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Na Câmara de Ourém enquanto uns trabalhavam outros exerciam actividades privadas

Na Câmara de Ourém enquanto uns trabalhavam outros exerciam actividades privadas

José Alho foi vice-presidente dessa autarquia e agora está na Fundação Inatel. Tem uma recheada actividade política e de dirigente público mas diz que antes de aceitar um cargo avalia sempre se tem condições para o desempenhar. José Alho perdeu o lugar no executivo da Câmara de Ourém por ter sido colocado em quarto na lista, depois de ter exercido as funções de vice-presidente. Não se sente magoado mas diz que a tradição de o número dois ser de Fátima não justifica tudo.

Ir para vogal da direcção da Inatel ao fim de uns anos de carreira na vida pública é entrar na prateleira dourada? Isso é o resultado da interpretação que se tem da Inatel. Mas com a actual equipa estamos numa ruptura geracional, em que há uma equipa mais jovem que nas últimas administrações. As pessoas quando são convidadas para o lugar são em função de uma missão, de objectivos. A missão é cortar com a ideia que a instituição é só para idosos, quando é muito mais do que isso. Não vejo que seja uma prateleira dourada mas mais uma passagem da minha vida e um desafio.
Que condições são necessárias para aceitar cargos? Avalio se tenho as competências e as condições para exercer o que esperam de mim num lugar público. É com o mesmo sentido de entrega à questão pública que estou agora na Inatel, com a vantagem de já ter um percurso muito diversificado.
Pelos vistos não consegue estar parado muito tempo no mesmo sítio. Não me ponho em bicos de pés para me convidarem para cargos. Convidaram-me para a Fundação Inatel e, além de um novo desafio, o cargo representa uma responsabilidade maior em comparação com as funções que exercia em Abrantes, como adjunto da presidente da câmara.
Atendendo ao seu percurso, parece que é uma pessoa que nunca está satisfeita. Aceito os novos desafios se entender que encaixam no meu perfil e se considerar que tenho capacidades e competências para exercer os cargos. Há um conjunto de situações em que teria a humildade de dizer não por não reunir condições. Se me convidassem para trabalhar numa área das finanças ou da macroeconomia, obviamente que não tinha condições.
E quais são as características que tem para estar na Inatel? Há uma mais-valia que considero, modestamente, que acrescento, que é o meu conhecimento relativamente às áreas protegidas, turismo de natureza. Áreas de intervenção específica da fundação. No caso da área pela qual estou responsável, a da economia social e inovação, entendo que tenho os conhecimentos que fui adquirindo ao longo da minha carreira.
As duas experiências autárquicas, em Ourém e Abrantes, deixaram-no cansado da política local? Não sou pessoa de ficar cansada. A política autárquica é uma porta que não encerrei. No nosso percurso de vida vamos somando alegrias, tristezas, sucessos, fracassos. Isso não faz só com que fiquemos mais velhos. Tem uma grande vantagem, que é permitir-nos olhar para trás e avaliar o nosso desempenho e posturas e fazer alguma calibração para os desafios futuros.
Saiu de Ourém porque já não aguentava o ambiente da câmara? Saí por uma questão factual. Na altura fui em quarto da lista e só foram eleitos três, pelo que fiquei excluído.
Mas é estranho, sendo na altura vice-presidente, ter figurado em quarto. Aceitei ir em quarto lugar e assumi o compromisso de entrar em qualquer lugar da lista, por uma questão de humildade democrática. Uma pessoa não tem de impor lugares. O presidente Paulo Fonseca convidou-me para entrar em quarto lugar, aceitei mas disse-lhe o que achava.
E o que achava? Parecia-me um pouco estranho do ponto de vista da leitura política, uma pessoa que era a segunda do executivo passar para quarta. Daria uma leitura imediata de que alguma coisa de confiança se tinha perdido. Podia haver essa perversidade de leitura exterior. Mas quando andamos na vida pública, com equipas, temos de ter a humildade de aceitar as situações a bem de um colectivo. Por humildade democrática iria até em último lugar dos suplentes.
Mas não deve ser fácil de engolir uma situação dessas. Tudo depende da nossa postura. Sou muito tolerante. Pior do que qualquer sentimento que possa ter tido é observar os resultados eleitorais, com a perda de um elemento e toda a dinâmica subsequente.
