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Cauteloso Serafim das Neves

Vivo em pânico por saber que a qualquer momento algum pirata informático vai divulgar na internet os dados da minha conta bancária. Como é que poderei voltar a encarar a família, os amigos e os vizinhos quando eles ficarem a saber que só tenho menos de cem euros até ao fim do mês?

Mas esse não é o meu único receio. E se algum camelo me filmar com o telemóvel a deixar descair a minha mão para a bunda da minha Maria enquanto passeamos abraçados por uma rua qualquer? Como é que hei-de fazer para que os facebukianos percebam que não fiz qualquer gesto libidinoso na via pública mas que apenas mudei de posição porque já estava com o braço dormente?
Hoje estou a usar luvas e não é por causa do frio. Vais dizer que estou a ficar passado dos carretos mas eu explico. Tenho um panarício na unha do dedo médio e aquilo está infectado. A cabeça do dito cujo parece um rabanete. Sei lá se ainda metem a notícia no jornal a ilustrar um artigo sobre a falta de médicos nas urgências.
O terror de sermos caçados a fazer algo errado já passou à história. Agora é o terror de imaginar que qualquer dedo que a gente meta no nariz possa ser filmado pelo vizinho da frente e que o vídeo se torne viral na internet.
Eu sei do que estou a falar. Estou atento à internet e também aos jornais de grande circulação. Ainda por cima tudo o que um gajo faça não se apaga. Um dia destes encontrei no youtube um vídeo de há cinco anos em que apareço com um ar apalermado a comer caracóis no festival da cerveja da aldeia dos meus pais. Ainda por cima o meu primo Tó está por trás de mim a fazer-me uns cornos com os dedos e a rir-se que nem um jacaré. Já ando há seis meses a tentar que aquilo seja apagado mas acho que vou desistir. De cada vez que tento aumenta o número de visualizações. Já vai em mais de vinte mil. Estou farto de me ver a comer caracóis.
Esse nem é o pior. Encontrei outro feito num casamento nem sei de quem, em que estou a jogar à sardinha com uma das meninas das alianças. Tem mais de cinquenta comentários. É de pedófilo para cima. Ainda bem que cortei a barba e emagreci quinze quilos mas de vezes quando penso naquilo e até começo a transpirar. E se alguém me reconhece?
Os sistemas de videovigilância nos elevadores, centros comerciais, jardins, bancos...obrigaram-me a andar tipo robot e a evitar olhar para as pernas de qualquer mulher mesmo que ela tenha pernas até ao pescoço mas a videovigilância é inofensiva quando comparada com o poder dos smartphones e com as técnicas de manipulação de imagens.
Tudo é cada vez mais relativo e cada opinião passou a ser uma verdade absoluta. Os maluquinhos que andavam sempre a clamar pela verdade já devem ter ido na enxurrada mundial das verdades dos nossos dias.
Se ao fim de oitocentas visualizações de um lance de futebol na grande área do Benfica, filmado de 360 ângulos diferentes os oitenta comentadores nacionais de futebol chegam a mais de cem conclusões diferentes como é que nos livramos de ser acusados seja do que for quando caírmos no ângulo de visão de um dos modernos caça cenas?
Na ex-União Soviética quando um camarada caía em desgraça faziam-no desaparecer de todos os retratos oficiais em que ele estava. Agora é ao contrário. Quando se quer desgraçar alguém é acrescentá-lo em cenas comprometedoras. A meter o nariz no decote de uma actriz qualquer; a usar um cinto de explosivos; a usar uma tanguinha na praia...tu sabes lá o que alguns tipos conseguem fazer com um photoshop apesar de nunca terem frequentado um curso do centro de emprego.
Vou tomar um calmante porque daqui a pouco já sei que vou ver este e-mail todo deturpado numa rede social qualquer. Provavelmente já sou candidato independente a uma junta de freguesia qualquer e ainda não sei.
Saudações virtuais
Mário Serra da Gardunha

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