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Os artistas que não aparecem nos cartazes
A quadrilha de Ana Batista com o cavalo Roncal em primeiro plano junto aos cocheiros Francisco e Carlos

Os artistas que não aparecem nos cartazes

Os cavalos, e quem deles cuida, são elementos imprescindíveis para o sucesso do espectáculo tauromáquico. O MIRANTE foi saber o que acontece nos bastidores antes de cada corrida e como são preparados os animais que daí a algumas horas vão enfrentar os toiros.

Por baixo das bancadas do Campo Pequeno, que daí a umas horas vão fervilhar de movimento e emoção, esconde-se um mundo invisível e desconhecido para muitos mas essencial para o brilho do espectáculo. Ali trabalham os cocheiros, que preparam os artistas da arena que não aparecem nos cartazes mas que são imprescindíveis numa corrida de toiros: os cavalos. E para que os animais estejam à altura das exigências físicas e estéticas de uma corrida tem que haver quem cuide deles com o desvelo com que uma mãe cuida de um filho.
Helder Nunes, 40 anos, é de Vila Franca de Xira, e não faz mais nada na vida desde os 15 anos que lidar com toiros, vacas e cavalos. Trabalha na Companhia das Lezírias e acompanha Parreirita Cigano, que nessa quinta-feira, 29 de Junho, tirou a alternativa de cavaleiro tauromáquico. Enquanto escova o rabo de um cavalo diz-nos que os animais pressentem que vão ter um dia especial quando são preparados para entrar na arena e por isso vivem o stress habitual dos grandes momentos.
Os cocheiros têm por missão tratar dos animais e prepará-los devidamente. Isso engloba o lavar e escovar do pelo, o entrançar das crinas e a colocação de fitas ou o engraxar dos cascos e a colocação das caneleiras. “Todos os dias em que são montados tomam duche e até amaciador lhes pomos”, diz Francisco Marques, 27 anos, cocheiro da quadra de Ana Batista, que também é bandarilheiro.
Com o jovem de Samora Correia está Carlos Fernandes, 40 anos, primo da cavaleira, natural de Salvaterra de Magos. Nesse dia tratam de seis cavalos. Cada um levou entre 15 a 20 minutos a entrançar e a colocar as fitas nas crinas. Trabalhos que Francisco já executa quase de olhos fechados, pois já são alguns anos de experiência apesar da sua juventude. Reconhece que esse trabalho faz-se melhor com os cavalos no seu ambiente mas nesse dia a operação decorreu nos bastidores do Campo Pequeno.
Nessa noite em que Ana Batista vai lidar apenas um toiro, nem todos os cavalos vão entrar na arena. Habitualmente há um cavalo para as cortesias e outro para a saída - “que tem de ser um cavalo muito seguro e preparado para um toiro que seja bom ou mau”. Depois, a mudança de cavalos vai-se processando conforme as características do toiro.
Tirando o tratamento estético de que são alvo, os cocheiros explicam que as rotinas não se alteram nesses dias em termos de alimentação. Água, ração e feno são os ingredientes. Eventualmente, pode ser dada alguma vitamina e um pouco mais de comida por causa do stress da viagem. Mas nada de mudanças bruscas.
“É mais um dia como os outros, com lavagem, limpeza, alimentação. A questão estética é que é diferente”, dizem os cocheiros de Rui Salvador, João Sousa, 27 anos, e Lucas Godinho, 22 anos, ambos de Tomar, que explicam ainda outra curiosidade a quem é leigo na matéria: as cores das fitas usadas nas crinas dos cavalos estão relacionadas com as cores dos fatos dos cavaleiros.

Rui Nunes com o Êxito, uma promessa da quadra de Parreirita Cigano que brilhou no Campo Pequeno

Os craques das quadras

Na quadra de Parreirita Cigano, o cavalo Banquete é apontado por Hélder Nunes como a estrela da companhia. Mas, tal como numa equipa de futebol ou de outro desporto de equipa, as individualidades só por si não resolvem os desafios. E é aí que encaixam o Pintinhas, cavalo adequado para as situações mais complicadas e que nunca deixa o cavaleiro ficar mal, ou o Conde, outro cavalo muito seguro. Gabi é habitualmente o cavalo de saída e o Êxito (na foto) é um jovem talento que, segundo o tratador, tem tudo para vir a fazer jus ao nome.
“Há cavalos que só servem para alguns toiros e há outros que aguentam com todos”, diz João Sousa, equitador e cocheiro de Rui Salvador. No caso da quadra que trazem nesse dia, Vice-Rei, um cavalo russo com 14 anos, é o mais batido. “Aguenta com qualquer toiro, é muito versátil e transmite segurança”, resume o jovem.
No caso da quadra de Ana Batista, é Roncal quem tem o protagonismo. O imponente cavalo castanho de 18 anos é o especial, o fora de série. Mas os colegas de equipa merecem igualmente referência. O Conquistador é o mais velho da quadra e o que habitualmente faz as cortesias. O Pérola, um cavalo novo, castanho claro, está a começar a ganhar forma. O Instinto Forte também é novo, com cerca de oito anos, e tem vindo a ser treinado nas vacas. “Tem muita personalidade e pode vir a ser muito bom”, diz Francisco Marques. Há ainda o Altivo, um dos cavalos mais velhos e que se adapta a qualquer tipo de toiro e o Chinelito, cavalo novo, de saída, “que poderá vir a ser um grande cavalo de ferros curtos”.
Segundo os cocheiros de Ana Batista, os cavalos atingem a maturidade em termos de exibição aos 12 ou 13 anos e podem andar nas lides até para lá dos vinte anos.

Lucas e João com Rui Salvador e o cavalo Vice-Rei, o craque da quadra.

Coices, mordidelas e pisadelas

Tratar de cavalos é um ofício que exige alguma sensibilidade mas também alguma atenção. Porque os percalços podem surgir quando menos se espera. E raro é o cocheiro que não levou já um coice. João Sousa, que trata da quadrilha do cavaleiro Rui Salvador, confirma e conta uma história caricata. Passou-se na Nazaré. Enquanto aguardava no exterior da praça com um cavalo pela rédea, este espantou-se quando abriram os portões e começou a recuar. O tratador não o conseguiu aguentar e o cavalo só parou sentado em cima do capô de um Mercedes, que por acaso pertencia a um toureiro.
“Coices, dentadas e pisadelas são ossos do ofício. Os cavalos são como as pessoas, uns são mais reguilas e outros mais sossegados”, resume Tiago Morais, do Montijo, cocheiro do cavaleiro colombiano Jacobo Botero.
No mesmo sentido pronunciam-se os cocheiros de Rui Salvador. Trazem quatro cavalos nesse dia e “cada um tem a sua manha”. E, para além disso, os animais também têm os seus dias maus, como qualquer atleta de alta competição. Aqueles dias em que, por muito que se tente, as coisas teimam em não sair bem.

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