O facto de não ter tido lugar de relevo na lista contribuiu para o resultado? Os resultados são a mistura de várias coisas. Houve, eventualmente, na concepção das equipas, alguns erros. Houve também o factor de ter existido medidas penalizadoras, como limitações aos subsídios às colectividades. O que fez com que a oposição tivesse um trabalho mais facilitado.
O que é que impediu de ir em segundo lugar, foram pressões internas? Sempre entendi esta questão como uma ideia que existe, um pouco artificial, de que o número dois da lista ter de ser uma pessoa de Fátima. Uma imposição que levaria a que eu não pudesse ficar em segundo.
Era uma imposição fundamental ou eleitoralista? Não, para mim não é. É tradição!
E a tradição justifica tudo? Na minha opinião, não. Mas havendo uma segunda pessoa de Fátima e sendo homem, o terceiro lugar não podia deixar de ser para uma mulher. Por isso o lugar da vereadora Lucília Vieira nunca estaria em causa. Mas gostava de deixar essa nota de tranquilidade, de que para mim essa questão está resolvida.
Dizia-se que era o José Alho que segurava as pontas na câmara? Só posso dizer que dei o melhor de mim. Estive sempre presente junto do povo, sem olhar a férias ou fins-de-semana, trabalhando todos os dias numa entrega total àquela missão.
E sentia a solidariedade dos outros colegas nesse aspecto? Cada um tem as suas características e há pessoas mais e menos afectivas. Não direi que senti alguma hostilidade, mas divergências todos temos e sei que os métodos que eu defendi são aqueles que se identificam com os meus valores e princípios. Sou de esquerda e tenho valores de cidadania, trato os funcionários com respeito, cumpro as minhas obrigações. Se formos por aí, nem todas as pessoas partilhavam esses valores porque tiveram percursos de vida diferentes e que justificam diferentes formas de estar.
Isso fez com que existissem divergências? Não, não… Mas eu era uma pessoa sempre presente e via com alguma admiração que, em dias úteis, houvesse quem se dedicasse a actividades privadas.
Está a falar da vereadora Lucília Vieira? É um exemplo. Como é que alguém pode impor regras e disciplinas de assiduidade e não dar o exemplo?
Isso mexia consigo? Nada que me impedisse de trabalhar. Há formas de ser diferentes e o segredo para manter uma equipa capaz é minimizar as diferenças e maximizar aquilo que nos une.
Foi afectado na sua imagem pelas polémicas que ocorrem na câmara? Nunca o senti com preocupação. Quando estamos de consciência tranquila ficamos às vezes um bocado inquietos mas pessoalmente não sinto essa questão.
Como vê o facto de o presidente estar insolvente e dois vereadores serem acusados em casos que envolvem o clube de Fátima? Há um princípio no regime democrático que é o de a pessoa ser inocente até se provar o contrário e ser condenado. O que nestes casos ainda não aconteceu. Relativamente ao presidente, é uma questão do foro pessoal.
Uma pessoa insolvente tem condições para gerir o bem público? Não acompanho o processo, além do que sai na comunicação social. Compete ao próprio fazer uma auto-avaliação, porque os factores que levaram a isso pode ter várias causas. Se foi por uma questão de conjuntura e infelicidade de percurso ou por questões de gestão. Não é uma matéria que deve ser discutida na praça pública.
O PS arrisca-se a perder as eleições em Ourém? Tenho dúvidas. O Paulo Fonseca, se tiver vontade e reunir as condições para ser candidato, tem capacidades políticas muito interessantes e consegue empatia com as pessoas. Tem a capacidade de fazer boas campanhas eleitorais. Este mandato ainda não está fechado e há obras para inaugurar e investimentos que estão anunciados e que poderão reverter a imagem que a oposição lhe tenta colar, de que foi um mandato parado. Também há um factor favorável que é a redução da dívida. As coisas não estão perdidas se ele conseguir reunir à sua volta pessoas com boa imagem e com capacidade.
Disse recentemente que tinha gostado muito da experiência em Abrantes. Parece que foi tudo um mar de rosas. Foram dois anos intensos e foi um período satisfatório. Colaborei na reorganização da protecção civil municipal e na gestão florestal. Foi um trabalho mais técnico e menos político. Tive um bom relacionamento com a presidente e foi, para mim, uma experiência diferente, que me deu uma visão do que são as questões intermunicipais, pelo facto de Maria do Céu Albuquerque ser presidente da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo.

