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Jovem de Alverca pôs moçambicanos a pedalar

Antes da Mozambikes, muitos moçambicanos caminhavam dezenas de quilómetros por dia para irem à escola, ao médico ou apenas para terem água. Rui Mesquita decidiu dar-lhes rodas. E a vida mudou, também para ele.

Chama-se Rui Mesquita, tem 36 anos e é o filho mais novo do presidente da Câmara de Vila Franca de Xira. Cresceu em Alverca e sempre apoiou o pai na vida política, apesar de nem ele, nem o irmão, Paulo, de 37 anos, terem seguido o mesmo caminho. “Não sou político, mas sigo as pisadas do meu pai na vertente comunitária”, disse a O MIRANTE o fundador da Mozambikes.
Nascido e criado em Alverca, Rui sempre foi aventureiro e... teimoso. Levou algum tempo a convencer o pai de que não pretendia tirar a sua licenciatura em Marketing numa universidade de Lisboa. “Estudei em Santarém e tenho a certeza que foi a melhor decisão”, revela.
E porquê abdicar da capital, quando o desejo da maioria dos alunos é ir estudar para Lisboa? A resposta sai-lhe hoje mais rápida e lúcida do que há quase 20 anos, quando tentou explicar a razão da sua escolha ao pai: “Queria estar num meio mais pequeno, onde os professores me tratassem pelo nome e não por um número. Tenho uma forma de me dar muito próxima às pessoas e hoje ainda falo com 40 por cento dos professores da faculdade, eles tratam-me pelo meu nome e eu pelo deles”, confessa Rui Mesquita.
Dar. Retribuir. São estes dois verbos que estão na base do projecto que criou: fabricar bicicletas especiais - que aguentem os caminhos de terra e de de mato moçambicanos - e doá-las ou vendê-las às empresas que por sua vez as entregam às populações, sobretudo as que vivem nos meios mais rurais.
Rui não queria fazer caridade: “O objectivo era que fosse um projecto sustentável, por isso não optámos por fazer uma Organização Não Governamental (ONG) [que sobrevivem de fundos que quando acabam levam à extinção]. E quando fala no plural, é porque a ideia nasceu e cresceu à medida que foi nascendo e crescendo a sua relação com Lauren Thomas, uma norte-americana que chegou a Maputo no mesmo mês em que Rui aterrou em Moçambique, em Abril de 2008, meses depois deste ter visitado o país e assinado um contrato de dois anos para lançar uma empresa de telecomunicações. “Foi sempre a área em que trabalhei”, revela.
Lauren estava em terras africanas para fazer voluntariado: 3 meses a desenvolver um projecto agrícola no meio rural. Voltou para os EUA, mas os dois não perderam o contacto e Lauren regressou. Aliás, casaram. Têm uma filha de um ano, a Isabel, nascida na África do Sul, e está outro bebé a caminho, mais um neto para Alberto Mesquita.

Trabalhava numa papelaria para poder viajar
Foi há nove anos que Rui Mesquita chegou a Moçambique e nunca pensou que essa viagem iria mudar a sua vida e ter impacto na vida de pessoas que os receberam “de braços bem abertos”. E não ficou chocado com a pobreza ou as condições difíceis do país. “Sempre viajei muito. Trabalhava aos fins-de-semana numa papelaria e juntava esse dinheiro para viajar. Já conhecia outras realidades”.
Mesmo assim, quando apresentou a ideia da Mozambikes aos amigos, todos acharam que tinha enlouquecido. Afinal, os empresários gostavam da ideia de aproveitar a bicicleta para fazer publicidade - o grande “isco” da empresa - mas ninguém avançava com dinheiro. Avançaram Rui e Lauren: “Investimos 100 mil euros das nossas poupanças e arrancámos com o projecto”. Estava-se em 2011.
Rui Mesquita garante que não foi um passo ingénuo. “Sabíamos que o projecto interessava às pessoas e não queríamos distribuir as bicicletas indiscriminadamente, mas sim montar um negócio sustentável que continue, mesmo que um dia não esteja cá eu ou a Lauren”.
Apesar de viver em Maputo - a capital do país e, por causa disso, com preços exorbitantes a nível do imobiliário, - a fábrica onde as bicicletas são montadas fica em Txumene, a cerca de uma hora de carro da antiga Lourenço Marques. E se a Mozambikes avançou, a empresa de telecomunicações para a qual Rui trabalhava deixou o país. O jovem quis ficar e chegou a acordo, desvinculando-se da empresa.

