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Fecharam-lhe a escola mas não resistiram à pressão da comunidade

Fecharam-lhe a escola mas não resistiram à pressão da comunidade

Depois de O MIRANTE ter publicado uma reportagem sobre a Escola de Toureio de Azambuja, em que o mestre Ernesto Manuel teceu duras críticas à Associação Poisada do Campino - que o contratou e nunca lhe pagou salário - a escola já teve outra fechadura. Durou poucos dias. Até porque o mestre não desistiu e começou a ensinar os miúdos na rua.

Quando, dias depois do Natal, e da publicação da segunda parte da reportagem que O MIRANTE foi fazer à Escola de Toureio de Azambuja, Ernesto Manuel atendeu o telefone, a sua voz ainda acusava o choque. Mas Ernesto, que enfrentou touros bravos, disfarçava o nervosismo. “Fecharam a escola. Cheguei mais cedo para preparar tudo [seria o primeiro treino após a data festiva] e vejo que a minha chave não entrava na fechadura”, contou Ernesto Manuel.
Dias antes, recebera, segundo o próprio, uma mensagem no seu telemóvel da parte de Nuno Engrácio, presidente da direcção da Associação Poisada do Campino, à qual pertence a escola. “Dizia que após ler o que eu tinha dito ao jornal, e como eu não faço parte da associação, teria de deixar as chaves da escola em sua casa”. O mestre não entregou as chaves e engoliu em seco depois de se ver impossibilitado de entrar nas instalações situadas mesmo ao lado da Praça de Toiros de Azambuja. Ainda em choque, começou rapidamente a pensar em soluções.

Alunos treinaram ao relento
“Não sei o que dizer aos miúdos. Não sei como lhes vou dizer isto”, repetia, e já não falava para O MIRANTE, mas para si mesmo. Acabaria por contar aos alunos o que acontecera e fez uma promessa: que continuaria a ser professor deles. A solução encontrada foi dura, mas eficaz: “Estou a treinar os alunos na rua, mesmo em frente à escola. Já fizemos três treinos e vamos continuar. O frio não ajuda”, contou.
A verdade é que a força de vontade do professor e a resiliência dos alunos deram frutos. Esta terça-feira, com treino marcado para as 20h00, numa rua que seria apenas iluminada pelos faróis dos carros de pais e apaixonados pela festa brava, Ernesto Manuel foi surpreendido com nova mensagem de Nuno Engrácio. “Dizia para ir buscar as chaves da escola. Já não fui a tempo, mas disseram-me que estaria aqui um membro da associação para nos abrir a porta. Hoje já não treinamos à chuva”, disse, mais aliviado.
A pressão dos pais e da comunidade _ ou o sangue que entretanto arrefeceu aos membros da direcção da Poisada do Campino - permitiram que o pequeno Gabriel, de nove anos, limpasse as lágrimas e continuasse a perseguir o sonho de ser toureio. Rui Jardim, o aluno mais avançado da escola, e João Marafuz, que vem do Carregado de comboio para não faltar aos treinos, nunca deixaram de fincar o pé, lado a lado com o mestre. Mesmo sem instalações, continuaram a treinar. E foi certamente esta força silenciosa que fez vacilar a associação.

Presidente da associação não gostou das acusações
Contactado pelo O MIRANTE, Nuno Engrácio confessou que não gostou das acusações de Ernesto Manuel - o mestre queixa-se de nunca ter recebido o salário prometido, apesar de estar há dois anos à frente da escola - e de ter de pagar do seu bolso as deslocações e os seguros dos alunos. Ernesto Manuel recordou ao nosso jornal as reuniões com a autarquia em que “tudo se prometeu e nada aconteceu”.
A Câmara Municipal de Azambuja - pela voz do vereador da Cultura, António Amaral - e Nuno Engrácio acabariam por lhe dar razão. “A câmara quer muito ajudar e está totalmente disponível para isso. Mas a escola não está legalizada, é uma secção da associação Poisada do Campino e por isso recebe um valor como secção”, explicou António Amaral. “O dinheiro que a escola recebe é insuficiente, mas a câmara não vai atribuir subsídios de forma ilegal. A Poisada do Campino é que tem de dar corda aos sapatos e andar para a frente”, disse o vereador a O Mirante.
Por sua vez, o presidente da direcção da Poisada do Campino, Nuno Engrácio, afirmou que “os alunos podem continuar a ter aulas nas instalações, a escola não fechou”, e reconheceu a falta de dinheiro. “Não temos meios para subsidiar a escola. Quanto ao mestre, espero conseguir conversar com ele nos próximos dias”, disse ainda, abrindo espaço para o diálogo e para a reentrada de Ernesto Manuel como professor.

Alunos não querem deixar a escola

A Escola de Toureio de Azambuja tem neste momento 14 alunos, com idades entre os 3 e os 20 anos. Rui Jardim, de 18 anos, é uma das estrelas da escola: arrecadou prémios e até já recebeu um convite para lançar a sua carreira em Espanha. Ernesto Manuel, antigo bandarilheiro, começou a treinar os alunos no início de 2015. Recebe apenas uma reforma de pouco mais de 200 euros e trabalha num talho alguns dias por semana, para compor o orçamento. Desloca-se três vezes por semana de Alenquer, onde reside, até Azambuja para treinar meninos como Gabriel: tem nove anos e só depois de começar a ter aulas de toureio conseguiu fazer amigos e tirar boas notas na escola. Desatou num pranto quando soube da possibilidade de não voltar a ter aulas de toureio com o mestre Ernesto.

Fecharam-lhe a escola mas não resistiram à pressão da comunidade

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