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“Sinto-me aprisionada no meu próprio corpo”

“Sinto-me aprisionada no meu próprio corpo”

Fátima Oliveira descobriu aos 20 anos que sofre de uma doença rara degenerativa. Médicos demoraram oito anos a diagnosticá-la. Corpo vai-se deteriorando, com excepção da memória. É através dos livros que exorciza os seus demónios e todos os dias aceita um bocadinho mais a doença hereditária de que padece.

Fátima Oliveira viveu uma vida normal até aos 20 anos quando começou a ter falta de equilíbrio ao caminhar. Foi isso que a alertou de que qualquer coisa não estaria bem. Quando foi ao médico para descobrir o que tinha começou a sua aventura. Só oito anos depois de muitas consultas e idas ao médico é que foi finalmente diagnosticada. Fátima Oliveira, 47 anos, é portadora de uma doença rara chamada Ataxia de Friedreich, uma doença neurodegenerativa hereditária. Alguns dos sintomas são a falta de equilíbrio e a falta de força nos membros inferiores e superiores, que vão piorando com o passar do tempo.
“O primeiro sintoma físico que o médico detectou, após os desequilíbrios, era que eu não tinha, e continuo a não ter, reflexos. Ou seja, se me baterem, por exemplo, com um martelo eu sinto que me batem mas não reajo. A maior tortura ao longo desses oito anos foi não conseguirem saber o que eu tinha ao certo”, recorda em entrevista a O MIRANTE.
As hipóteses para os problemas de saúde que tinha foram muitas: consequência de uma encefalite que teve aos dois anos; um tumor na cabeça; um derrame no ouvido interno. Só ao fim de quatro anos de consultas é que começaram a colocar a hipótese de ser uma ataxia mas ainda demoraram mais quatro anos até chegarem ao diagnóstico definitivo. Só em 1998, quando foi possível fazer os testes genéticos, é que descobriram o tipo de ataxia que Fátima Oliveira possui. “Foram anos muito complicados. Desenvolvi uma depressão nervosa por não saber que doença tinha. Assim que me foi diagnosticado correctamente a minha doença a depressão desapareceu”, explica.
Tanto o pai como a mãe são portadores do gene da doença, assim como o irmão de Fátima, no entanto nenhum dos três a desenvolveu. Confessa que foi complicado ter que se reformar por invalidez aos 38 anos (trabalhou numa empresa do ramo automóvel e como tradutora). “Ainda mandei currículos, onde nunca escondi que tinha uma doença degenerativa, mas nunca me chamaram e optei por me reformar”, refere.
Fátima desloca-se em cadeira de rodas por não ter força nos membros inferiores e tem alguma dificuldade em falar, derivado à doença. Vive com os pais no Vale de Santarém, concelho de Santarém. São eles que a ajudam em tudo o que precisa. Confessa não ser fácil estar dependente. “Sinto-me aprisionada no meu próprio corpo. O corpo vai ficando cada vez mais debilitado mas não há qualquer deterioração da parte cerebral. Tenho perfeita noção de tudo o que me está a acontecer e o que vai acontecer. Costumo dizer que estou a aceitar a doença todos os dias. Não consigo acreditar que alguém aceite uma doença destas. Todos os dias aceito um bocadinho porque não é fácil não fazermos o que queremos e estarmos dependentes de outros”, sublinha.

“Exorcizo os meus demónios através da escrita”
Fátima Oliveira vai lançar o seu terceiro livro no próximo domingo, 25 de Junho, nas Caldas da Rainha. “Tás com a mosca ou cheira-te a palha” é o título do livro de contos que escreveu nos últimos tempos. Sob a chancela da Chiado Editora, o livro tem o apoio da Associação Portuguesa de Ataxias Hereditárias (APAHE). “Se não fossem eles desconfio que este livro nunca veria a luz do dia”, afirma com um sorriso.
Escreve todos os dias. Confessa que faz uma catarse sempre que coloca numa folha em branco do computador o que lhe vai na alma. “A escrita é um escape. Quando escrevi o livro sobre a minha doença foi catártico. Através da escrita exorcizo os meus demónios por isso é que muitos dos meus contos não são propriamente felizes”, admite.
“Infelizmente, sei por experiência própria, que os livros sobre doenças chamam a atenção apenas de quem tem as doenças. Decidi explicar o que são as ataxias e falar enquanto doente através de contos. O meu objectivo é explicar às pessoas que tipo de doença é esta e alertá-las para as ataxias hereditárias e como se manifestam porque a maioria das pessoas desconhece. Eu própria nunca tinha ouvido falar em ataxias até o médico me diagnosticar”, diz, adiantando que já está a pensar no próximo livro, demonstrando que a doença não é impeditiva de viver.

“Sinto-me aprisionada no meu próprio corpo”

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