Chamusca terra linda de onde nenhum jovem quer sair mas de onde quase todos saem
Nuno Mira, Rita Varanda, Mário Pereira e Beatriz Luz aprendem a pegar a vida de caras. Quatro jovens da Chamusca que adoram a sua terra mas que sabem que para ali continuarem, junto da família e dos amigos e para ali constituírem família, vão ter que aceitar trabalhos que nada têm que ver com a sua área de estudos e isso se tiverem a sorte de os encontrar.
Nuno Mira tem 26 anos e licenciou-se em Gestão na Universidade de Évora. É da Chamusca e trabalha há quatro anos no sector administrativo e financeiro da Resitejo, uma empresa intermunicipal que faz o tratamento dos resíduos da sub-região do Médio Tejo, que está localizada na Freguesia da Carregueira e que é a maior empregadora do concelho. Para quem quer trabalhar numa área relacionada com o seu percurso académico e não quer sair da sua terra pode dizer-se que lhe saiu a sorte grande.
O mesmo não pode dizer Rita Varanda, de 25 anos, que tirou Reabilitação Psicomotora no Instituto Piaget. Depois de ter enviado dezenas e dezenas de currículos para empresas que empregam pessoas com as suas habilitações, deitou a toalha ao chão e limitou-se a procurar trabalho. Esteve um tempo na Decathlon em Santarém e agora é gestora de clientes na empresa especialista em marcas de distribuição Font Salem, também na área da cidade de Santarém.
No dia 13 de Maio à tarde O MIRANTE juntou quatro jovens da Chamusca no Jardim do Coreto (Largo D. Maria Marques de Carvalho), que aceitaram falar sobre as suas vidas e as suas expectativas. A conversa foi franca, descontraída e sem sombra de desânimo apesar de não se vislumbrar nenhum milagre a nível de criação de emprego nos próximos tempos.
Dos quatro só Rita Varanda já não vive com os pais, tendo optado por viver com o namorado. Beatriz Luz tem 18 anos e ainda frequenta o Secundário. Quer ingressar no ensino superior mas não decidiu ainda qual o curso que quer ou que deve tirar.
Mário Pereira, de 23 anos, licenciou-se em Engenharia de Produção Animal na Escola Superior Agrária de Santarém. É recém-licenciado e recém-desempregado. Estagiou numa empresa de Vale de Cavalos, no concelho da Chamusca, que tem um efectivo de bovinos de carne com uma raça portuguesa e uma raça francesa. Não ficou a trabalhar porque não havia lugar para mais um técnico mas apenas trabalho físico.
Nuno Mira, que é autarca na Assembleia de Freguesia da União de Freguesias da Chamusca e Pinheiro Grande, faz um resumo da situação. “A Chamusca é uma terra muito bonita e tem excelentes condições para as pessoas aqui viverem mas tem os problemas de toda a zona interior do país, nomeadamente a desertificação populacional. Desde os anos 70 que perdemos cerca de mil habitantes por década. E é difícil fixar os jovens no concelho porque não há trabalho qualificado. Não temos grandes empresas e não temos serviços. É um problema do interior”.
O pai de Beatriz Luz está emigrado em Itália há dez anos mas ela não quer sair de Portugal, nem sequer da Chamusca. “É aqui que tenho os meus amigos e é aqui que quero continuar a viver”, diz. A seu lado, Mário Pereira repete o mesmo discurso por outras palavras. “Gostava de ficar na Chamusca. Tenho cá família e amigos e aqui há potencial para se poder desenvolver qualquer actividade, seja qual for o sector”.
Nuno Mira é ainda mais peremptório. “Não me passa pela cabeça sair da Chamusca. Já tive propostas para ir para Lisboa mas quis sempre ficar. É a minha terra. Gosto muito de aqui viver. E também quero dar o meu contributo para tentar resolver alguns dos problemas”.
Ao começar a trabalhar na área comercial Rita Varanda descobriu um novo mundo e começou a descobrir outras capacidades que não supunha ter. Apesar de ter que fazer diariamente 70 quilómetros de carro diz que vai trabalhar sem sacrifício e que gosta muito do que faz. Quando lhe perguntamos se ponderaria a possibilidade de criar o seu próprio negócio, responde que sim, embora acrescente que provavelmente também teria que investir fora da Chamusca.
Mário Pereira está a desenvolver um projecto na sua área de estudos, em conjunto com um professor e também admite poder vir a criar o seu próprio emprego através da criação de uma empresa que alie a área florestal à da agro-pecuária.
Apesar de haver nuvens negras no futuro dos mais jovens, aqueles que falaram com O MIRANTE falaram sempre naquele tom de quem sabe que vai conseguir encontrar um caminho para tudo dar certo. Ouvindo-os somos levados a acreditar que vai dar mesmo....
A Semana da Ascensão é para reencontrar amigos, recarregar baterias e reforçar a ligação à terra
Quem levava Rita Varanda à entrada de toiros de Quinta-Feira de Ascensão quando ela era criança era um avô. Adivinha-se-lhe no sorriso que quando tiver um filho será ela a iniciá-lo no gosto pelas tradições taurinas e pela grande Festa popular que é a Ascensão. Como em Santarém não é feriado, a gestora de clientes da Font Salem já pediu um dia de férias para não perder pitada.
“Tenho amigos que não vivem aqui e aproveitamos para por a conversa em dia e reforçar a amizade que temos uns pelos outros e que não queremos que seja afectada pela distância. Faço questão de ir todos os dias ao palco principal, seja que espectáculo for e gosto da entrada de toiros porque é uma grande descarga de adrenalina”, confessa a jovem.
Mário Pereira diz que quem o levava à festa era a avó. “Os meus pais trabalhavam e eu ficava com ela na Semana da Ascensão. Ia com ela à entrada de toiros e às picarias. Ela gostava muito das picarias e íamos ver sempre”, conta com um sorriso.
Beatriz Luz vai à Festa com os amigos. Quando era criança ia com os pais e sempre gostou de ir. Os restantes colegas de conversa metem-se com ela quando diz que não bebe bebidas alcoólicas. Dão a entender que ela não diz a verdade porque o que disser vai ser lido pela mãe. Ela limita-se a sorrir.
Quanto a Nuno Mira a festa é também o reencontro com colegas da Universidade. “Todos os anos cá tenho alguns que não são de cá. Juntamo-nos à tarde, jantamos juntos, vemos o espectáculo dessa noite e no dia seguinte se houver corrida também vamos”, conta entusiasmado, já a perspectivar o reencontro deste ano.
Na entrada de toiros diz que se coloca sempre no meio da estrada com ar de valentão mas que assim que vê os animais aproximarem-se foge para se esconder e quando volta a olhar os toiros já passaram.
Ri-se enquanto faz o relato mas acrescenta que tem no currículo um pega de caras. “Nunca fui forcado mas tive que pegar uma vaca quando andava a estudar em Évora, durante uma vacada académica. Como eu era da Chamusca ninguém acreditava que eu não era capaz e apesar de estar cheio de medo lá teve que ser”. Explica que não saiu em ombros mas que se saiu bem e que a terra se pode orgulhar da sua coragem.