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Ensinar os cavalos mostrando-lhes vídeos e conversar com toiros falando mu-mu-mu

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Conversa entre o cavaleiro tauromáquico João Salgueiro e o matador de Toiros Victor Mendes

João Salgueiro é cavaleiro tauromáquico, embora tenha parado de tourear por vontade própria, dedicando-se apenas aos cavalos. Victor Mendes é matador de toiros, fez a maior parte da sua carreira em Espanha e de cada vez que se despede do toureio volta à arena na primeira oportunidade porque lhe é impossível resistir ao chamamento. Os dois são toureiros. Foram toureiros toda a vida e é isso que vão continuar a ser, mesmo depois de desaparecerem deste mundo, porque já entraram na galeria dos maiores nomes da tauromaquia mundial. A conversa entre os dois foi um turbilhão de alegria e cumplicidade.

Quando os ignorantes começam a ditar sentenças e os estúpidos a querer dar lições, João Salgueiro e Victor Mendes aproveitam para os tourear com finos recortes de humor. Mas tanto o cavaleiro tauromáquico de Valada do Ribatejo como o matador de toiros de Marinhais, que cresceu em Vila Franca de Xira e se fez homem em Espanha, reconhecem que a técnica que usam hoje foi desenvolvida ao longo de anos e anos de irritações.
“Tive um apoderado que um dia me disse que se eu trabalhasse um bocadinho mais podia ser o melhor do mundo. O que é curioso é que ele nunca na vida me tinha visto trabalhar. Não sabia o tempo que eu passava com os cavalos até os pôr no sítio certo. Eu brinquei com a situação e disse-lhe, como quem conta um segredo, que à noite, punha um plasma em frente da boxe de cada cavalo a passar vídeos com as técnicas todas e que era fantástico porque eles aprendiam sozinhos. O pior é que ele ainda me perguntou: se era mesmo verdade”, conta João Salgueiro a meio de uma troca de impressões sobre o imenso trabalho que é preciso para triunfar, mesmo quando a pessoa já tem um talento natural para determinada actividade.
Victor Mendes fala do trabalho invisível do toureiro. Do facto dos espectadores só verem o produto final de horas, dias, meses e anos de treino, de sacrifício, de insistência e persistência. “Há jovens que se aproximam deste mundo do toureio e que pensam que o essencial é ter valentia e coragem mas é muito mais que isso. Um indivíduo tem que ter intuição e talento e tem que ter capacidade de trabalho e de sofrimento para uma superação contínua”. E acrescenta. “Tourear é um exercício de inteligência e é saber estar perante o perigo”.
Lidar com a crítica e com os críticos também exige paciência de elefante. E lidar com fundamentalistas provocadores sem perder a cabeça só não dá direito à beatificação pelo Papa porque o Papa não consegue ver tudo o que se passa no mundo.
Victor Mendes, que de vez em quando pede desculpa por “mudar o chip para o castelhano”, fala dos “animalistas”, elementos da corrente ideológica igualitarista que tendem a equiparar o ser humano a todos os outros animais. “A nossa sociedade está doente nesse sentido. Está desequilibrada. Eu não posso admitir que um ente racional me venha tentar impor que sou um bandido ou um assassino. Eu exerço uma actividade profissional que, para além de estar enraizada na nossa sociedade em termos culturais, está legalizada e tem uma regulamentação muito precisa e muito concisa. O Estado cobra impostos sobre esta actividade que gera milhares de postos de trabalho”.
Acrescenta ter o dever de cuidar dos animais mas que os animais não são pessoas. Depois conta um episódio passado durante um debate sobre direitos do animais. “Como é que um deputado, que creio também ser professor universitário, me questiona, perante uma plateia de estudantes universitários, se eu alguma vez perguntei a um toiro se ele queria ir para a Praça ou para o matadouro? Como é que uma pessoa com um coeficiente de inteligência elevado me coloca uma questão destas? Eu, perante tal estupidez, apenas lhe perguntei se ele achava que eu devia falar com o toiro em mu-mu-muuu”.

