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Um acredita que vai rejuvenescer quando deixar de ser deputado e outro passou a ter fins-de-semana sem trabalho

Um acredita que vai rejuvenescer quando deixar de ser deputado e outro passou a ter fins-de-semana sem trabalho

Conversa entre o deputado do PCP António Filipe e o presidente da AIP José Eduardo Carvalho

Uma hora de conversa não se consegue resumir numa página de jornal. Por vezes, como agora, é necessário usar esta entrada para meter algo que não coube no texto. António Filipe inveja os ex-deputados que encontra por terem todos um aspecto mais jovem do que quando estavam na Assembleia. Gosta da nova geração de músicos portugueses mas não arrisca comprar bilhetes para concertos porque é frequente ter trabalhos de última hora. José Eduardo Carvalho também gosta de música portuguesa, nomeadamente de Abrunhosa e Mariza, mas quando quer descomprimir mete-se no carro com Pink Floyd em altos berros.

A conversa da série Duetos, promovida por O MIRANTE, entre o deputado do PCP eleito pelo círculo de Santarém, António Filipe, e o presidente da AIP (Associação Industrial Portuguesa), José Eduardo Carvalho, começou com uma alusão ao facto do parlamentar comunista ter sido agraciado com a Comenda da Ordem do Mérito Civil do Reino de Espanha.
“Não fiz nada para receber essa distinção, confesso. Fui com o Presidente Jorge Sampaio a Espanha numa visita de Estado e os deputados que integravam a comitiva foram agraciados com essa comenda. Lembro-me que o Carlos Zorrinho, do PS, e o Paulo Portas, do CDS-PP, também a receberam. Entrámos no hotel onde era a recepção, lá nos explicaram como era aquilo, pusemos a comenda no jantar oficial com o rei e recebemos um diploma. Nunca dei muita importância àquilo mas ainda a tenho lá em casa”, conta António Filipe a sorrir.
Ele não deu muita importância mas houve quem desse. “Passados uns anos, era presidente da Câmara de Lisboa o dr. Santana Lopes e vejo em grandes parangonas do jornal A Capital, que ele tinha sido agraciado em Espanha com a mesma comenda. A nossa não mereceu qualquer menção mas a dele foi primeira página”, ironiza.
José Eduardo Carvalho participou em diversas viagens institucionais, no âmbito das suas funções de dirigente associativo, quer como presidente da Nersant, quer como presidente da AIP, mas nunca recebeu qualquer comenda e também não se lembra de ter cometido qualquer “gaffe” protocolar, embora tenha testemunhado uma ou outra.
“Uma vez fomos à Argélia ver a captação do gás natural que vem para Portugal. Éramos duas ou três pessoas e andámos sempre escoltados por militares. A certa altura pedimos para visitar o Museu da Revolução em Argel e proporcionaram-nos essa visita mas só depois do museu fechar ao público. Tudo correu bem até uma das pessoas que me acompanhava, por desconhecimento da história da Argélia, fazer algumas considerações que não caíram bem ao nosso cicerone e foi um momento complicado”, refere.
António Filipe viu-se envolvido no conflito entre China e Vietname, por causa da disputa de umas ilhas existentes no Pacífico, por ter recebido uma delegação vietnamita na sua qualidade de vice-presidente do Parlamento e a imprensa daquele país ter escrito que ele declarara o seu apoio ao Vietname. “A embaixada da China em Portugal soube disso e quando teve oportunidade perguntou-me se era verdade que eu apoiava as razões do Vietname naquele caso. Eu disse que não apoiava nem deixava de apoiar e que achava que era um problema que eles deviam resolver”.
O deputado António Filipe nasceu na Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa mas os pais viviam na Amadora, onde cresceu e estudou, mas passava as férias grandes em casa dos avós maternos em Filhós, concelho de Alcanena. Lembra-se que havia lá vários animais e inclusivamente um burro mas não é por isso que hoje tem animais em casa.
“Eu resisti um bocadinho porque acho que os animais não são para estar em casa mas eles foram aparecendo. A minha filha apareceu com um cãozinho recém-nascido que tinha nascido lá na escola. Depois aconteceu o mesmo com um gato que estava abandonado e neste momento temos dois cães e dois gatos”, conta.
José Eduardo Carvalho passou a infância de terra em terra porque o pai trabalhou na montagem de várias celuloses e cimenteiras mas lembra-se que os avós tinham gatos com fartura. No caso dele também foram as filhas que acabaram por impor a presença de animais em casa. “Eles foram aparecendo e ficaram. O problema maior é quando morrem. Há grandes desgostos”.