“É injusto pensar-se que a Maria do Céu Albuquerque se vendeu”

Por que é que nunca chegou a um cargo de relevo na distrital do PS? Sou membro da comissão política distrital. Estou também no secretariado distrital. Não é uma participação pouco expressiva. Quanto a ser presidente da distrital penso que há pessoas, pelo seu perfil, que têm mais vocação e capacidade para desempenho do cargo. Tenho uma perspectiva da política que é mais na participação activa de conferências e debates, por exemplo. Gosto mais de ser um contributo para a definição de políticas.
Como é que vê o facto de Maria do Céu Albuquerque ter sido opositora a António Gameiro nas eleições internas e agora presidir à mesa da Comissão Política da Federação, tendo integrado a lista do seu anterior adversário? Não isolo a Maria do Céu Albuquerque nessa decisão de integrar a lista de António Gameiro depois de ter concorrido contra ele e perdido as eleições. Esta é uma decisão que envolve um conjunto de pessoas, como eu que fui director de campanha dela. Foi um exemplo de como é que num partido as pessoas conseguem por vezes assumir grandes responsabilidades. Que são de os socialistas do distrito perceberem que numa conjuntura difícil não se devem criar intranquilidades. Temos de estar unidos na região para dar um contributo solidário a António Costa e ao Governo e para prepararmos as eleições autárquicas.
Mas compreende que muita gente não entende que num momento esteja contra e depois seja apoiante. Não foi uma questão de apoio, foi uma acção de compromisso. O que aconteceu foi a junção de vontades para se fazer um programa conjunto. Demos uma prova aos nossos adversários políticos, que ficaram, se calhar, um bocado frustrados, porque o melhor que lhes podia acontecer era terem os socialistas desavindos.
Mas para não haver intranquilidade pode-se apenas não hostilizar. É injusto pensar-se que a Maria do Céu Albuquerque se vendeu. A melhor estratégia para o PS era fazermos algo convergente. Isto já tinha acontecido no Porto num período mais complicado, no processo de António Costa contra António José Seguro.

Problemas ambientais não são só no Tejo e já estamos a sentir efeitos das alterações climáticas

Os problemas ambientais da região resumem-se à poluição no Tejo, que tem sido o mais falado nos últimos tempos? Uma coisa é o mediatismo que tem surgido relativamente a algumas descargas para o rio. Mas esse é apenas um lado da questão. Se quisermos ser rigorosos do ponto de vista ambiental temos de olhar para a bacia do Tejo, onde temos água e território. E as questões não se resumem aos caudais baixos e à poluição da água.
Quais são os problemas da bacia do Tejo? Há uma questão preocupante que é a salinização da água, que, dizem os entendidos, já produz efeitos na zona de Almeirim. Depois há a erosão das margens, o assoreamento e em alguns percursos as dificuldades criadas à passagem dos peixes.
O açude de Abrantes é um dos obstáculos à passagem dos peixes. Esse equipamento teve parecer das entidades responsáveis pelo ambiente e foi construída uma escada de passagem de peixes. O que nos deve levar a reflectir, quando se diz que não há soluções ambientais porque são muito caras, é que neste caso concreto a passagem de peixes custou muito dinheiro.
Aquele açude tem servido para alguma coisa? As pessoas tiveram a oportunidade de ver a diferença. Com as obras na ponte o açude teve de deixar passar a água e verificaram que o Tejo ficou com um baixo caudal. Aquele açude permite um espelho de água que tem um aspecto positivo. As barragens afirmam que cumprem os caudais ecológicos mas uma coisa é cumprir um caudal que seja funcional outra é cumprir de acordo com os metros cúbicos de água que têm de ser lançados. Caudais baixos e altos com frequência provoca a morte dos peixes na passagem das barreiras.
E para além dos problemas dos caudais? Há um conjunto mais vasto de problemas ambientais. Temos de pensar no que tem acontecido com a descaracterização da paisagem, alteração do coberto vegetal e práticas de mobilização dos solos, que muitas vezes levaram ao favorecimento da erosão e assoreamento.
E como é que isto se pode resolver? Há o plano de bacia hidrográfica, que pode impor regras relativamente aos caudais, à utilização dos solos nas margens do rio. Não é apenas um documento, é um conjunto de acções que são necessárias. Tem também um papel de monitorização, por exemplo vendo se há estações de tratamento a descarregar indevidamente para o rio, vendo como se comporta o Tejo no lado espanhol.
Falar-se só da poluição no Tejo faz com que se esqueçam os outros problemas? Como activista ambiental sempre tentei fazer com que se falasse das coisas para estas se resolverem. Mas tem havido mais um espectáculo mediático à volta de pequenos aspectos, como por exemplo o de termos um ministro a andar de barco com fiscais. O que tem de ser feito é olhar para o Tejo numa visão integrada. É preocupante por exemplo a retirada do coberto vegetal original e a sua substituição por quilómetros e quilómetros de eucaliptos.