Ouvir propostas sexuais bizarras sem perder a calma e dizer não com elegância

Victor Mendes confessa que quando era muito jovem nem sempre tratou da melhor maneira jovens mulheres que se aproximavam dele. “Dentro do contexto da atracção física eu feri algumas susceptibilidades de alguns entes femininos que se aproximaram. Fi-lo por inexperiência. Inabilidade. Estava no topo, tinha sangue na guelra, não percebia”, justifica-se.
Com o tempo, esse grande mestre, diz que aprendeu tanto que chegou a um ponto em que considera sempre gratificante conhecer as pessoas, mesmo aquelas que são aborrecidas e complicadas. “Ficamos sempre a saber mais sobre os seres humanos”, diz.
Não conta nenhuma história concreta de assédio de que tenha sido alvo, nem sequer com omissão de nomes e locais. Fala sempre em termos genéricos. “Tive admiradoras e admiradores mas sempre tive os meus princípios. Nunca me deixei levar por caminhos que não queria seguir. Houve homossexuais que choraram quando lhes expliquei que podiam ser meus amigos mas não mais que isso. Lembro-me de um marido me ter ido pedir para dormir com a mulher e a quem eu disse não. Houve também amigas que queriam estar juntas comigo. Em alguns casos bastou-me um gesto ou um olhar para que percebessem qual era a minha resposta. Noutros casos tive que apartar as pessoas e explicar-lhes as coisas com calma e ponderação. Nunca foi preciso ser bruto ou mal-educado, felizmente”.
Quando lhe perguntamos se viu outros portarem-se de forma diferente responde afirmativamente. “Vi situações de outros companheiros em que valia tudo mas cada um é que tem que gerir a sua vida. És tu que tens que te respeitar a ti mesmo para poderes respeitar os outros. Tens que ter princípios”, finaliza.

O cavalo Manelito, os guarda-costas caídos em combate e a “bazucada” que atingiu a casa

João Salgueiro viveu por um curto período de tempo em Medellin, Colômbia, no início dos anos noventa, numa altura em que a cidade era conhecida por albergar o quartel general do conhecido cartel da droga de Pablo Escobar. O cavaleiro tauromáquico foi lá parar graças a um contrato do rancheiro e homem de negócios Fabio Ochoa Restrepo, conhecido por “Don Fabio”, que era pai de alguns dos lugares tenentes de Escobar.
“O Dom Fábio tinha uma enorme paixão por cavalos e tinha uma coudelaria que era uma coisa maravilhosa. Um dia fui contactado por um agente de Madrid que me disse que ele ia inaugurar uma nova quinta e queria que eu fosse lá montar alguns cavalos dele porque considerava que eu era o melhor profissional que havia. Aquilo encheu-me de orgulho e eu fui”.
O equitador de Valada do Ribatejo já não se recorda de muitos pormenores nem de datas precisas mas sabe que viveu uma grande aventura. “Estava instalado num prédio onde tinha por vizinhos diversos familiares de narcotraficantes. A mãe do Pablo Escobar vivia no terceiro andar. No segundo vivia alguém da família Ochoa. Eu fiquei no quarto. Quando me deslocava para ir a qualquer lado tinha quatro guarda-costas armados”, conta.
Ao fim de algum tempo, e enquanto a inauguração da Quinta não acontecia, João Salgueiro veio a Portugal matar saudades. “Quando estava cá um dos meus homens disse-me que tinha rebentado uma bomba em Medellin e que parecia ter sido no nosso prédio. Eu pensei que ele estava a brincar mas não estava. Mandaram uma bazucada naquilo. Tive uma sorte....”, relata. No regresso à Colômbia reparou que os guarda-costas eram outros e o motorista explicou-lhe que os que ele conhecia tinham sido todos mortos num tiroteio.
Mas nem tudo foi perigoso e arriscado. “O Dom Fábio, que na altura não estava em Medellin, deu ordens para eu utilizar um cavalo chamado Manelito que só ele é que montava. Eu não achava o cavalo nada especial e até fiquei um pouco aborrecido. Mas lá fui. Monto o cavalo e confirmaram-se os meus receios. Ele não desenvolvia nada, não sabia nada...um desastre. Um primo do Dom Fábio, o Carlos Roldán, fartou-se de rir e disse-me para mandar soltar uma vaca e eu assim fiz”. O resultado foi inesperado. “Tive muitos cavalos bons na minha vida mas nunca me aconteceu nada assim. Assim que soltaram a vaca o cavalo transformou-se por completo. Ladeava, recuava...uma habilidade...uma coisa...Toureei naquele cavalo e ele fazia tudo. Todo o tipo de sortes. Era uma coisa do outro mundo”, conclui com um sorriso.

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