Corrido a tiro da zona do palácio do presidente de Angola

Quando era presidente da Nersant - Associação Empresarial da Região de Santarém, José Eduardo Carvalho viveu uma movimentada e perigosa aventura em Luanda. “Era difícil movimentarmo-nos. Havia instruções das autoridades e da nossa embaixada para evitarmos sair do hotel mas houve um empresário, já falecido, o Domingos Figueiredo, que tinha trabalhado muito em África quando era administrador da metalomecânica Costa Nery, de Torres Novas, que um dia me convenceu a ir com ele almoçar à barra do Kuanza, 75 quilómetros a sul de Luanda, infringindo todas as instruções que nos tinham dado”.
Fiando-se na experiência do companheiro, o actual presidente da AIP conta que desvalorizou a guerra civil que existia e os boatos de que havia tropas da UNITA perto da capital.
“Mal saímos de Luanda enganámo-nos e entrámos numa avenida que dava para o Futungo de Belas (zona do palácio presidencial). A certa altura começámos a ver uns soldados a esconderem-se atrás de umas árvores e passado pouco tempo estávamos a ouvir disparos e a sentirmos as balas a passarem pelo carro, tendo uma delas atingido mesmo a parte de trás. Deitei-me e o Domingos Figueiredo conseguiu fazer inversão de marcha e sair dali. Foi uma coisa impressionante. Claro que regressámos ao hotel e até o embaixador foi ter connosco para saber ao certo o que se tinha passado”, recorda.
José Eduardo Carvalho teve outra experiência perigosa num dia em que uma canoa em que seguia caiu num açude junto à captação de água para o arrefecimento das torres da central Termoeléctrica do Pego, Abrantes. “Tive que ser ajudado pelo amigo que ia comigo na canoa. Deve ser a primeira vez que estou a contar isto. Tenho a impressão que nem lá em casa sabem. Mas a situação de Angola foi muito mais perigosa”, conclui.

Com um presépio debaixo do braço sob a mira das armas de soldados israelitas

António Filipe estava em Belgrado, capital da Sérvia, em 1999, numa altura em que a cidade foi bombardeada pela NATO. Nenhuma bomba caiu perto do local onde se encontrava e ele ironiza: “Sentia-me tranquilo porque no meu hotel estava uma equipa de televisão norte-americana”.
Quatro anos mais tarde, em 2003, foi sem qualquer protecção do género que viveu aquela que considera ter sido a situação mais perigosa por que passou. “Na altura visitei o presidente da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, em Ramala, durante a Intifada, quando ele estava cercado no quartel-general da Mukata. Fui lá com a ajuda do Partido Comunista de Israel. Levaram-me de Telavive até ao ‘check-point’ à entrada da Palestina, em Kalandia, e depois de lá estar tive contactos com Arafat e com vários partidos que integram a OLP (Organização de Libertação da Palestina)”, recorda.
Na véspera de sair da Palestina para apanhar o avião, o conflito agravou-se devido a um atentado em que foram mortos vários soldados israelitas e foi nessa altura que António Filipe correu riscos. “Ninguém se responsabilizava pela minha segurança e eu meti-me num táxi que me deixou a umas centenas de metros do ‘chek-point’. Era um descampado e fui andando devagarinho”.
O deputado do PCP tinha, para além da mala, uma caixa com um presépio em madrepérola que lhe fora oferecido por Arafat, que levava debaixo do braço mas conseguiu tirar o cartão do líder da OLP e metê-lo na carteira.
“Às tantas ouvi gritar alto. Parei, eles aproximaram-se de mim, eu disse que era da União Europeia e mostrei-lhes o passaporte. Perguntaram-me o que andava ali um português a fazer e eu não tentei enganar ninguém. Revistaram-me e deixaram-me passar, com o presépio e tudo. Eu vinha com a Margarida Botelho, que na altura era deputada do PCP. Entrei em contacto com quem nos tinha ajudado em Israel e fomos para o aeroporto. Ainda fui sujeito a diversos interrogatórios, um dos quais foi interrompido devido a uma ameaça de bomba mas regressei são e salvo... e com o presépio que entreguei no Partido”, conclui.

Um acredita que vai rejuvenescer quando deixar de ser deputado e outro passou a ter fins-de-semana sem trabalho

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