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A nossa terra

Quem souber viver e tirar partido da terra, em todos os seus sentidos e valores, vai ser rico. Estes serão os verdadeiros novos ricos.

O mais provável, mesmo que só me tenha lido uma ou duas vezes, é que o leitor saiba das minhas convicções pelo “valor do local”. Inúmeras vezes e com vários propósitos aqui o fui escrevendo. Na verdade, acredito que a “nossa terra”, os seus recursos e patrimónios, é o melhor que cada um tem além da família e amigos que, curiosamente, também devem ser incluídos nesta mais valia local. Quanto afirmo e reafirmo esta ideia, convém deixar muito claro que ela não deve ser confundida com o lugar comum “pensar global e agir local”. Pelo contrário, esta ideia tem contribuído para mascarar a coisa, isto é, o dito global, cada vez mais intangível e inexistente, pois só serve para ir aguentando um modelo a todos os níveis absurdo e insustentável. Por muitas habilidades que se possam fazer, e o global dá uma enorme ajuda, todos compreendemos que esta “verdade” em que temos vivido tende rapidamente para o fim. O conjunto de crises, moral, social, económica, financeira, etc., que nos têm batido à porta anunciam-no inequivocamente. Embora com erro ortográfico, já aqui escrevi alguma coisa sobre o incontornável decrescimento. Será mesmo possível acreditar num crescimento infinito num planeta finito? Como? Este é o “milagre” do global, pois perde-se a noção dos limites. A realidade vai-nos obrigar - mesmo que alguns (muito poucos) dos confortavelmente sentados no “modelo global” o não queiram - a mudar de vida por razões óbvias. E é aqui que vamos voltar a ter que contar com o que “temos à mão”, isto é, com os recursos e saberes locais. Para além do imaginável, o mais provável é termos que recordar muito do que, entretanto, fomos esquecendo, sem sabermos hoje de forma clara o que isto significa. Parece-me certo e seguro que quem souber viver e tirar partido da terra, em todos os seus sentidos e valores, vai ser rico. Estes serão os verdadeiros novos ricos. Vamos voltar a sentir melhor as estações do ano e a fazer contas à maior ou menor quantidade de água disponível para os diferentes usos. Embora possa parecer, este não é um discurso retrógrado e obtuso, é antes a realidade que nos está a bater à porta. Dizer que vivemos num mundo finito e que o consumo não pode ultrapassar a capacidade de regeneração da biosfera é algo demasiado óbvio para ser ignorado por mais tempo. Por esta e outras, que daqui decorrem, convido os governos locais a pensar, cada vez mais, numa palavra que é a solução para muitas das crises que atualmente nos assolam – proximidade. Redes de partilha de recursos e saberes próximos é no que nos devemos focar de forma a assegurar um futuro possível. Numa lenta agonia, o modelo atual vai estrebuchar acenando com tecnologia e a magia de que esta tudo resolve. Sem extremar o discurso o caminho tem de ser o da suficiência local, apesar de tudo o que de duro, e até má memória, esta expressão possa ter. Felizes aqueles que, quanto antes, forem por aqui.
Carlos Cupeto – Universidade de Évora

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