uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“Hoje não ia para a política nem que tivesse 25 anos”

“Hoje não ia para a política nem que tivesse 25 anos”

Helena Stoffel foi professora, autarca e dirigente associativa em Santarém

Tem uma visão bastante crítica dos políticos da actualidade, que diz serem “cada vez mais trafulhas”, considera que Santarém, que vive as festas de São José, está mais atractiva e diz que as mulheres não precisam de um dia específico para celebrar a condição feminina. Helena Stoffel foi professora, do ensino primário ao ensino superior, e lembra, com arrependimento, o tempo em que bater nos alunos era considerado normal.

A comemoração do Dia Internacional da Mulher ainda continua a fazer sentido? Para mim não faz sentido. Acho que é uma maneira de excluir as mulheres. Todos os dias têm de ser dias da mulher e do homem. E deve-se vencer na vida por mérito e não por quotas. Não ligo a essa efeméride, como não ligo ao dia dos namorados, que nem existia no meu tempo, ou ao dia das bruxas...A violência sobre as mulheres continua a fazer parte do nosso quotidiano. Como analisa essa realidade? É uma questão cultural? Pode ser uma questão cultural, embora antigamente talvez não se falasse tanto nisso. Agora todos os dias se ouve falar de casos escandalosos, de mulheres mortas... Acho que já vai sendo tempo de as mulheres começarem a dar também nos homens (risos). Essas notícias fazem-me mal. Acha que, nalguns meios, ainda se vê as agressões às mulheres como algo normal? Antigamente até se dizia que entre marido e mulher não se devia meter a colher. Como o meu marido não me batia nem eu lhe batia a ele, não sei. E nunca me senti discriminada por ser mulher.Tem sido uma mulher interventiva ao longo da sua vida. Sentiu sempre necessidade de participar na vida da comunidade? Gostava de participar. Aliás, quando recomecei a estudar, houve quem me dissesse: “antes ficasses em casa a coser meias”. Era uma frase tipo na altura. Agora já nem se cosem meias…Santarém está a dias de comemorar o seu feriado municipal. Olha para a cidade hoje e o que vê? Acho que a cidade com Moita Flores modificou-se um bocadinho para melhor. Gosto do Jardim da Liberdade, do Jardim da República, do Convento de São Francisco... Gostei dessas intervenções no espaço público e fiquei muito triste por ele se ter ido embora.As contas da Câmara de Santarém é que não ficaram grande coisa após a passagem de Moita Flores? Pois claro! Mas não havia dinheiro e ainda se fez obra. Quando ele chegou, a câmara já tinha muitas dívidas. A rotunda dos repuxos em São Domingos também não estava paga, além de muitas outras obras….Houve muita gente a dizer mal de Moita Flores, sobretudo depois de ele se ter ido embora. O que pensa disso? Acho mal, porque ele podia ter os seus defeitos, mas foi muito mal tratado pelo PSD de Santarém. Santarém é hoje uma cidade melhor do que há 30 ou 40 anos em termos de qualidade de vida? Sim, talvez tenha melhor qualidade de vida e seja mais aberta. Era uma cidade muito fechada quando para cá vim viver, em 1961. Mas eu também não tinha muita disponibilidade para conviver socialmente. Dava aulas no Sobral (São Vicente do Paul), tinha os filhos, tinha a casa, fazia o serviço todo. E depois ainda recomecei a estudar. Acha que a cidade perdeu uma grande oportunidade com o falhanço daquela candidatura a património mundial no início deste século? Nem vale a pena a gente falar nisso…Porquê? Acho que foi dinheiro deitado à rua, mas não me façam falar nisso…“Os políticos são cada vez mais trafulhas”A política ainda mexe consigo?Mexe. Acompanho a actualidade. Ainda ontem (9 de Março) estive todo o dia a ver a tomada de posse do Marcelo [novo Presidente da República].E vai também acompanhando a política local? Só a do meu partido, o PSD, e já pouco. Mas participei nas eleições recentes. Votei no Carlos Marçal, mas ele não ganhou. Frequentemente ouvem-se vozes a defender que a classe política tem vindo a perder qualidade. Concorda? Concordo. Os políticos hoje são cada vez mais trafulhas. Eu nunca me servi da política e julgava que os outros também não se serviam. Mas tenho visto coisas e coisas e coisas… Agora não ia para a política nem que tivesse só 25 anos. E é uma pena porque os políticos são necessários. Estou convencida que daqui a alguns anos vai ser difícil encontrar gente que queira ir para certos lugares.Porquê? Porque as coisas que se dizem da classe são um enxovalho para os políticos que são bons e ainda têm honra. São todos postos ao mesmo nível. Que prenda é que gostava que Santarém recebesse neste feriado municipal? Uma boa prenda é que se fizessem as obras nas barreiras, para podermos ir para a estação pelo caminho mais curto.Arrependida de ter batido em alunosNotou grandes diferenças entre os alunos desde a altura em que iniciou a sua carreira como professora e a altura em que se reformou, há cerca de 22 anos? Quando comecei a dar aulas, eram pessoas educadas e andavam de pés descalços. Levavam para o almoço umas azeitonas e um bocadinho de pão. Dei aulas de instrução primária sempre nas aldeias. Eram tão bons, tão generosos. E eu era má, batia-lhes. Hoje já não podia fazer isso...Arrepende-se