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Escola de Toureio de Azambuja está a mudar a vida de crianças e jovens

Escola de Toureio de Azambuja está a mudar a vida de crianças e jovens

Nasceu em 1949, mas há dois anos ganhou nova vida sob o comando do mestre Ernesto Manuel, antigo bandarilheiro e um homem de coração generoso. Tem alunos dos 3 aos 20 anos, pais entusiasmados que assistem aos treinos, jovens que acordam cedo ao domingo para fazerem uma viagem de comboio de quase uma hora para não faltarem à aula. Um menino de nove anos só ali descobriu como é ser-se feliz. Esta é a primeira parte de uma reportagem que O MIRANTE vai publicar em três edições.

Rui Jardim: decore este nome. Tem 18 anos e é um dos 14 alunos da Escola de Toureio de Azambuja. Quer ser - vai ser - matador de toiros e até já recebeu um convite de Espanha para lançar a sua carreira. Está na escola desde 2011 mas sempre treinou com os amigos em casa. A festa brava corre forte no sangue da família de Rui. “Nasci em Vila Franca de Xira, mas morei sempre em Azambuja. O meu pai é gerente do Patéo dos Barros onde antes se faziam largadas de toiros e hoje ainda se fazem durante a Feira de Maio”, explica. Tem postura de toureiro, discurso espontâneo mas lúcido. Juntou-se a mais dois amigos e inscreveram-se na escola. Treinam três dias por semana: quartas, quintas e domingos. “Mas eu treino todos os dias duas ou três horas”. Vontade. E consciência.
“O que se aprende aqui [na escola] é a ser-se homem, a ser-se amigo. A educação não se aprende só em casa. Aprende-se a ter ética e ensinam-nos os princípios básicos do que é ser toureiro”, diz, sem pestanejar. Por momentos, é possível esquecermos que tem apenas 18 anos. Sabe o que diz, teve um bom professor, sabe a lição de cor e já a ensina aos alunos mais novos. “Ser toureiro envolve uma panóplia de coisas, desde o saber estar, o saber caminhar, saber falar com as pessoas, saber agarrar no capote”, enumera, mas sublinha: “Esta escola não é só para fazer toureiros. Serve também para fazer aficionados”.

“A única coisa que é nossa é o coração e a cabeça, o resto é do toiro”
Quando lhe perguntamos como se sente por ser chamado “a estrela da escola”, responde, humilde, que será apenas “o aluno mais avançado. Isso traz-me alguma preocupação e encargos, porque tenho de transmitir o pouco que sei aos mais novos”. Este ano só participou em duas corridas - para muitas mais foi convidado - mas só foi possível participar numa corrida em Sobral de Monte Agraço e numa novilhada em Vila Franca de Xira.
Já ganhou prémios para a escola e sobre o medo, bem, basta pensar na frase que ele mesmo profere: “Todos temos medo. Vamos para as corridas de corpo e alma, nunca sabemos se voltaremos a vestir o fato de toureiro. A única coisa que é nossa é o coração e a cabeça, o resto é do toiro”. Silêncio. Apenas quebrado pelos gritos alegres de Mateus, de três anos. “Quer ser toureiro desde os dois”, explicam os pais, Hugo e Patrícia Domingues. “Somos aficionados e as escolas são importantes para manter a aficcion”, diz Hugo Domingues.
Mateus brinca com os cornos de um touro com Inês, que é a bisneta de um dos fundadores da Escola de Toureio de Azambuja: Etelvino Laureano, matador de toiros, já falecido. A mãe, Raquel Laureano, que acompanha a filha nas aulas é uma grade aficcionada da festa brava. A filha herdou-lhe a paixão. A O MIRANTE diz apenas: “Não tenho medo dos toiros”, para logo gritar: “Ei, onde estão os meus cornos?” e desatar a correr em busca do seu capote rosa, para compor a figura para a fotografia.

