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Paixão pelas ‘Vespas’ já dura há mais de meio século

Paixão pelas ‘Vespas’ já dura há mais de meio século

Aos 93 anos, Manuel Perpétua Coutinho, de Alpiarça, é provavelmente o vespista mais antigo de Portugal. Integra o motoclube VespÁguias e ainda marca presença nos encontros que se realizam pelo país ao volante da sua clássica mota da marca italiana adquirida há 54 anos. E assim pretende continuar enquanto tiver saúde.

A ‘Vespa’ azul escura, bem estimada, está estacionada junto à porta da sede do Clube Desportivo “Os Águias” de Alpiarça. Lá dentro, Manuel Perpétua Coutinho, 93 anos, aguarda a jornalista de O MIRANTE sentado num dos sofás da entrada. Manuel Coutinho, mais conhecido por Manuel Miguel, é o vespista mais antigo de Portugal e é membro do motoclube “VespÁguias”.
Comprou a sua mota há 54 anos e a relação durou até hoje. O seu sonho era comprar uma Vespa e aos 40 anos, depois de juntar o dinheiro necessário (14.500 escudos, hoje cerca de 73 euros), concretizou o seu sonho de ter um exemplar desse modelo italiano. “Naquela altura era muito dinheiro. Juntei o dinheiro de umas searas que fiz e nesse Verão o trabalho correu bem e consegui o dinheiro necessário”, recorda.
Aos 93 anos continua a percorrer o país em passeios de Vespa com o seu motoclube, o VespÁguias, de Alpiarça. O último passeio foi até Arganil [distrito de Coimbra], onde os mais novos quiseram tirar fotografias com o vespista mais idoso no activo. “Parecia que era alguém famoso. Mais de 30 pessoas a quererem tirar fotografias comigo”, confessa com um sorriso. O próximo encontro vespista vai ser no dia 30 de Abril na sua terra natal e Manuel Miguel não vai falhar.
Antes de comprar a mota, Manuel deslocava-se de bicicleta ou de carroça. Nunca teve um automóvel porque nunca quis. E só tem carta de condução de motas. Filho de agricultores, começou a trabalhar nos campos de Alpiarça aos 11 anos a ajudar os pais, que naquela altura se dedicavam ao vinho e melões. Depois de casar, em 1948, começou a fazer searas fora de Alpiarça e a mota era o seu único meio de transporte. Com a esposa à pendura iam para os campos de Vila Franca de Xira e regressavam no mesmo dia. “Nunca quis comprar um carro. O dinheiro não era muito. Tive que casar os filhos, comprei um pedaço de terra, comprei casa e nunca pensei em comprar um carro. Sempre preferi a motorizada”, afirma.
Garante que quando perceber que já não está em condições deixa de conduzir a sua mota. “Vejo bem e oiço bem por isso tenho capacidade para continuar a conduzir”, refere. Manuel Miguel garante que as estradas hoje são “espectaculares” para viajar e recorda outros tempos em que as estradas entre Alpiarça e Almeirim, de terra batida e cheias de buracos, eram um “tormento” para circular.
Em 54 anos, confessa que só caiu uma vez de mota. “Tinha a Vespa há pouco tempo e o meu filho ia comigo. A estrada, à saída da ponte de Santarém, não estava em bom estado, desequilibrei-me e caímos. Felizmente, ficamos só esfolados. O pior foi a mota que teve que levar uma pintura nova e foi caro o arranjo”, lamenta Manuel Coutinho.

“Não há nada melhor do que viver em liberdade”

Manuel Perpétua Coutinho foi um dos distinguidos com a Medalha de Valor e Mérito da Câmara de Alpiarça na cerimónia do dia do concelho, a 2 de Abril. O antigo agricultor confessou, na altura, o seu espanto pela distinção de que estava a ser alvo. “Nunca pensei que ia receber uma medalha depois de velho”, disse na altura da entrega da medalha arrancando sonoras gargalhadas à plateia que encheu o auditório da Biblioteca Municipal de Alpiarça.
Além da sua vida dedicada à agricultura, Manuel Miguel esteve durante vários anos ligado ao movimento associativo. Foi durante 23 anos vice-presidente da Arpica (Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos do Concelho de Alpiarça), esteve durante dois mandatos no antigo Grémio da Lavoura e foi um dos fundadores da Adega Cooperativa de Alpiarça. Foi o gosto por ajudar os outros e a sua comunidade que o levaram ao movimento associativo.
Militante do Partido Comunista Português (PCP), recorda os tempos da ditadura em que, durante a noite, distribuía o jornal do partido às escondidas. “Vestia a samarra e andava pelas ruas a espalhar o Avante, com mil cuidados para não ser apanhado”, lembra. Nunca foi preso mas lembra os camaradas a quem isso aconteceu só porque se juntavam na praça de jornas a lutar por melhores salários.
Quando aconteceu a Revolução do 25 de Abril, em 1974, Manuel Miguel estava em Alpiarça. Ouviu as notícias na rádio e veio para a rua inteirar-se do que se passava. Durante um tempo nem acreditou que a revolução tivesse mesmo acontecido. “Andei uns dias meio tonto, sem acreditar que tinha sido possível um golpe de Estado com tanta opressão que havia. Estranhei não ter havido confrontos nem mortos. Foram dias muitos felizes e que valeram a pena, porque foi-nos dada a liberdade que não tínhamos até então”, afirma.
Considera que não há nada melhor do que vivermos em liberdade mas admite que actualmente existe liberdade a mais, sobretudo com os mais jovens. “Durante a minha mocidade havia repressão a mais mas agora há um excesso de liberdade. Eu só tive autorização para namorar em casa da minha futura esposa depois do casamento estar marcado. Uma vez o meu sogro apanhou-me, à porta de casa, a dar um beijo à filha dele, que ainda era só minha namorada, e foi uma carga de trabalhos”, conta bem disposto.

Paixão pelas ‘Vespas’ já dura há mais de meio século

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