Em 100 anos o mapa do Vale do Tejo pode mudar muito
Para além destas, quais são as questões ambientais que mais o preocupam? Há uma situação que só por autismo as pessoas se podem recusar a ver, que é a questão das alterações climáticas. Há uns anos era um tema apenas falado por ambientalistas e mesmo dentro destes havia uns mais preocupados que outros. Nos últimos anos começou a haver uma causa e efeito, com fenómenos que já são visíveis.
O que é que as alterações climáticas podem influenciar a região? Nas conferências costumo apresentar um mapa do vale do Tejo para demonstrar que a parte mais baixa da bacia do Tejo daqui por 100 anos vai estar coberta por água. Perante este prognóstico as pessoas costumam rir-se. O nível médio da água do mar sobe e entra pelas áreas mais baixas.
Essa situação já se sente? Basta ver os tornados que têm ocorrido na região, como o de Amiais de Baixo (Santarém), Ferreira do Zêzere ou Tomar. Os ventos fortes que provocaram estragos em Ourém em 2013. O facto de na praia do Agroal (Ourém) o caudal em meia hora ter subido cerca de cinco metros. São fenómenos que os cientistas classificam como fenómenos meteorológicos extremos, que é uma das consequências das alterações climáticas. E nós já estamos na fase das consequências.
Vão desaparecer localidades? As zonas mais baixas são de elevado risco. As zonas onde há tradicionalmente cheias, como no Pombalinho, são mais vulneráveis e podem ficar inundadas permanentemente.

O ambientalista e político

Nascido em 1961, José Alho começou por dar nas vistas como activista e dirigente da associação ambientalista Quercus. Foi com ele que as causas ambientais na região começaram a ter mais expressão na comunicação social. O biólogo de formação já exerceu vários cargos na administração pública, antes de ser vereador e vice-presidente, eleito pelo PS, na Câmara de Ourém e adjunto da presidente da Câmara de Abrantes, após não ter conseguido ser eleito no actual mandato.
José Alho, natural de Ourém, foi presidente da Liga para a Protecção da Natureza. Ao longo da sua carreira desempenhou cargos de direcção. Foi director do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e coordenador da Reserva Natural do Paul do Boquilobo. Foi vice-presidente e presidente do IPAMB - Instituto de Promoção Ambiental. Esteve na comissão de avaliação da nova ponte sobre o Tejo o coordenou o programa de intervenção no Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios das Serras de Aire.
Desempenhou ainda o cargo de adjunto do Governador Civil do Distrito de Santarém (Setembro de 2000 a Janeiro de 2001) e foi ainda director regional das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo da Autoridade Florestal Nacional.

Na Câmara de Ourém enquanto uns trabalhavam outros exerciam actividades privadas

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