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Antigas vozes da Rádio Ateneu ainda esperam pelos salários que lhes ficaram a dever

Maioria dos funcionários saiu com ordenados em atraso quando a emissora foi vendida

A Rádio Ateneu era um símbolo de Vila Franca de Xira e um exemplo na formação de jovens comunicadores e jornalistas. Nos anos 90 começou a definhar e a dever ordenados aos trabalhadores. Acabou vendida a uma empresa de Samora Correia. Antigas vozes da estação saíram sem verem um cêntimo do seu trabalho e há quem lamente que Mário Calado, então presidente do Ateneu, não tenha cumprido a promessa de lhes pagar.

Mais de década e meia depois do fim da Rádio Ateneu, de Vila Franca de Xira, a maioria dos antigos funcionários da estação - cerca de uma dezena de pessoas, entre jornalistas, animadores e administrativos - continuam sem ter visto um cêntimo dos salários que tinham em atraso.Ainda há, aos dias de hoje, quem não perdoe ao então presidente do Ateneu Vilafranquense, Mário Calado [actual presidente da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira] por não ter honrado um alegado compromisso de regularizar os salários em atraso que grassavam naquela estação emissora, então propriedade da associação.“Lembro-me perfeitamente de ter uma conversa com o Mário Calado e de ele dizer que era ponto de honra dele, enquanto candidato à direcção do Ateneu no final de 1997, honrar esses compromissos que estavam para trás na rádio, porque para ele isso tinha de ser feito, pois era a imagem do Ateneu que ficava em causa. Não fui só eu a ouvir essa conversa. Afinal, de 1998 até hoje, nada”, recorda a O MIRANTE Rodrigo Santos, na altura animador da estação. Hoje é jurista na Fundação para a Ciência e Tecnologia. Ficou sem quatro meses de ordenado e mais uns quantos subsídios de passe. Em números redondos mais de 1200 euros. Rodrigo, como a maioria dos funcionários da altura, optou por não seguir para a justiça, para evitar a burocracia e os custos da lei. Mas não perdoa o dirigente, que viria a ser eleito presidente da direcção em 1998 e ficaria no cargo até 2006. “Sempre foram incorrectos, quer comigo quer com outros colegas. Ao Miguel Rodrigues [actual director do mensário Valor Local e também um dos jornalistas afectados] dispensaram-no com efeitos imediatos três dias antes do Natal. No meu caso disseram-me de véspera que a emissão que ia fazer no dia a seguir seria a última. O Mário Calado ficou a dever a toda essa gente. Não deixa de ser irónico ele hoje ser o presidente de junta, mas como o Estado sempre teve fama de ser mau pagador provavelmente será o homem certo no lugar certo”, ironiza.Para Rodrigo Santos, mesmo que não tivesse havido dinheiro para pagar os ordenados em atraso, pelo menos podia ter havido uma justificação, uma desculpa, uma mão à palmatória. Diz que, na prática, se empurrou o assunto para debaixo do tapete e se deixou o tempo apagar a memória. Sem dinheiro para poder viver, Rodrigo fez como a maioria dos trabalhadores da rádio daquela altura e saltou para outra empresa. “Nos oito anos seguintes trabalhei na Rádio Lezíria e aí nunca me ficaram a dever ordenado”, conta.Daniela Azevedo é jornalista no grupo Media Capital e foi outra das profissionais que ficou, até aos dias de hoje, sem receber o que lhe fora prometido na Ateneu. No seu caso foram dois meses de ordenado, qualquer coisa como 500 euros. “Tinha 19 anos quando começamos a ser chamados no início de cada mês a dizerem que não havia dinheiro, que iam tentar pagar na semana a seguir. Deram-me a palavra de honra que me pagavam. Já vivi antes outras situações semelhantes, de sítios onde passavam muitas dificuldades, mas nem que fosse com cheques de 50 euros foram saldando as dívidas todas. Sítios que estavam muito mal e quase a fechar. Talvez tenha havido da parte deles o pensamento de que era tudo malta jovem e que por isso íamos esquecer isto”, recorda.Para Rodrigo Santos há, acima das responsabilidades de pagamento, a “justiça moral” de dizer “sim, isto foi mau, desculpem, não vamos conseguir pagar. Todos nos apercebemos que não íamos receber, mas pelo menos tinham-nos dado um pedido de desculpas”, conclui.Uma rádio que tinha futuroA Ateneu, que era pertença do Ateneu Artístico Vilafranquense, começou a sentir dificuldades no Verão de 1996 e viria a bater no fundo em 1997. Em 1998, já com Mário Calado nos destinos do Ateneu, a rádio foi vendida a uma empresa imobiliária de Samora Correia e, anos depois, vendida novamente.“A rádio tinha salvação. Fazia sentido que continuasse a ser dessa associação centenária que muito admiro, o Ateneu, que tem feito maravilhas pela cultura e promoção das tradições da cidade. O Ateneu tinha de saber explorar a rádio o melhor possível. Com uma gestão mais criteriosa a rádio tinha sobrevivido”, conta Rodrigo Santos. Para o jurista de 37 anos, é “triste” ver que Vila Franca só tem hoje dois jornais (onde O MIRANTE se inclui) e uma rádio em Samora a produzir informação. “Guardo boas memórias. Do ponto de vista humano foi das experiências mais enriquecedoras que tive”, confessa.Daniela Azevedo recorda que o jornalismo feito na Ateneu era “à séria”, interventivo e muito centrado nas gentes da terra. “Procurávamos ir à rua e fazer opinião. Era uma informação bastante profissional. As minhas melhores memórias da Ateneu são das pessoas com quem trabalhava. Criámos relações muito fortes uns com os outros, apesar das fricções que foram surgindo por causa da falta de dinheiro”, recorda. Daniela também acredita que a rádio tinha pulso e pernas para correr longe. “Havia dificuldades mas havia muita vontade. A nossa cabine de gravação de telefonemas era numa casa de banho. Mas dávamos o melhor de nós. Claro que fico triste com o cenário actual”, confessa.Actualmente as rádios da cidade são detidas por cultos e seitas e pouca ou nenhuma informação local produzem, importando a maioria dos conteúdos, alguns em português do Brasil.Perguntas sem respostaO MIRANTE contactou Mário Calado no final de Outubro para fazer o contraditório sobre este assunto. Colocámos ao hoje presidente de junta treze questões envolvendo a Rádio Ateneu no tempo em que este era dirigente da associação. Quisemos saber, entre outras questões: quanto dinheiro ficou a rádio a dever aos trabalhadores e quanto desse dinheiro foi efectivamente pago?; de quem foi a decisão final de vender a rádio e se ele concordou com essa venda? Quisemos também saber o que aconteceu ao dinheiro resultante da venda da rádio e por que motivo não foi usado para pagar aos trabalhadores. Perguntámos ainda se este problema não tira o sono ao autarca e se ele estaria aberto a pedir desculpa aos trabalhadores da rádio que ficaram sem os seus salários. Apesar dos contactos insistentes por e-mail e telefone as perguntas ficaram sem resposta.

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