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O Gauguin de Abrantes e a mota que ainda vai ser mais famosa que a lata de sopa do Andy Warhol
António Colaço, Paulo Santos, Pedro Gouveia, José Pimenta e Paulo Alves

O Gauguin de Abrantes e a mota que ainda vai ser mais famosa que a lata de sopa do Andy Warhol

Abrantes tem uma galeria de arte no antigo quartel dos bombeiros; um espaço privilegiado que nesta altura reúne obras de 35 pintores abrantinos. Uma exposição integrada na comemoração dos 100 anos da cidade que pode ser visitada até dia 2 de Dezembro.

A cidade de Abrantes ainda festeja o seu centésimo aniversário com uma exposição de artes plásticas onde estão representados 35 artistas do concelho. São apenas dois trabalhos por cada artista mas o suficiente para percebermos em cada um deles o espírito do lugar.
O MIRANTE visitou a exposição numa sexta-feira à tarde sem a presença de Paula Dias, responsável pelo espaço e também ela representada na exposição. António Colaço, artista plástico e militante cultural, foi quem nos convidou para comer a Palha de Abrantes e nos guiou pelo espaço na companhia de outros artistas.
É da autoria de António Colaço a peça mais diferenciada da exposição; “Quadriga” é a moto que António Colaço usou na sua juventude para percorrer montes e vales do concelho de Abrantes principalmente depois da revolução de Abril. Colaço já mostrou a sua mota em diversas exposições; a última vez foi num centro comercial do concelho de Almada onde ouviu um alentejano aos gritos dizendo que tinha em casa uma mota igual àquela, todo satisfeito por terem promovido a sua mota de trabalho de uma vida a objecto de arte. Colaço insiste na ideia que a sua mota “mete a um canto a lata de sopa de Andy Warhol”; meio a brincar meio a sério António Colaço não desiste nunca de valorizar o seu trabalho nem que para isso tenha que recorrer ao gigante americano da Pop Art.
“Doce Abrantopia” é a outra obra de arte de António Colaço presente na exposição. O artista usou as tijelas que lhe foram cedidas pela “Pastelaria Pereira”, a mais antiga de Abrantes, e montou um quadro em que diz retratar a sua luta por uma cidade diferente, com imagem de marca únicas.
A passar um fim-de-semana prolongado em Mação, depois de três semanas seguidas fechado em casa, no Montijo, a cuidar dos netos, Colaço respira entusiasmo e projectos para o futuro. Conhece e tem histórias para contar de quase todos os artistas presentes na exposição. Percebe-se pela forma como fala deles quais são os que gosta mais e menos em termos pessoais. Num ou noutro caso, depois de falar do artista, admite que perdeu o contacto com ele mas tem uma boa opinião sobre os trabalhos e os seus percursos artísticos. Nunca se coíbe de falar nas suas referências e nos seus mestres. Sobre o quadro onde valoriza a famosa Palha de Abrantes reconhece que o seu traço é inspirado desde há muitos anos no artista plástico Emerenciano; depois repete uma história que já lhe tínhamos ouvido noutra altura: “Gostava que este quadro ficasse em Abrantes. Estou disponível para o vender barato. É o único que tem referências às tradições e ao património de Abrantes; com pouco dinheiro era possível mandar fazer umas serigrafias e financiarmos, com os lucros, uma instituição da cidade”, diz, com a convicção e sempre a puxar a brasa à sua sardinha.
José Pimenta é o mais velho dos artistas presentes na exposição. Tem 86 anos e é acima de tudo escultor. Trabalha a pedra esculpindo, a maioria das vezes, imagens religiosas. No dia anterior à nossa conversa tinha vendido um quadro por 60 euros. O quadro chama-se “A Vida é uma paródia” e foi pretexto para contar uma história. Sobre a sua participação na exposição quis fazer crer que é imerecida porque sente-se um simples artesão. Mas depois contou mais duas histórias relacionadas com duas pequenas esculturas de Madre Teresa de Calcutá e de S. João de Deus que lhe trouxeram muita satisfação e realização pessoal. José Pimenta vive em Rio de Moinhos e na sua oficina é a pedra que ocupa o espaço maior. António Colaço interrompe a conversa várias vezes para ilustrar com palavras a admiração pelo mestre escultor. José Pimenta vai ouvindo os elogios mas remata muitas vezes as conversas com as histórias do passado dizendo que teve que deixar a escola aos 12 anos para ir trabalhar para Lisboa.
