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“O Hospital de Santarém está a manifestar-se insuficiente para a população abrangida”

“O Hospital de Santarém está a manifestar-se insuficiente para a população abrangida”

António Mendes, enfermeiro chefe nas especialidades de urologia, cirurgia plástica e reconstrutiva, cirurgia vascular, dermatologia, oftalmologia e otorrinolaringologia do Hospital de Santarém, vive entre agulhas e seringas há quase 31 anos.

Um apaixonado pela sua profissão e apologista de que todos devemos participar civicamente, António Mendes divide-se entre o exercício da enfermagem e a participação nas direcções dos Bombeiros Voluntários de Santarém e da Confraria da Gastronomia do Ribatejo. Se, no início da profissão, incomodava-lhe ter de lidar com mortos e com os grandes traumatizados e com os fluidos, sobretudo os resultantes das infecções respiratórias, agora isso são situações que já não o impressionam.
Nascido e criado no Alentejo, em Campo Maior, António Mendes mostrou sempre um gosto especial pela enfermagem e ainda hoje acredita que nasceu para ajudar os outros. “O contacto directo com quem precisa de nós encanta-me e apaixona-me”, confessa. Apoio é o que nunca faltou ao alentejano por parte do pai, jardineiro, e da mãe, costureira, tendo-se licenciado em enfermagem em 1987 pela Escola Superior de Saúde de Portalegre e, mais tarde, em 1999, especializou-se em enfermagem médico-cirúrgica pela Escola Superior de Saúde de Santarém.
Foi em 1987 que entrou no Hospital Distrital de Santarém. Desde aí, António Mendes tem-se dedicado de corpo e alma à enfermagem, tendo trabalhado inclusive, durante sete anos, no ramo da medicina do trabalho para as fábricas de montagem da Ford e da GM/ Opel. Durante 15 anos foi também co-proprietario, gestor e enfermeiro da Scalfir (clínica medica, enfermagem e fisioterapia) e cooperante habitual na formação inicial e pós-básica do curso de enfermagem do Politécnico de Santarém.
Entre alegrias e tristezas, histórias é o que não falta ao enfermeiro de 54 anos que já trabalhou em especialidades como cardiologia, ortopedia, cirurgia geral e hospital de dia de tratamentos de quimioterapia do departamento cirúrgico. Uma vez, conta, “quando estava na cardiologia, tive um doente de Coruche com o qual tinha um muito bom relacionamento e, numa quinta-feira, o cardiologista disse-lhe que estava tudo bem com os seus exames e que teria alta na sexta de manhã. Quando eu cheguei ao serviço para fazer noite de quinta para sexta, ele abraçou-se a mim e deu-me essa excelente notícia. Entretanto eu andava a distribuir a medicação há uma da madrugada e ele teve uma crise, entrou em paragem cardio-respiratória – ainda me disse: ‘Tó não me deixes morrer’ – e apesar de termos estado em manobras de reanimação cerca de duas horas, não o conseguimos salvar. Passados 20 anos, ainda me lembro disso”.
Mas há também histórias felizes, nomeadamente quando um doente tem alta e a família faz um agradecimento público à equipa de enfermagem. “Esses são os nossos troféus”, considera.
Rotina é algo que não existe para António Mendes. De manhã, pelas 8h00, chega ao hospital para participar na reunião com todos os enfermeiros que estão a passar o turno. Só depois começa a gerir as equipas e supervisionar os cuidados durante o turno, os recursos humanos e os recursos materiais. Funções que continuam até às 16h00, momento em que se reúne com os enfermeiros na mudança de turno. O objectivo, diz, é “comunicarmos o que aconteceu durante os turnos anteriores e reorganizarmos”.
O dia já vai longo quando o enfermeiro chefe deixa o hospital. É quando se dedica à família e às associações a que está ligado, nomeadamente os Bombeiros Voluntários de Santarém, cuja direcção integra há 18 anos, e a Confraria da Gastronomia do Ribatejo.

Enfermeiros são muito mal pagos
António Mendes não tem dúvidas em afirmar que os enfermeiros, neste momento, são mal pagos e isto causa um grande mal-estar e desmotivação. Além disso, admite, “é a classe profissional com mais divórcios, provavelmente devido ao tipo de horários a que estão sujeitos”, para além de haver grande carência de enfermeiros nos serviços, o que leva a que, os que estão escalados tenham um excesso de doentes e trabalho em cada turno/dia. “Não faz sentido que os enfermeiros tenham a vida das pessoas nas suas mãos e sejam tão mal pagos”, lamenta.
São estas e muitas mais situações, acredita, que levam muitos jovens, actualmente, a emigrar para outros países, nomeadamente Reino Unido e Alemanha. “Estamos a formar profissionais com dinheiros públicos para isto”, desabafa.
Se as condições dos enfermeiros não são as melhores, já os cuidados de saúde oferecidos à população ficam também muito a desejar. Diz que o Hospital Distrital de Santarém “é um bom caso de estudo e deve ser motivo de preocupação da tutela”. Para António Mendes, o Hospital de Santarém está a manifestar-se “insuficiente” para a população abrangida e que a ele recorre diariamente, apesar de ter vindo a fazer obras pontuais e a readaptar-se.
E explica: quando foi construído o hospital era para uma realidade e para uma necessidade de cuidados de saúde que hoje está largamente ultrapassada, por um lado, porque a população, em geral, envelheceu e necessita de mais cuidados de saúde, e por outro, porque a zona de Santarém (que o hospital abrange) foi a que, nos últimos anos, mais cresceu a nível de construção de lares e casas de acolhimento para idosos.

“O Hospital de Santarém está a manifestar-se insuficiente para a população abrangida”

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