Rui Mesquita não recebe salário na Mozambikes
“Nessa altura trabalhava quase a 100 por cento na Mozambikes e sempre em regime pro bono [não recebe salário]. Agora, trabalho 60 por cento e os restantes 40 dedico-os a outros projectos, que é de onde vem a minha fonte de rendimento”. Ainda assim, desde 2011, Rui e Lauren já recuperaram quase a totalidade do investimento e só não a recebem por inteiro, porque dessa forma “a empresa ficava sem liquidez. É como se fosse uma espécie de empréstimo dos sócios fundadores”, explica.
Desde 2013 que o ritmo da Mozambikes se mantém: “Fabricamos entre 3500 a 4000 bicicletas por ano e em 2016 vamos conseguir manter esse número”, garante. Apesar de estar a ser um ano particularmente difícil em Moçambique: “Há muitas pequenas e médias empresas a fechar portas por causa do momento económico que é conturbado”. O projecto está em perigo? “Há algo que não nos ensinam na faculdade, mas ensinam-nos em casa - “Não podemos dar um passo maior do que a perna” - e a minha vida sempre foi regida por essa máxima”.

Como funciona a ideia genial de Rui?

Neste momento, o projecto apresenta dois modelos de negócio: as bicicletas doadas são entregues a determinados candidatos já identificados: pessoas que vivam com menos de um euro por dia _ mais de metade da população moçambicana _ e outros, assinalados por escolas, orfanatos, entidades religiosas, etc.
Mas a genialidade da ideia de Rui Mesquita está precisamente no modelo de negócio em que a bicicleta se transforma num veículo publicitário. “São as branding bikes. As empresas privadas usam-nas para fazer publicidade, oferecem aos trabalhadores como bónus, compram-nas para promoções ou para projectos de responsabilidade social”, conta.
As próprias ONG que existem em Moçambique utilizam as Mozambikes para passar mensagens: “A UNICEF está a usar o quadro da bicicleta para publicitar uma campanha contra o casamento precoce das meninas. E essa mensagem chega a sítios onde não há televisão, jornais, Internet ou outdoors”, sublinha Rui Mesquita.

São os únicos a fabricar bicicletas em Moçambique

Antes da Mozambikes sair do plano das ideias e passar para a realidade, houve vários obstáculos. O primeiro: a falta de matéria-prima. “Não há em Moçambique quem fabrique bicicletas”, conta Rui Mesquita. Por isso, compram as peças na China e na Índia e recebem contentores com as peças que depois são todas montadas na fábrica. Trabalham, na Mozambikes, 22 pessoas: “Este é um projecto cem por cento moçambicano, excepto os seus fundadores”.

O regresso a Alverca

Pode nem vir a acontecer. “Sou português, tenho uma mulher americana, uma filha que é portuguesa e americana e que nasceu em África. Não sei, iremos para onde nos sentirmos bem”, confessa Rui Mesquita. Visita todos os anos a terra onde cresceu e passa esses dias “em jantares com amigos e família”, que são, na verdade, “aquilo de que se sente mais falta quando estamos longe”, remata.

O amigo Merito

Muita coisa mudou na vida de Rui, mas muitas coisas mudaram também nos meios rurais que receberam as bicicletas-milagre: “Senhoras que não sabiam andar de bicicleta e que hoje fazem a sua vida sempre a pedalar, por exemplo”. Mas o que Rui guarda no peito, nem sequer é a brutal diferença que fez na vida de, na sua grande maioria, desconhecidos. O Merito, que é hoje o pintor principal das bicicletas, era guarda na empresa de telecomunicações onde Rui Mesquita trabalhou. “O Merito tem 26 anos e cresceu comigo. Crescemos juntos e fizemos isto”.

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