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“Por vezes há quem nos coloque num pedestal mas o nosso lugar é junto das pessoas que servimos”

“Por vezes há quem nos coloque num pedestal mas o nosso lugar é junto das pessoas que servimos”

Presidente da Câmara de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque, e presidente do Cartaxo, Pedro Magalhães Ribeiro

Gostam de música rock e saltam até ficarem sem fôlego nos concertos, já deram catequese, confessam que sofrem com os desgostos dos outros e vibram com as suas vitórias, afirmam que não gostam de ser endeusados, assim como não devem gostar de ser insultados. Uma conversa de uma hora entre dois autarcas da mesma geração em que a política só foi aflorada já no período de descontos.

Quem conhece a presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque (PS), e o presidente da Câmara Municipal do Cartaxo, Pedro Magalhães Ribeiro (PS), apenas no exercício das suas funções autárquicas, deve ter dificuldade em imaginá-los aos saltos num concerto dos U2, dos Rolling Stones ou dos AC/DC, por exemplo. Mas é isso que acontece quando ambos se libertam das funções protocolares e assumem a sua natural condição de simples cidadãos.
“Eu sou mãe, sou filha, sou mulher e não gosto de estar em nenhum pedestal. Ocupo um cargo político mas não sou intocável”, diz a autarca de Abrantes, antes de contar uma pequena história para ilustrar como se sente.
“Pouco tempo depois de ser eleita, um grupo do CRIA (Centro de Recuperação e Integração de Abrantes) foi à câmara municipal cantar as Janeiras. Eu não fui logo avisada e só desci algum tempo depois para receber as pessoas que, provavelmente por lhes terem dito que eu estava numa reunião, me imaginaram quase inacessível. Quem acabou por me colocar na posição certa foi uma menina deficiente que, na sua simplicidade, me abraçou quando eu cheguei ao fundo das escadas e declarou alto e bom som: ‘Ela é tão pequenina!’. Foi um momento muito bonito. E ela até era um pouco mais baixa que eu”.
Pedro Magalhães Ribeiro fala na humildade como elemento essencial para o exercício de cargos públicos. “A indústria farmacêutica ainda não descobriu o comprimido para a humildade e por isso temos que ser nós a tratar disso. Podemos fazer melhor ou pior o nosso trabalho mas ninguém pode ter a presunção de acreditar que toma sempre as decisões certas”, refere.
Durante a conversa entre os dois autarcas, a única declaração marcadamente política foi feita pelo presidente do Cartaxo, já no tempo dos descontos, como se diz no futebol, quando lamentou que Maria do Céu Albuquerque não tivesse sido eleita presidente da Federação Distrital de Santarém do Partido Socialista. “Tenho muita pena que ela não seja hoje a presidente da Federação porque para além de qualidades humanas tem qualidades políticas que, para além de Abrantes, deveriam estar ao serviço da região e do país”.
Um dos momentos mais marcantes surgiu de uma alusão ao facto de Maria do Céu Albuquerque ter sido catequista em determinada altura da sua vida. Inesperadamente Pedro Magalhães Ribeiro decidiu partilhar uma vivência pessoal que nem alguns dos seus amigos conhecem.
“Tive este ano a minha primeira experiência de dar catequese. Dei nos Jerónimos, aos domingos de manhã, a um grupo de crianças de sete e oito anos. Foi uma experiência muito rica que infelizmente não vou poder prolongar pois não me é possível continuar a conciliar aquela actividade com a minha agenda autárquica”, contou.
E acrescentou. “Foi uma descoberta recente. De alguma forma, nestes últimos dez anos, a partir da altura em que fui transplantado (transplante hepático) fiz um caminho para a fé. A gente costuma dizer que a dúvida é sempre o começo da convicção e eu nessa altura pus muita coisa em causa ao nível daquilo que era a minha fé. Há dois anos comecei a participar de uma forma mais activa numa comunidade católica do meu concelho, “Sementes do Verbo”, e foi quando surgiu o convite de ir dar catequese. Foi uma experiência muito rica. Aprendi imenso. Como diz uma pessoa amiga, temos de aprender a abraçar a cruz com amor. Eu acho que o caminho da fé é um pouco isso”.
A experiência de Maria do Céu Albuquerque como catequista partiu de um exercício de autocrítica. “Foi quando a minha filha mais nova entrou para a catequese. A catequista dela tinha 80 anos e tinha o marido entrevado numa cama. Ela punha as crianças à sua volta a ler o catecismo e ensinava-lhes a rezar o Pai Nosso. Um dia dei por mim a criticá-la e senti um peso na consciência. Ela dava mais do que podia e eu que tinha trinta anos e tempo livre limitava-me a criticar. Ofereci-me, fiz uma aprendizagem incrível e inclusivamente fiz um curso da Católica online, chamado catequese avançada, e a experiência fez-me crescer muito enquanto pessoa”.
Maria do Céu Albuquerque tem uma excelente relação com os pais apesar de o pai ter sido muito severo quando ela era adolescente e a ter impedido de participar em actividades desportivas ou até nos escuteiros.
“Tive uma educação como menina. Nas férias ia para a costura, ao fim-de-semana e nas férias cozinhava. O meu pai achava que devia ser assim apesar de querer que eu estudasse, como aconteceu”. Quanto à mãe, perdoa-lhe tê-la obrigado a casar em Fátima por causa de uma promessa que tinha feito quando ela esteve doente em criança. E não esquece que lhe deve as poucas saídas que teve. “Eu tinha uma mota e ela não conduzia. Íamos as duas na mota às festas todas que havia à volta de Abrantes”, recorda.
Pedro Magalhães Ribeiro lamenta nunca ter voltado à vila da Normandia onde nasceu e de onde voltou com um ano e cinco meses. “Já esteve programado várias vezes para irmos, eu e a minha irmã, acompanhados pelos meus pais mas infelizmente o meu pai teve uma doença complicada e a viagem foi adiada”.

