está enraizada, não há problema, porque o embate com as novas tecnologias consegue não desvalorizar essa perspectiva. Lídia Jorge diz que há dois cérebros, o rápido e o lento. “O rápido é o que metemos a funcionar diante da televisão e que passamos de uma notícia para a outra e para outra, da publicidade para a notícia e ao fim de duas horas temos milhares de mensagens que não conseguimos processar em profundidade. Temos uma espécie de panorama superficial com imensas imagens, a maior parte desconectadas e quando chegamos ao fim não sabemos o que é bom, o que é mau, quem tem razão, quem não tem. Por vezes quem não tem razão entra-nos no coração só porque tem uma boa imagem e outra pessoa, que até tem argumentos, não a ouvimos. Há uma cultura da superficialidade que é mais grave nos jovens que não têm o cérebro formado e que estão recebendo mensagens que não têm profundidade”, afirmou.Os jovens não conseguem ficar sozinhos consigo mesmos. Dizia-se no século XIX: “Que grande cultura é preciso um homem ter para ficar duas horas em silêncio numa sala”. Era assim que se avaliava a cultura dum homem. A geração da escritora teve uma formação no mundo lento, “mas os jovens não conseguem ficar por um momento sem um aparelho ligado a si”. Os portugueses têm que ter paciência com eles próprios. Nota-se perfeitamente que quando uma pessoa tem a capacidade de ler, ao falar com o outro tem a capacidade de se desdobrar e colocar-se na perspectiva do outro, porque fez esse exercício durante as leituras, aceitar a opinião de outro que pensa diferente. A autora de “A Noite das Mulheres Cantoras” afirmou ainda que “estamos a ser bombardeados pela cultura dos Estados Unidos da América e devemos tentar que a Europa, que é o continente onde mais se pensa e onde mais se reflecte, não se deixe submergir por essa cultura básica e que mantenha a sua capacidade e a sua vitalidade”.Santarém, cidade berço da liberdade Santarém é uma cidade mítica e o berço da liberdade, onde Lídia Jorge regressa sempre com muita emoção. Foi em Santarém que conheceu Salgueiro Maia e onde teve a única e longa conversa com o capitão de Abril. A escritora afirma que “aqui começou a estrada para o futuro”. Santarém não se parece nada com a cidade que a autora conheceu no início dos anos 1970, que estava em ruínas, os monumentos estavam fechados, era uma cidade que tinha ficado congelada no tempo. “Hoje os escalabitanos aproveitam cada milímetro da sua terra para mostrar que a história de Portugal passou por aqui”, afirma.
“Nestes 40 anos de liberdade avançamos muito mas estamos aquém do que sonhámos”

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