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“Falhou o controlo das finanças na Câmara do Cartaxo”

“Falhou o controlo das finanças na Câmara do Cartaxo”

Professor Hélder Travado foi o primeiro presidente da Câmara do Cartaxo depois da Revolução dos Cravos

Hélder Travado foi o escolhido para liderar a comissão administrativa que geriu a Câmara do Cartaxo depois da revolução de 25 de Abril de 1974. Aceitou o desafio mas nunca escondeu que a sua verdadeira paixão era o ensino. Depois de muitas recusas aceitou o convite para ser candidato da CDU à câmara em algumas eleições autárquicas. Esteve na autarquia como vereador durante dois mandatos e depois voltou à sua vida normal. Amante da natureza, confessa ser feliz na sua pequena quinta, onde pretende viver até ao fim dos seus dias.

Que memórias guarda dos dois anos em que foi presidente da comissão administrativa que geriu a Câmara do Cartaxo? Havia pessoas que queriam logo a estrada da sua rua alcatroada no dia seguinte. Outros queriam ter logo água em casa. Dizia-lhes que tivessem paciência porque não podia fazer tudo de repente, tinha que ser aos poucos. Mas consegui fazer muita coisa. Com boa vontade fazia-se. Candidatou-se à eleição para o primeiro presidente da Câmara do Cartaxo em 1976? Desafiaram-me para isso mas declinei o convite. Queria voltar a dar aulas, sempre foi a minha principal paixão. A política nunca foi uma ambição, nunca foi um sonho. O meu grande sonho sempre foi o ensino.Como vê a actual situação da Câmara do Cartaxo? Complicada, como a de todas as câmaras municipais. Tem tido bons presidentes. O actual presidente [Pedro Magalhães Ribeiro] tem feito o que é possível. O Estado não tem apoiado e as câmaras foram-se endividando gradualmente e as coisas complicaram-se para muitos municípios, entre eles o Cartaxo.A Câmara do Cartaxo viveu acima das suas possibilidades? Talvez tenha vivido. O presidente Paulo Caldas endividou-se muito porque também tinha uma vontade de fazer obra, mesmo que o município ficasse endividado até ao pescoço. A obra fica feita, mas depois alguém há-de pagar. Cada um tem a sua perspectiva. Uns preferiam não gastar mais do que deviam. A verdade é que parece que a câmara actualmente está enterrada até ao pescoço e não sei como vai sair.Se tivesse sido presidente da câmara o que teria feito diferente? Gerir com o apoio do povo é a melhor política mas, às vezes, o povo também quer coisas que só dão é despesa e não são as verdadeiras prioridades. Um concelho que não produz não arranja receita e também não vai a lado nenhum e aquilo que o povo quer nem sempre é o melhor para o concelho. E as câmaras precisam de receitas para pagar as despesas. Ser presidente de câmara não é fácil porque têm que se tomar opções e não conseguimos agradar a todos. É justo que os cidadãos do Cartaxo sejam dos que pagam mais impostos? Não é justo e sou apologista que ninguém deve pagar impostos. O Estado é que os deve pagar. Todos os recursos do país pertencem ao Estado e o Estado, em compensação, deve pagar à população a instrução, saúde, férias, aposentação, tudo a que o povo tem direito. E para isso o Estado tem direito também a ser dono de todas as riquezas que se produzem no país. Essa riqueza deve ser administrada pelo Estado mas com a obrigação de proporcionar ao povo tudo aquilo a que tem direito, desde que nasce até que morre.O que é que falhou na Câmara do Cartaxo? O pouco controlo das finanças. O dinheiro pode-se gastar bem ou mal e pode ter acontecido algumas vezes ter sido mal gasto no Cartaxo. Quando o dinheiro é bem gasto dá bons frutos.“Em Valada existem todas as condições para se criar um projecto turístico extraordinário”O Cartaxo celebra 200 anos de elevação a concelho. Que presente daria à sua terra? Um aumento na exportação dos produtos do Cartaxo, sobretudo na área dos vinhos, onde a qualidade é cada vez maior. A Adega Cooperativa do Cartaxo tem tido um desempenho extraordinário nos últimos anos com muitas exportações. Que o Cartaxo se torne um concelho de referência. Há coisas tremendas que se podem fazer no concelho do Cartaxo.Por exemplo? Em Valada existem todas as condições para se criar um projecto turístico extraordinário. Dotar aquela praia fluvial com todas as condições, construir uma marina muito maior do que a que lá existe… Há uma apetência enorme de pessoas para velejar e nadar no rio Tejo, só que quase todos os anos morre ali gente. Se houvesse um projecto para que as pessoas pudessem utilizar o rio em segurança aquela localidade ia crescer vertiginosamente. Se me saísse o euromilhões ajudava muito o meu concelho (risos). E esse dinheiro seria para esse projecto. Valada tem todas as condições para se tornar uma das melhores praias fluviais do país.Apostou-se muito no Cartaxo e esqueceu-se as freguesias? Em