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Memória e génio de Natércia Freire recordados por António Valdemar

Memória e génio de Natércia Freire recordados por António Valdemar

Lançamento em Benavente de uma fotobiografia de Natércia Freire da autoria de Isabel Corte-Real. A fotobiografia de Natércia Freire “Da Memória Do Amor e Do Génio” foi lançada na tarde de sábado, 29 de Abril, na Câmara Municipal de Benavente perante uma plateia maioritariamente composta por mulheres e com a presença da editora Zita Seabra e do jornalista António Valdemar. A sessão foi presidida pela vereadora da Cultura da Câmara de Benavente, Ana Carla Gonçalves, e teve em Raquel Oliveira a protagonista de dois momentos emocionantes de declamação de poemas.

António Valdemar foi a Benavente falar da vida e Obra de Natércia Freire elogiando também o seu percurso profissional e de vida como jornalista e escritora. António Valdemar conviveu de perto com Natércia Freire no Diário de Notícias, onde entrou nos anos sessenta, quando Natércia Freire era igualmente responsável pelo suplemento Artes e Letras onde escreviam nomes cimeiros da cultura portuguesa.
“É uma das grandes autoras da literatura portuguesa. Em 2019 comemoramos o centenário do seu nascimento que coincide com os centenários de outros grandes vultos da literatura como é o caso de Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner Anderson, Joel Serrão e José Hermano Saraiva”, lembrou. Na sua opinião é preciso deitar mãos à obra para que a comemoração da data de homenagem a Natércia Freire não seja ofuscada pela de outros igualmente grandes nomes da cultura portuguesa”, referiu António Valdemar.
Depois de recordar que Natércia Freire deu guarida a todas as tendências literárias enquanto coordenadora do Artes e Letras, António Valdemar disse que juntava “o seu obscuro nome ao de David Mourão-Ferreira, Jorge de Sena e Natália Correia que lhe dedicaram livros e escreveram cartas e depoimentos onde enalteceram o seu espírito aberto a todas as ideias e ideais assim como a sua enorme tolerância”.
Para enaltecer a qualidade da Obra poética citou passagens de um estudo de António Ramos Rosa que fala de Natércia Freire a propósito do Prémio Nacional de Poesia que lhe foi atribuído em 1971. Para o académico, investigador e jornalista falta, na actualidade, uma compilação dos seus textos num novo livro que possa ser incluído no Plano Nacional de Leitura. “É justo e seria uma forma de promover a autora como ela merece junto das novas gerações”, disse António Valdemar que terminou a sua conferência realçando a ligação da autora a Benavente e ao seu património, ao rio Sorraia e à Lezíria, ao mar verde a que se juntaria mais tarde o mar da Parede e por fim o mar dos Algarves, lugares onde viveu e também marcaram a sua obra.
Isabel Corte-Real falou do desafio de escrever sobre a mulher e a poeta que foi sua mãe e lembrou o quanto Natércia Freire era uma mulher de Benavente mas também da Póvoa de Santa Iria e da Parede, lugares onde viveu. “Na nossa casa acolheram-se muitos poetas e escritores como Vinicius de Moraes”, lembrou Isabel Corte-Real que tem ainda memória dos encontros da sua mãe com Clarice Lispector, Cecília Meireles e muitos outros escritores e poetas que deixaram nome e obra. “Nesses tempos havia tempo para tardes de chá na nossa casa; a minha mãe juntava muitos escritores em casa. Eu ainda não sabia ler e já sabia poemas de cor, de os ouvir recitar a minha mãe que era uma grande leitora antes de ser grande escritora” recordou.
“A minha mãe escreveu quase até fechar os olhos. Foi sempre uma mulher vertical. A sua Obra sofreu com o saneamento que lhe fizeram no Diário de Notícias mas não foi isso que lhe roubou o amor à palavra e à escrita”, acentuou.
Para além de ser uma grande escritora, Isabel Corte-Real realçou o papel da sua mãe como mulher e esposa de José Izidro, o primeiro médico de Samora Correia e mais tarde da Povoa de Santa Iria. “A minha mãe era uma mulher de ajudar os outros como hoje ninguém ajuda. Visitava casas pobres e degradadas, limpava e arrumava, e em muitos casos ajudava no asseio íntimo de muitas pessoas que viviam sozinhas”. Para Isabel Corte-Real, a escrita e a organização desta fotobiografia teve como princípio orientador a Obra literária de Natércia Freire, as relações socais, o seu espírito solidário e a sua fé.

À Margem

Os Amores da Cadela “Pura”

António Valdemar prefaciou um livro polémico publicado em dois volumes pela Bertrand há mais de uma década chamado “Os Amores da Cadela “Pura”, memórias da Marquesa de Jácome Correia, a endiabrada e insubmissa Margarida Victória, que pagou muito caro a coragem de enfrentar as estruturas arcaicas e hipócritas da ilha de São Miguel, nos Açores.

“O livro de memórias dá-nos a conhecer uma mulher singular, última musa de Vitorino Nemésio, celebrada nos seus derradeiros poemas, envolvidos com as chamas de um amor tardio mas vulcânico”, palavras de António Valdemar, um estudioso da Obra e da vida de Nemésio.

Segundo António Valdemar, Zita Seabra foi a única editora que se interessou pela publicação do livro depois de rejeitado por várias editoras do mercado.

Uma história comovente

Isabel Corte-Real tem 72 anos e uma vida cheia de trabalho em cargos de visibilidade pública como o de reconhecida especialista em administração pública, secretária de Estado da Modernização Administrativa, directora geral do Instituto Europeu da Administração Pública e secretaria geral da Assembleia da República, entre outros cargos.

Por isso, Zita Seabra estranhou que Isabel lhe aparecesse com um projecto de biografia da mãe quando o normal era que fosse ela a querer contar as experiências da sua também já longa e interessante vida. Isabel Corte-Real, já no final da sessão, deu a resposta a esta questão contando um episódio da sua vida pública que resume de certo modo o amor e a admiração pelos pais.

Um dia foi à Póvoa de Santa Iria, onde nasceu, apresentar um candidato político. A sala estava cheia mas o seu discurso parecia estar a ser escutado apenas pelas moscas já que ninguém a conhecia nem sabia quem era na vida pública. Quando ela puxou dos galões e disse que estava ali porque era a sua terra e que era filha da Natércia Freire e do médico José Izidro a plateia levantou-se e aplaudiu-a de pé deixando-a comovida e em lágrimas. “Foi dos momentos mais marcantes da minha vida”, reconheceu.

Saneamentos

Natércia Freire é conhecida essencialmente pela sua Obra poética mas teve uma vida muito ligada ao jornalismo nomeadamente quando dirigiu o suplemento cultural Artes e Letras do Diário de Notícias de 1955 a 1974. Antes do famoso saneamento do jornalista, e à altura director-adjunto do Diário de Notícias, José Saramago, calhou a Natércia Freire ser vítima da política de saneamentos que marcou a vida portuguesa nos anos próximos da revolução. No dia do lançamento da fotobiografia discutia-se quem tinham sido os responsáveis e veio à baila o nome de José Ribeiro dos Santos e Manuela Azevedo e também os de jornalistas que habitualmente não aparecem neste tipo de contendas. Ainda há muita história para escrever e discutir sobre o 25 de Abril e as marcas que deixou na sociedade portuguesa.

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