disso? Sim. Tenho remorsos de lhes ter batido. O meu melhor aluno da escola primária era da Torre do Bispo. A mãe era analfabeta e o pai tinha a terceira classe. Tenho recordações muito boas desses tempos.Quando se reformou, os alunos já eram muito diferentes. Sim, muito diferentes. Houve muitas asneiras que se fizeram depois do 25 de Abril. Houve excesso de liberdade, abusos. Tem conta no Facebook. O que a levou até ao mundo das redes sociais? A minha filha, as minhas netas. Eu gosto muito de jogar cartas no computador, mas também vou ao Facebook para ver as novidades. Mas ainda não percebo muito daquilo. Gosto mais da televisão.As pessoas hoje estão demasiado agarradas às tecnologias? Estão e não sei se muitas não se prejudicam por causa disso. Um exemplo de participação cívica e de espírito de iniciativaMaria Helena Stoffel nasceu em Viseu a 14 de Março de 1934 mas foi viver para Abrantes quando tinha dois anos e meio. Por lá fez todo o percurso académico até ao antigo quinto ano, excepto o segundo ano que fez em Mafra, para onde o seu pai, músico da Banda do Exército, foi destacado. Com 16 anos foi tirar o curso do magistério primário em Lisboa. “Comecei a namorar com o meu marido aos 14 anos. O meu pai queria que eu tirasse um curso superior mas não queria que eu namorasse. E eu fiz-lhe a vontade enquanto tirei o curso”, recorda.Aos 18 anos começou a trabalhar como professora do magistério primário. Casou aos 21 anos com o seu namorado da adolescência e o marido, bancário de profissão, ficou colocado em Santarém, cidade onde vive desde 1961. “Quando vim para Santarém achei que fosse uma cidade diferente. Em Abrantes os homens andavam sempre nos petiscos, vim para Santarém e ainda era pior”, afirma sorridente. Casada, com dois filhos e a trabalhar, a professora decidiu prosseguir com os estudos. Começou por tirar o 6º e o 7º ano e como já sabia Inglês e Francês resolveu estudar Alemão. Como tinha a vida muito ocupada fazia uma disciplina por ano. Depois do Alemão seguiu-se o Grego. Assim que concluiu o 7º ano foi estudar para a universidade em Lisboa. Licenciou-se em Filologia Românica. Durante 17 anos deu aulas no ensino primário mas, entretanto, surgiu o ciclo preparatório e Helena foi convocada para dar aulas de Português e História nesse grau de ensino. Depois de fazer o estágio no Entroncamento, deu aulas durante dois anos em Rio Maior, cidade onde diz que adorou leccionar, e veio para a Escola Preparatória, no Colégio Madre Andaluz, em Santarém. Quando foi criada a Escola Superior de Educação de Santarém foi convidada pelo professor Veríssimo Serrão para integrar a comissão da escola, onde chegou a ser orientadora de estágios.Depois das escolas do magistério primário serem extintas foi dar aulas para a Escola Preparatória Sá da Bandeira, em Santarém. Entretanto, após a revolução do 25 de Abril de 1974 meteu-se na política. “Uma grande amiga andava no PSD e desafiou-me para fazer parte do partido. Como já antes do 25 de Abril eu gostava muito do Sá Carneiro, lia os seus discursos, e revia-me muito no que ele dizia, tornei-me militante”, explica. Fez parte da primeira Assembleia Municipal de Santarém, eleita pelo PSD.Em 1979 foi convidada pelo amigo José Alberto Roque para integrar a lista do PSD à Câmara de Santarém. Foi vereadora da oposição durante dois mandatos (seis anos no total) mas, apesar de estar na oposição, o presidente Ladislau Teles Botas (PS) convidou Helena Stoffel para ficar com o pelouro da Educação. “Dava-me muito bem com o presidente Botas. Éramos vizinhos no mesmo prédio. Levantava-me às sete da manhã para ver se os transportes escolares funcionavam como devia ser. Conhecia todas as escolas do concelho e lá fui fazendo algumas obras. Tive muita pena de sair da câmara. Gostava muito daquilo. Saí porque uma colega de partido queria o lugar e por isso não continuei nas listas”, recorda.A forte ligação ao meio associativoReformada há mais de duas décadas, Helena Stoffel voltou a ser aluna na Universidade Sénior de Santarém para ocupar os tempos livres. Apesar de ter sido convidada para dar aulas optou por ser só aluna. Também se entretém a jogar no computador e há pouco abriu conta no Facebook, desafiada pela filha, mas confessa que ainda não se entende muito bem com a rede social. Fez parte da direcção do Círculo Cultural Scalabitano durante 22 anos e presidente durante muitos anos da Banda dos Bombeiros de Santarém, entretanto extinta. “Enquanto lá estive a banda viveu. Não tínhamos muitos músicos mas eu ia a todos os cantos do concelho à procura de músicos. Às vezes, chegava às três da manhã a casa porque andava a transportar músicos que vinham tocar à banda”, diz. Foi ainda vice-provedora da Santa Casa da Misericórdia de Santarém durante seis anos, no mandato do coronel Garcia Correia. Também fez parte dos órgãos sociais da APPACDM (Associação de Pais, Amigos do Cidadão com Deficiência Mental) e foi dirigente da concelhia do PSD de Santarém.Viúva há cerca de quatro anos, tem dois filhos, duas netas e um bisneto com três anos que é “coisinha mais querida que tenho”, afirma, embevecida.
“Hoje não ia para a política nem que tivesse 25 anos”

Mais Notícias

    A carregar...