“Um abstémio na associação do vinho e um pé de chumbo na promoção do Fandango”

Pedro Magalhães Ribeiro não era abstémio quando era jovem estudante em Lisboa e como não gostava de cerveja preferia sempre o vinho, ainda para mais porque tinha que honrar o facto de ser do Cartaxo. Confessa que nunca apanhou nenhuma bebedeira que o tenha feito perder o norte mas quando era para alinhar com os amigos, alinhava. “Bebia moderadamente até porque praticava desporto, nomeadamente basquetebol, a nível federado mas desde que fiz o transplante hepático há dez anos tive que parar. O que é engraçado é que, para além de presidente da Câmara do Cartaxo, que é Capital do Vinho, sou também presidente do Conselho Directivo da Associação dos Municípios Portugueses do Vinho. Costumo dizer que sou um erro de ‘casting’ porque dos oitenta presidentes que integram a associação devo ser o único que não bebe”.
Mas se o facto de não poder beber lhe causa alguma pena, o facto de não saber dançar é-lhe mais penoso, ainda por cima porque adora ver dançar. Brinca com o facto de o Cartaxo liderar a candidatura do Fandango a Património Imaterial da Unesco dizendo que a ser embaixador de qualquer iniciativa ligada à dança só se houvesse uma capital do Pé de Chumbo.

“A bicicleta em vez do táxi em Amesterdão e os silos auto nos quintais do Japão”

A presidente da Câmara Municipal de Abrantes diz que ainda não teve muito tempo para fazer todas as viagens que gostaria mas já fez algumas e tem histórias para contar. “Uma vez fui convidada para ir falar sobre igualdade de género a uma cidade satélite de Amesterdão. Só consegui ir num avião de madrugada. Cheguei a Amesterdão às nove da manhã, apanhei o “transfer” para o hotel que ficava a 100 quilómetros e não tive muito tempo para descansar porque falava às três da tarde. Tomei banho, arranjei-me e na recepção pedi para me chamarem um táxi. A recepcionista perguntou-me se eu não preferia ir de bicicleta uma vez que o local da conferência ficava apenas a seis quilómetros”.
Maria do Céu Albuquerque aceitou o desafio e lá foi, pelos campos fora, toda fresca e bem arranjada, a pedalar com uma pequena mochila às costas, na bicicleta emprestada pelo hotel. “Fiz seis quilómetros pelo meio de uns campos fantásticos, cheguei, estacionei, fui falar, fiz o caminho de volta”, conta.
Onde não encontrou muitas bicicletas nem ciclistas foi no Japão. “Lá andam muito de comboio e a pé. Quem quer comprar carro tem que garantir que tem lugar para estacionar e foi curioso ver, numa viagem que fiz entre Tóquio e a fábrica da Mitsubishi, alguns quintais de casas particulares com estruturas metálicas tipo silo auto, que permitem estacionar mais do que um carro”.

“Por vezes há quem nos coloque num pedestal mas o nosso lugar é junto das pessoas que servimos”

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