A profissão “mais bonita do mundo”
Beatriz Martins, de 13 anos, está apenas há três meses na escola e é o pai quem a está a ensinar. Emocionado, de sorriso quase tão largo quanto a timidez de Beatriz, Rui Martins conta que foi bandarilheiro e que sonhou ser matador de toiros. Naturais de Vila Franca de Xira, moram actualmente na Torre da Marinha. Bia, como é carinhosamente tratada, não tem dúvidas: “Quero ser toureira” e é isso que escreve nas fichas da escola quando lhe perguntam a profissão desejada. Receoso, o pai revela: “Sinto-me orgulhoso, mas também apreensivo. Esta é a profissão mais bonita do mundo, mas paga-se um tributo muito grande: pode perder-se a vida numa arena”. Beatriz diz estar disposta a isso.
A aula de domingo está quase a terminar e os alunos mais velhos ajudam a arrumar a sala - que pertence à Poisada do Campino. Fernando Fetal, de Riachos (Torres Novas), entrou na escola há um ano e não há um santo dia que perca o comboio que o leva até Azambuja. Quer ser toureiro, pois claro. Muito do que estes alunos dizem, ouviram da boca de Ernesto Manuel, antigo bandarilheiro e um homem que dá aulas a custo zero na escola. É um ser humano especial. Os problemas a enfrentar são muitos, mas ele, que enfrentou toiros bravos, desconhece a palavra desistir. Sorte grande a dos seus alunos.

Gabriel voltou a sorrir por causa da escola

Tem nove anos e há poucos meses era um menino triste, que nunca tivera a oportunidade de ser criança. A mãe abandonou a casa de família há poucos meses e foram os avós maternos, com a ajuda do pai, que pegaram no Gabriel e tentaram reconstruir tudo o que fora mal feito até agora.
Gabriel fala de cabeça erguida: “Quero ser toureiro”. Desde que está na escola, o que só aconteceu há alguns meses, mudou radicalmente. Deixou de ser agressivo com os colegas e trouxe para casa o primeiro “Muito Bom” da sua breve vida escolar. A professora chamou o avô, José Aleixo, e perguntou o que mudara. A única alteração fora a entrada de Gabriel para a escola de toureio. “Não o tire de lá, por favor”, implorou a professora.
Nem que quisessem, Gabriel não sai. “Em casa só fala de touradas, toureia com as bolas de futebol na sala”, conta o avô. Este Natal vai receber uma grande surpresa: “Mandei construir uma praça de toiros à escala, com camião de transporte e curros. Tem 1 metro e vinte centímetros”, revela José Aleixo. Para logo se desfazer em lágrimas: “A minha mulher dormiu ao lado do neto dois meses, num divã, porque depois da mãe se ir embora ele nem conseguia dormir”, revela. Os avós e a escola devolveram ao Gabriel o que nunca lhe devia ter sido roubado: a esperança.

“A tourada é muito mais do que o sangue e as farpas que vemos na arena”

João Marafuz, de 18 anos, está há um ano na escola. Oriundo de uma família ligada à tauromaquia, é primo do antigo matador de toiros António José de Oliveira, mora no Cartaxo mas a família é de Azambuja. Já toureou e responde à toureiro: “Senti-me a gosto”. O sonho? “Ser uma figura do toureio a pé e ir para Espanha”. Não fica chateado com as pessoas que dizem que não gostam de touradas, mas doem-lhe na alma as manifestações radicais. “Não gosto quando vejo essas pessoas manifestarem-se contra algo que eu amo sem saberem nada sobre este mundo. A tourada é muito mais do que o sangue e as farpas que vemos na arena”. Os pais apoiam o sonho, mas querem os pés do filho no chão. “Estou a trabalhar e em Setembro vou para a universidade estudar Agronomia. Os meus pais dizem-me que posso continuar com esta paixão dos toiros, mas que enquanto não tenho nada na mão tenho de trabalhar ou estudar”. João fá-lo, com as arenas de Espanha no horizonte.

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