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Começou a pintar passadeiras e sinais na Câmara do Cartaxo e hoje tem quadros em exposição

Começou a pintar passadeiras e sinais na Câmara do Cartaxo e hoje tem quadros em exposição

Chama-se José Ferreira mas assina quadros como José Estrela. Nasceu em Angola e há mais de quadro décadas que trabalha na Câmara Municipal do Cartaxo. Gosta de pintar paisagens a óleo e tem uma exposição no Centro Cultural do Cartaxo. Dá aulas de pintura no Cartaxo, Azambuja e Rio Maior, concelho onde reside, e ainda faz uns bailaricos.

Há 42 anos que não é segredo no edifício da Câmara Municipal do Cartaxo: há um artista na divisão de urbanismo que assina quadros como José Estrela. José Ferreira tem até ao dia 31 de Janeiro 20 quadros com paisagens do Ribatejo em exibição no Centro Cultural do Cartaxo.
Nasceu no final de 1955 em Santa Comba (Angola), hoje Waku-Kungo, dois anos depois dos seus pais aterrarem nesse país africano, então colónia portuguesa. Filho de pai de Pontével, concelho do Cartaxo, e de mãe do Vale de Santarém, José cresceu numa casa com dois irmãos mais velhos onde os pais se dedicaram à agricultura e à pecuária. “Nunca passámos fome, tínhamos roupa e medicamentos, mas também não éramos abastados”, afirma José de 61 anos.
“Em miúdo falava-se muito do terrorismo e em 1961 até montaram umas vigílias onde vivíamos e o governo português distribuiu armas, mas depois acalmou. Passeávamos a pé, de bicicleta, vivíamos normalmente e não me lembro de haver perseguições”, conta o pintor.
Na escola tirou um curso geral de electricidade depois de perceber que não eram leccionadas artes onde vivia - “só em Luanda ou Nova Lisboa (hoje Huambo), a cerca de 200 quilómetros, é que havia”, refere. E apesar de nunca ter trabalhado com a electricidade aos 19 anos foi convidado pelo director da escola a leccionar desenho depois mostrar ter jeito.
“O meu pai também pintava e puxou por mim em novo. Na escola até o professor de artes perguntava que notas queria”, conta José entre risos, considerando-se um autodidacta. Diz-se naturalista, prefere paisagens às figuras humanas, e o óleo é a técnica que o seduz, “porque valoriza mais e tem mais expressão”, embora também pinte em carvão, pastel seco, aguarela ou acrílico.
Um ano depois do 25 de Abril de 1974 José e a sua família tiveram de sair de Angola. “Houve um tiroteio na zona numa madrugada e fugimos para Nova Lisboa. Virámos as costas a tudo: casas, tractores, 300 cabeças de gado...”, conta José, na altura com quase 20 anos. A 9 de Setembro de 1975 chegaram a Lisboa. “À chegada o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN) deu cinco contos a cada pessoa e disseram-nos ‘desenrasquem-se’, e tivemos de fazer a vida de novo”, lembra. A casa que os pais deixaram no Cartaxo foi uma mais-valia, apesar de nos primeiros tempos terem sido apoiados por familiares com comida e mobília.
Pouco tempo depois começaram a trabalhar. Primeiro no campo e no final desse ano estava tudo mais normalizado: José entrou como pintor para a Câmara Municipal do Cartaxo, o seu pai como pedreiro, o irmão mais velho foi para uma oficina, a irmã para os Estados Unidos da América e a mãe tomava conta da casa.
“Foi um choque cultural. Em Angola éramos mais abertos e animados, mas consegui criar amizades e entrosei-me”, afirma José que nunca se sentiu menorizado por ser retornado. E depois de pintar sinais, passadeiras e edifício no concelho do Cartaxo entrou para a divisão de urbanismo em 1982.

Uma doença sem comparticipação do Estado

José sofre de ictiose lamelar, um problema genético que afecta a pele que não transpira e que escama. “O sol faz bem mas tenho de me hidratar, pôr cremes, pomadas e glicerina. Não condiciona muito a minha vida, só quando está muito calor. No Verão não consigo estar na rua e tenho sempre o ar condicionado do carro ligado e borrifo-me com água”, afirma o pintor que gasta cerca de 40 euros por mês em produtos sem comparticipação do Estado.

Publicidade, pintura, aulas, música e a vida familiar

De Angola, José trouxe também o jeito para a publicidade em montras e cartazes que aprendeu com o pai. Pintou os brasões para os carros da câmara e teve outros clientes, entre carrinhas, camiões, vinhos e decoração de pavilhões e feiras. Mas a evolução tecnológica acabou com esse passatempo e na década de 1990 a pintura regressou em força.
Em 1991 e em 1992 José teve duas exposições em seu nome no Cartaxo até que o convidaram a dar aulas de pintura - hoje ensina 30 pessoas, entre Rio Maior, Azambuja e o Cartaxo. Outra das suas facetas é a música. Em Angola José aprendeu a tocar guitarra com um amigo e hoje ainda tem aulas de piano em Rio Maior. E daí a fazer uns bailaricos para amigos foi um passo. José também canta, normalmente música popular portuguesa e africana, mas diz-se eclético.
O pintor casou com 23 anos e viveu com uma mulher durante 14 anos no Cartaxo que morreu de cancro. Tem um filho com 33 anos. Hoje vive na Asseiceira com uma mulher que conheceu nessa freguesia do concelho Rio Maior. Já regressar a Angola desperta sentimentos contraditórios: “Se fosse era para ver os locais onde cresci e estive, mas sei que vai ser uma decepção”.

Começou a pintar passadeiras e sinais na Câmara do Cartaxo e hoje tem quadros em exposição

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