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Lamento de empresa de adubos chega tarde para vítimas da Legionella

Lamento de empresa de adubos chega tarde para vítimas da Legionella

Ano e meio depois do surto, e após ser constituída arguida, ADP veio oferecer “solidariedade”. Vítimas criticam por só agora a Adubos de Portugal ter mostrado a sua solidariedade. Responsável da Ordem dos Advogados admite que se trata já de um primeiro passo na estratégia de defesa da empresa. Procuradoria justifica lentidão do processo com a sua complexidade e dimensão.

O Ministério Público constituiu na última semana nove arguidos no processo do surto de Legionella que, em Novembro de 2014, matou 14 pessoas e infectou mais de 400 no concelho de Vila Franca de Xira. Um surto cujas sequelas são ainda vividas no dia a dia de muitos moradores.
A fábrica da Adubos de Portugal (ADP), que labora entre Alverca e Forte da Casa, uma das primeiras em que o governo disse existir relação entre a estirpe encontrada e a bactéria presente nos doentes, é um dos arguidos, juntamente com outra empresa, a General Electric Water (GE), que alegadamente estaria responsável pela manutenção dos sistemas. A somar à lista de arguidos estão outros sete técnicos, de ambas as empresas. A acusação deve sair até ao final do ano e em causa pode estar um crime de poluição atmosférica, que pode ser punido com pena de prisão até oito anos e multa que pode chegar aos 2,5 milhões de euros.
A lista dos arguidos veio a público sem a maioria dos advogados das vítimas ter sido notificada dos nomes. Um arguido é aquele sobre quem recaem fundadas suspeitas de ter praticado ou comparticipado na prática de um crime, não sendo, ainda, alguém considerado culpado.
A Adubos de Portugal emitiu um comunicado na última semana, quase ano e meio depois do surto e depois de se saber que é uma das arguidas. Diz “lamentar profundamente” a tragédia e as “consequências nefastas”. A empresa diz que, “mais uma vez”, expressa a sua “total solidariedade” para com todos os que, “de forma directa ou indirecta, temporária e permanente, viram as suas vidas afectadas pelo ocorrido”. A empresa reafirma que cumpriu, “de forma inequívoca” com todas as obrigações legais da sua licença ambiental e que “confia na celeridade e bom funcionamento da justiça”, mostrando-se ao dispor das autoridades “para o cabal apuramento da verdade”. A empresa labora no concelho há 60 anos e emprega 400 pessoas.
Algumas vítimas, escutadas por
O MIRANTE, consideram o comunicado da empresa “tardio”. Paulo Rocha, presidente da delegação de Vila Franca de Xira da Ordem dos Advogados, diz que é “moralmente errado” só agora emitir um comunicado solidário com as vítimas. “Pode ser já uma parte integrante da sua estratégia de defesa. Este é ainda o primeiro passo de um longo processo”, equaciona.
Já Ana Dias, residente em Vialonga e uma das vítimas, critica a pertinência do comunicado. “Quando as pessoas precisaram nunca se ouviu uma palavra nem uma pessoa da ADP na rua a falar com as pessoas, deixaram-nos para morrer. Agora que a justiça lhes morde é que vêm oferecer solidariedade. Claro que não me convencem, é tudo falso”, critica.
Também Joaquim Ramos, motorista da Póvoa de Santa Iria e outra das vítimas do surto, diz-se “pouco impressionado” com o lamento da ADP. “As desculpas não se pedem, evitam-se. As palavras leva-as o vento. Deviam ter feito isso na hora, não é dois anos depois! De que me serve o lamento com os problemas que tenho?”, interroga.
Para Joaquim o mais urgente é que o governo torne novamente obrigatória a fiscalização às empresas no que toca à qualidade do ar e às colónias de legionella. “Não estou nada optimista com o processo, tenho as expectativas muito baixas. Basta ver que continuamos na mesma no que toca à qualidade do ar, nunca mais ninguém reactivou as leis”, critica.
A outra empresa arguida, a General Electric, diz estar “a acompanhar o caso” e que cumprirá com todas as suas “obrigações legais”.

Recolha de prova tem sido “complexa”

A Procuradoria Geral da República (PGR) justificou entretanto a demora no processo com a especial complexidade do caso e o facto de ser um processo único na história portuguesa. “O inquérito está em investigação e envolve recolha e análise de prova que se tem vindo a revelar como muito complexa”, explica aquela entidade. A PGR nota que os exames periciais têm sido igualmente “de grande complexidade, alguns deles complementares a outros já realizados, mas essenciais para a descoberta da verdade”.
De acordo com o balanço feito na altura, as vítimas mortais tinham entre 43 e 89 anos e o surto de Vila Franca de Xira foi o terceiro com mais casos no Mundo. Foi contido em duas semanas. No Ministério Público deram entrada 211 queixas de lesados e familiares das vítimas.

Câmara também vai avançar com queixa-crime

O presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Alberto Mesquita (PS), diz que a constituição de arguidos no processo do surto de legionella vem provar que “a verdade veio ao de cima” e diz que a novidade é “muito importante” para dar desenvolvimento ao caso. O autarca, recorde-se, já tinha pedido à Procuradoria-Geral da República que fizesse tudo o que estivesse ao seu alcance para acelerar o processo.
Alberto Mesquita diz que agora que estão constituídos os arguidos, também a câmara vai avançar com a sua queixa-crime, como O MIRANTE
noticiara. “A imagem do município ficou muito afectada com este incidente e demorou muito tempo até as pessoas se mentalizarem que nada de mal lhes aconteceria por visitar ou participar nos eventos de Vila Franca de Xira”, notou.

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