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“Dou-me mal com imposições e a minha frontalidade gera algumas antipatias”

“Dou-me mal com imposições e a minha frontalidade gera algumas antipatias”

Sem rodeios nem meias palavras, a vice-presidente da Câmara de Santarém diz que está disponível para continuar a trabalhar com o presidente Ricardo Gonçalves, critica a concelhia do PSD por querer impor nomes para a lista e diz que Moita Flores, de quem foi chefe de gabinete, nem sequer chegou a ser uma desilusão. “Nós só nos desiludimos quando acreditamos. E eu acreditei apenas um curtíssimo espaço de tempo”, diz Susana Pita Soares, que considera absurda a lei da paridade e não costuma celebrar o Dia da Mulher.

Depois de quase quatro anos como vice-presidente da Câmara de Santarém está disponível para continuar a dar o seu contributo no próximo mandato? Estou sempre disponível para dar o meu contributo em prol do serviço público e dos projectos em que acredito. E acredito no projecto liderado pelo presidente Ricardo Gonçalves e na equipa que ele sabiamente conseguiu construir e manter coesa ao longo deste mandato. Foi com eles que vesti a camisola em 2013, abraçando um desafio que se afigurava difícil e tenho hoje o mesmo entusiasmo pelo trabalho.

Como vê este processo interno no PSD para elaboração da lista à Câmara de Santarém, sabendo-se que há algumas resistências quanto à continuidade da actual equipa de vereadores, até pela imposição, por parte do partido, do presidente da concelhia para número dois? Um lugar que, aliás, foi seu em 2013. Vivo a situação com tranquilidade e confiança plena naquilo que será a capacidade de decisão do presidente Ricardo Gonçalves e com a serenidade de quem tem a consciência tranquila. Sinto que trabalhei estes três anos e meio com dedicação e empenho em prol das pessoas.

Essas divergências internas não podem ter reflexos negativos nas urnas em relação àquilo que são os interesses do seu partido (PSD)? Sou uma pessoa crítica no meu partido e que não gera em seu torno grande unanimismo ou simpatias totais. Acredito que se toda a gente, ao longo da vida, gostar muito de nós é porque alguma coisa está errada. Como tenho por hábito dizer aquilo que penso nos momentos em que sinto que o devo fazer, granjeei ao longo dos tempos alguns anticorpos, algumas antipatias dentro do meu partido. Curiosamente, creio que não por aquilo que tenha feito em termos de intervenção cívica ou de trabalho autárquico mas por aquilo que represento em termos de frontalidade e de não aceitar um conjunto de coisas em que não me revejo.

Encara com naturalidade a indicação do presidente da concelhia do PSD, José Gandarez, para número dois da lista? Não! Entendo que há regras nos partidos e que naturalmente a comissão política e o seu presidente têm o direito, do ponto de vista estatutário ou por tradição, enfim, a indicar nomes. Mas neste caso os dois primeiros candidatos eleitos à câmara são militantes do PSD há muitos anos e creio que honrámos a confiança das pessoas que votaram em nós, sem termos beliscado em nada a dignidade do partido, que sempre defendi. Além disso, pessoalmente não me sentiria confortável num projecto em que o meu nome fosse imposto por uma questão de hábito ou tradição. Sempre defendi que os líderes devem escolher as suas equipas.

Ricardo Gonçalves já disse que gostaria de continuar com a actual equipa. Eu também gostava de continuar com a actual equipa liderada por ele.

Essa sua posição frontal pode contribuir para criar mais resistências ao seu nome dentro do partido. Eu quero o melhor para o meu partido e acima de tudo o melhor para o concelho de Santarém. Acredito que o presidente Ricardo Gonçalves saberá fazer as escolhas certas, que sejam um garante do desenvolvimento do projecto que temos vindo a corporizar. Porque, ao contrário do que muita gente diz, a Câmara de Santarém fez muitas coisas bem ao longo deste mandato. Se calhar nem sempre comunicamos bem e não fizemos trabalho político nesse sentido, porque estivemos demasiado ocupados a organizar e gerir a câmara.

Como comenta o facto de ter começado a ser ventilada a hipótese de um regresso de Moita Flores à cena política em Santarém? Fui chefe de gabinete do dr. Francisco Moita Flores por um curto período de tempo, cerca de nove meses, e saí não porque me tenham mandado sair, por ter sido mãe ou por outra razão qualquer que não a de, naquele momento, não me rever no rumo que as coisas estavam a levar.

Não gostou da experiência? Não, não gostei. Mas foi uma experiência que me tornou mais forte. Saí incompatibilizada com o dr. Moita Flores, por na altura me ter sido sugerido que abdicasse de ser cabeça de lista numa eleição de delegados para a assembleia distrital do PSD… Gosto de fazer aquilo que a minha consciência dita.

