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Os ‘Indiana Jones’ de Vila Franca de Xira

Os ‘Indiana Jones’ de Vila Franca de Xira

Descobriram uma cidade romana que tinha sido literalmente “apagada” da História e um escudo do tempo de César que é cobiçado pelos principais museus europeus. Mais: localizaram 431 sítios importantes a nível arqueológico no concelho e garantem que antes da A1 já existia uma auto-estrada a atravessar a região.

Henrique Mendes e João Pimenta entraram no mesmo dia ao serviço da Câmara de Vila Franca de Xira. Mas já antes se tinham cruzado nos corredores da Faculdade de Letras, onde ambos se licenciaram em Arqueologia. Era o tempo em que havia mais vagas que arqueólogos e puderam escolher o projecto mais aliciante. Não imaginavam é que em 11 anos de serviço - comemorados neste início de Março - as suas descobertas viessem a ser tão importantes que obrigassem a alterar o discurso científico sobre a época romana.
A verdade é que o chão que pisam vale ouro. “Todo o vale do Tejo é um território rico em termos arqueológicos, pois é uma estrada natural para o interior da Península Ibérica. Hoje, passa aqui a auto-estrada número um, mas já na época romana passava a auto-estrada da altura, que era a via romana”, explica João Pimenta, 39 anos e desde os 14 fascinado por História.
Entre as principais descobertas dos dois arqueólogos, e amigos, está a escavação que fizeram na zona de Santa Sofia, em 2006. À medida que iam escavando, mal podiam acreditar no que os seus olhos treinados viam: o que para os leigos não passavam de ruínas sem sentido, para eles erguia-se claramente uma povoação formada por cabanas de telhados de colmo.
De entre as peças encontradas, algumas saltavam à vista, como uma ânfora, que era utilizada pelos fenícios para guardar o vinho. “É a prova de que esses povos indígenas que viviam em cabanas já tinham entrado em contacto com a civilização”, resume João Pimenta.
A exposição sobre esta escavação está agora patente no Centro de Estudos Arqueológicos, que ocupou - e bem - a antiga escola primária em Cachoeiras. A pedido dos arqueólogos, foi ainda construída uma maqueta daquilo que os seus olhos conseguem ver, mas os nossos não: a povoação de cabanas tal como era na altura em que os fenícios vieram à procura de prata e ferro.

“Castelinhos é um sítio de grande impacto”
Sabia-se que a via romana passava por Vila Franca de Xira e os dois arqueólogos descobriram um troço da mais antiga auto-estrada portuguesa. Essa pequena descoberta acabou por revelar-se gigantesca, uma vez que “essa estrada atravessa todo o concelho”, nas palavras de Henrique Mendes.
A Carta Arqueológica de Vila Franca de Xira - o livro que os dois assinam e que foi lançado em Fevereiro - versa sobre esta matéria. Mas com tanto território por explorar, os arqueólogos decidiram focar-se num local que consideram “fora de série”: o Monte dos Castelinhos, em Castanheira do Ribatejo.
“Castelinhos é um sítio de grande impacto”, frisa Henrique Mendes. Foi aqui que o colega descobriu uma peça rara, algo que poucos arqueólogos encontram numa vida inteira de escavações. “Foi um escudo romano do tempo do imperador César”, revela João Pimenta, que não soube logo de que é que se tratavam aqueles fragmentos de ferro retorcidos. “Cheguei ao gabinete e estive a pesquisar nos livros até de manhã e depois dá-se o momento ‘Eureka’, quando percebo que é um escudo que nunca tinha sido descoberto em todo o mundo romano”, recorda.
A peça, que foi muito cobiçada pelos principais museus europeus e que esteve exposta no Museu de Arqueologia de Madrid, está agora guardada em Cachoeiras. “É uma peça fabulosa”, sublinha Henrique Mendes, que também a destaca como a descoberta mais emblemática da sua carreira.
Escavar os 12 hectares de extensão que terá a cidade romana que fica no lugar do Monte de Castelinhos é tarefa impossível, mas “tudo indica que é um sítio de grande importância”. “O projecto Castelinhos muda aquilo que sabíamos: existiu uma cidade que era de passagem obrigatória para quem vinha de Santarém para Lisboa. Esta cidade pode ser Ierabriga e estar localizada aqui”, revela João Pimenta. “É uma teoria, a certeza só teríamos se descobríssemos uma placa com o nome”, sublinha. Ainda que não a encontrem, os dois arqueólogos sabem isto: “Recuperámos uma página esquecida da História e isso já é imenso”.

Crianças das escolas do concelho são “arqueólogas por um dia”

A descoberta de Santa Sofia foi publicada em revistas científicas, mas é através do Serviço Educativo do Museu de VFX que esta informação privilegiada chega, por exemplo, aos alunos das escolas do concelho. O projecto “Arqueólogo por um dia” - implementado em 2015, na mesma altura em que foi criado o Centro de Estudos - recebeu uma menção honrosa internacional por este trabalho original. “Simulamos uma escavação e as crianças têm de classificar aquilo que ‘encontram’. É uma loucura, eles adoram”, revelam os arqueólogos.

Pescar artefactos antigos

Entre o espólio que está no Centro de Estudos Arqueológicos estão diversas ânforas - praticamente intactas - que os pescadores encontram no fundo do rio e que depois entregam a Henrique Mendes e João Pimenta. Até a estátua de uma Nossa Senhora da Conceição já veio à rede. “Caiu de um altar na altura do terramoto de 1755”, precisaram os arqueólogos.

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