tempos foi assim. Entretanto, tem-se tentado ultrapassar isso. É importante haver reuniões de câmara descentralizadas, como agora se faz. É muito importante ouvir a voz do povo e as suas críticas.Como classifica o desenvolvimento do Cartaxo nos últimos anos? Tem dado uns passos à frente e outros atrás. O ideal é dar sempre passos à frente. As infraestruturas são fundamentais mas para isso também é preciso dinheiro.O que faz mais falta ao concelho do Cartaxo? Um grande pavilhão desportivo coberto. Do ponto de vista desportivo o concelho do Cartaxo tem muitas e boas infraestruturas mas falta um grande recinto fechado.O sonho de ser piloto de aviões ficou pelo caminhoHélder Travado nasceu no Cartaxo a 20 de Setembro de 1929, onde esteve até aos 16 anos, altura em que foi viver com a mãe para Lisboa quando esta se separou do seu pai. Frequentou a área de Económicas mas depressa percebeu que aquela não era a sua praia. Frequentou o Conservatório onde aprendeu a declamar poesia, algo que lhe dava muito prazer. Foi numa noite de declamação que conheceu o actor Varela Silva, de quem se tornou grande amigo. Entretanto foi para a tropa e esteve em Mafra onde frequentou o curso de oficiais milicianos. Quando apareceu o convite para os oficiais milicianos concorrerem a pilotos da Força Aérea, na altura em que chegaram os primeiros jactos a Portugal, Hélder Travado não hesitou. “Vi ali uma oportunidade de ter uma vida melhor”, recorda. Passou em todos os exames médicos excepto no último onde lhe foi detectada uma pequena fissura num pulmão. “Foi o suficiente para chumbar e não poder prosseguir com aquela carreira. Foi uma desilusão muito grande para mim. Tinha 21 anos e estava cheio de sonhos que foram ali todos por água abaixo”, conta. Arranjou emprego na Caixa de Previdência mas aquilo não o realizava por isso decidiu emigrar. Ofereceu-se para todas as colónias portuguesas, excepto para a Guiné. Uma semana antes de partir despediu-se do pai, com quem fez as pazes naquele momento, depois de alguns anos de costas voltadas.Embarcou no navio “Angola” rumo a Moçambique onde chegou no dia 6 de Maio de 1954 com a sua primeira esposa. Esteve em África durante 14 anos tendo tirado o curso de topógrafo. “Gostei muito porque passava seis meses na cidade e seis meses no mato a fazer levantamentos. Era o que eu queria, conhecer aquelas populações o mais possível”, afirma. Foi na cidade de Pemba que conheceu a sua segunda esposa e onde nasceram os seus três filhos. Regressou em 1968 quando os conflitos começaram.Em Portugal realizou o seu maior sonho: ser professor. Licenciou-se e deu aulas de Geografia. Depois do estágio no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, foi dar aulas para Santarém. Em 1973 foi criado o ensino secundário em Alpiarça, onde Hélder Travado foi colocado, tendo ficado com a tarefa de organizar a escola. Uma paixão tremenda pela naturezaQuando acontece o 25 de Abril, em 1974, saiu um decreto que dissolveu todas as câmaras municipais do país e foram nomeadas comissões administrativas para todos os municípios. Apesar de não ser politicamente activo, o seu nome foi escolhido para ser o presidente da comissão administrativa no Cartaxo. “Aceitei imediatamente. Foram tempos de brasa, complicados, que deram muito trabalho. A primeira coisa que fiz foi um novo recenseamento. Só estavam recenseadas cerca de 300, 400 pessoas quando o Cartaxo tinha 18 ou 19 mil habitantes”, recorda Hélder Travado que também teve que preparar três actos eleitorais nesses dois anos.Em 1976, depois das primeiras eleições democráticas, Hélder Travado voltou ao ensino e em 1979 emigrou para Angola e Cabo Verde onde foi professor cooperante. “Depois da independência as colónias precisavam com urgência de professores e eu fui para lá formá-los. Foi uma experiência muito enriquecedora”, afirma. Dessa vez a mulher e os filhos ficaram no Cartaxo. Em meados dos anos 80 regressou e foi dar aulas para a sua terra natal. Depois de dezenas de respostas negativas lá aceitou ser candidato pela CDU à Câmara do Cartaxo, onde esteve durante dois mandatos, entre 1989 e 1996, como vereador da oposição. Depois dessa experiência desligou-se da política. Refugiou-se na sua pequena quintinha, onde plantou diversos tipos de árvores e vive com a esposa e os seus animais. “Criei as minhas raízes no Cartaxo e é aqui que quero morrer. Quando chegamos a uma certa altura da vida começamos a apreciar coisas que aos 30 e 40 anos não dávamos valor. Tenho uma paixão tremenda pela natureza e nesta casa tenho a oportunidade de viver intimamente com ela”, reflecte. Benfiquista, tem três filhos e um neto. Dois dos seus filhos vivem no estrangeiro, no Canadá e Luxemburgo.
“Falhou o controlo das finanças na Câmara do Cartaxo”

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