Dá-se mal com pressões? Dou-me muito mal com imposições. A minha lealdade ao então presidente dizia respeito ao compromisso que tinha assumido com ele relativamente ao trabalho autárquico e não à escolha daquelas que seriam as minhas opções políticas. Não admitindo essa ingerência saí, bati com a porta e segui o meu caminho.

Para si, Moita Flores foi uma desilusão? Nós só nos desiludimos quando acreditamos. E eu acreditei apenas um curtíssimo espaço de tempo. Portanto não posso dizer que tenha sido uma desilusão. Digamos que foi a confirmação da minha intuição. Porque cedo intuí que Francisco Moita Flores não era aquilo que parecia ser.

E como chegou a essa conclusão? Como leitora de alguns dos livros que Moita Flores escreveu acho que lhe conheci de alguma forma, e sem pretensiosismo, a forma de pensar e de manietar as pessoas como personagens dos seus livros. E eu não quis ser uma dessas personagens. Portanto saí tranquilamente e fiz um percurso diferente. Fui estudar outra vez e licenciei-me em Direito.

As próximas eleições autárquicas prometem ser renhidas em Santarém. Tenho a certeza que os eleitores do concelho de Santarém reconhecerão o trabalho desta equipa, sob a liderança do presidente Ricardo Gonçalves, e na equipa que ele vier a escolher o mérito e a capacidade para continuar a cuidar de Santarém. Agora já com maior espaço para o sonho, com maior esperança, porque a linguagem fria e crua dos números já nos permite ousar sonhar outra vez. Porque primeiro foi preciso pagar as contas.

“Não há razões para haver fome no nosso concelho”

Tem o pelouro da habitação social. Continua a haver muita procura e também muitas rendas acumuladas em atraso. A Câmara de Santarém não está a beneficiar infractores crónicos em detrimento de quem também merece uma oportunidade? A questão da habitação social é tremendamente delicada e não tem sido por incúria ou desleixo da Câmara de Santarém que as rendas não têm sido cobradas.

Há acções de despejo a decorrer? Sim e tem-se conseguido recuperar alguma dívida. Todavia, pela composição dos agregados familiares, pela situação de carência dos mesmos, pese embora o tribunal poder decretar o despejo, muitas vezes isso acaba por não se verificar porque há menores, há dependentes a cargo, há idosos... Há um conjunto de problemas a nível social que nos inibem de ter uma acção mais coerciva.

Como vereadora da acção social deve ter uma visão panorâmica sobre essa área. Há muita pobreza em Santarém? Diria que não há razões para haver fome no nosso concelho. A rede social e o trabalho de parceria feito por todas as instituições é bom o bastante para que não haja essa necessidade. Há muitas respostas disponíveis, como as cantinas sociais, o apoio domiciliário. Há um trabalho imenso a nível da acção social que não é visível, para preservar a intimidade das pessoas que são ajudadas.

Na área da cultura, que também tutela, tem havido muita actividade dispersa mas têm faltado os eventos com grandes nomes, aqueles que arrastam multidões. Quem não tem dinheiro não tem vícios? Antes de caminharmos para as aventuras dos grandes nomes que trazem uma multidão numa noite e que depois deixam desertos não sei quantos meses do ano, quisemos delinear uma política cultural sustentável e que pudesse deixar frutos, criando hábitos de ida aos espectáculos. Dando passos pequenos, do tamanho daqueles que a câmara pode honrar e pagar. Entendemos que os artistas do concelho deviam ser privilegiados e o Verão In.Santarém, por exemplo, nasceu também da vontade desses agentes. Mas as actividades culturais não se esgotam nesses três meses de Verão.

E a resposta tem sido positiva? Julgamos que sim. A Casa do Brasil, só com a exposição “Modos, Medos e Mitos” teve cerca de 10 mil visitantes. Há um trabalho sério, rigoroso, sistematizado que começa a dar frutos. As pessoas começam a ir ao teatro, começam a frequentar exposições. Falta realmente o tal grande evento que tenha a capacidade de arrastar multidões... Mas que não seja alguém que vem cobrar não sei quantos milhões e depois no ano seguinte não há nada. Falta criar um evento que anualmente se possa repetir e que possa levar o nome de Santarém a mais gente.

Já não será para este mandato? Não. Temos os pés assentes na terra e neste mandato vamos ter um grande Verão In.Santarém e a inauguração de uma exposição extraordinária na Casa do Brasil no dia 7 de Maio, Dia da Mãe. Chama-se “Santarém em Crescente”. Está a ser preparada e será uma exposição que conta a história de Santarém e o que tem de melhor.