Só uma vez puxou dos galões para afirmar que não se sente um intelectual mas quando é preciso sabe defender a sua dama. “Não sou um intelectual mas sei recorrer àquilo que aprendi ao longo de uma vida para me explicar e defender a minha arte. Embora não precise disto para viver tenho sempre meia dúzia de esculturas de Santo António pois é a imagem mais procurada pelas pessoas que vão à minha oficina”, esclareceu, no meio de algumas conversas em que foi explicando como encontra inspiração para trabalhar e para produzir os seus quadros e as suas esculturas.
Paulo Alves tem 27 anos e para além de pintor é consultor ambiental. Da sua profissão retira tudo o que precisa para se afirmar como pintor e ilustrador de livros. Paulo Alves é observador de aves e trabalha para empresas de ambiente. A sua missão é proteger as aves para que não choquem com as pás das torres dos parques eólicos. Foi o fascínio pelas aves que o levou à Indonésia onde realizou acções de sensibilização e deu aulas sobre o tema. Grande parte das suas melhores obras de pintura foram pensadas e realizadas na Indonésia na observação de espécies de aves raras. Actualmente lecciona técnicas de pintura para além de trabalhar para as empresas de ambiente envolvidas em projectos de conservação e monotorização de aves migradoras.
Paulo Alves é formado em Turismo Ambiental. A pintura surgiu por acaso. Nunca frequentou escolas. Sente que nasceu com aptidão para o desenho e a pintura. Tem mil projectos para o futuro mas todos passam pelas cores das tintas, as viagens, os livros e a observação de aves; e por questões relacionadas com a sua actividade de consultor. Paulo Alves é uma pessoa muito discreta. Nota-se quando lhe pedimos para falar de si. No entanto no seu currículo tem, entre outras indicações, a de que colabora com a National Geographic e com algumas ONG`S para além de ilustrar livros infantis. É muito fácil adivinhar nas suas palavras que quer continuar a viajar pelo mundo com as tintas e os pincéis atrás mas também com os binóculos e a paixão pela Natureza.
Pedro Gouveia nasceu em 1954 em Angola mas veio para Abrantes com 21 anos e é lá que vive e sempre viveu. Foi professor e agora é reformado. Tal como António Colaço foi apresentando ao longo da visita as obras dos artistas plásticos abrantinos, Pedro Gouveia também não se fez rogado a falar dos quadros de alguns artistas plásticos que achou importante referir na nossa conversa em viagem pelas três salas da exposição: Um deles foi Carlos Saramago (nasceu em 1972) que Pedro Gouveia diz ser um artista com uma obra cheia de sentimento.
Pedro Gouveia também não tem concorrência entre as obras dos trinta e cinco artistas desta exposição. Desde o início que António Colaço o trata por Gauguin de Abrantes. Os dois quadros expostos estão cheios de cores e de elementos como a água, as flores, as árvores e a paisagem. Pedro Gouveia mostra-se muito à vontade a falar de si e da sua pintura; “É verdade que gosto do Gauguin e do Matisse e que os acho referências importantes. Mas com eles ou sem eles eu gostaria sempre das cores vivas dos meus quadros. Talvez porque sou africano e vivi lá uma boa e importante parte da minha vida”, realça.
Durante a conversa ficamos a saber que Pedro Gouveia gosta de ajudar na montagem de exposições; “É o braço direito da Paula Dias”, diz António Colaço que embora não viva em Abrantes mostra saber quase tudo sobre a vida cultural da cidade. Pedro Gouveia dirá mais à frente que os seus dois quadros não estão juntos porque foi preciso separá-los por causa da convivência das várias linguagens das obras expostas, o que confirma que ele não está ali apenas como artista plástico e sabe de outras podas.
Depois de explicar quem são os protagonistas dos seus quadros, e quantas viagens fizeram os pincéis até que os quadros ficassem prontos, ficamos a saber que o seu atelier está cheio de Obras que aguardam interessados. Pedro Gouveia pinta há mais de quarenta anos e não vai desistir enquanto a sensibilidade artística herdada da sua mãe o mantiver num “Universo de excepção”.

O Gauguin de Abrantes e a mota que ainda vai ser mais famosa que a lata de sopa do Andy Warhol

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