“A participação feminina não deve ser imposta por quotas”

Costuma celebrar o Dia Internacional da Mulher? Não. Todos os anos faço uma reflexão sobre essa efeméride. Por um lado acho que é importante fazer essa celebração, de reconhecimento pelas mulheres que lutaram para que hoje tenhamos um conjunto de direitos. Por outro lado, acho que esse dia está um bocado mercantilizado. Gosto de celebrar a vida todos os dias e gosto muito de ser mulher. Tenho imensa pena que só nesse dia se fale que as mulheres ganham salários inferiores aos homens, que as mulheres trabalham em média mais 4 a 5 horas por dia de trabalho não remunerado, que há mulheres que continuam a ser despedidas porque pensam engravidar. No mundo que idealizo não pode haver qualquer espécie de discriminação, seja para homens seja para mulheres.

E o que pensa da lei da paridade? Acho-a absurda! A participação feminina não deve ser imposta por quotas. As mulheres, como os homens, devem impor-se pelo mérito e pelo reconhecimento. Isso não dignifica nada a escolha. Exijo essa igualdade e tenho a certeza que o presidente Ricardo Gonçalves não me convidou em 2013 para número dois da sua lista pelo facto de ser mulher mas sim por uma questão de confiança.

A Câmara de Santarém nunca teve uma mulher como presidente. Isso quer dizer alguma coisa? Pois quer! E creio mesmo que terei sido a primeira mulher a ser vice-presidente.

Gostaria de um dia vir a ser a primeira presidente? Honestamente, não sei. Gosto muito do trabalho autárquico. Acho que ser presidente de uma autarquia é provavelmente o trabalho político mais gratificante. Porque é aquele que permite a oportunidade de intervir directamente na vida das pessoas, de ter proximidade, de ver as coisas acontecer. Temos um bom exemplo de política de proximidade no presidente Ricardo Gonçalves, que está no terreno todos os dias, próximo das pessoas.

Com uma vida tão absorvente como é a de autarca, o que é que tem deixado para trás? Leio muito menos livros do que lia, perdi muito do crescimento das minhas filhas, especialmente da pequenita (emociona-se, a voz embarga-se, lágrimas assomam-lhe aos olhos)… Aquilo que tenho como sagrado na vida é a minha família e a família alargada que são os meus amigos. Preciso de tempo para a família e para os amigos. Tentei gerir isto tudo com muitas dificuldades ao longo destes anos e tenho a sensação que ficou sempre alguma coisa pelo caminho.

Foi professora, formadora, jornalista, desempenhou funções de assessoria, formou-se entretanto em Direito. É autarca. Que actividade mais a realizou até agora? Gosto muito de ensinar e todas as semanas vou uma horinha à UTIS dar uma aula de literatura, o que me permite manter alguma agilidade e algum contacto com as aulas. Mas o que mais me realizou efectivamente foi este tempo de autarca. Tive a possibilidade de ver resultados imediatos do trabalho. E também tenho saudades de fazer rádio.

Uma mulher dos sete ofícios

Susana Pita Soares nasceu em Baltar, concelho de Paredes, distrito do Porto, em 19 de Agosto de 1972. É casada e tem duas filhas, de 3 e 10 anos. Vive no Grainho, arredores de Santarém.
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de Coimbra e em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa, é também mestre em Direito e tem pós-graduações em Direito da Comunicação e Ciências Jurídico-Criminais e em Direito do Património Cultural.
Foi a carreira de professora que a trouxe para o Ribatejo, em 1995, tendo leccionado em Santarém, na Escola Secundária Ginestal Machado, e em Rio Maior, na Escola Fernando Casimiro Pereira da Silva, bem como nos estabelecimentos prisionais de Vale de Judeus e Alcoentre, que considera terem sido experiências bastantes marcantes e gratificantes. “Nunca me senti intimidada ou assustada e foram dos sítios onde trabalhei em que senti mais respeito”, conta.
Com múltiplas experiências profissionais, começou por ser jornalista na TSF Coimbra, no Diário de Coimbra, Jornal de Coimbra e Novas do Vale do Sousa. Em Santarém colaborou com a Rádio Ribatejo e Rádio Pernes. Desempenhou também funções como assessora na Secretaria de Estado da Cultura, membro do Conselho Executivo da Escola Fernando Casimiro Pereira da Silva, em Rio Maior, assessora da Cultura na Câmara Municipal de Porto de Mós, directora do Centro de Emprego de Santarém e chefe de gabinete do presidente da Câmara de Santarém, quando era liderada por Moita Flores. Foi eleita vereadora em Setembro de 2013.

“Dou-me mal com imposições e a minha frontalidade gera algumas antipatias”

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