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As mulheres no quartel são cada vez mais e tão destemidas como os homens

As mulheres no quartel são cada vez mais e tão destemidas como os homens

Sandra Araújo, 27 anos, e Sara Duarte, 22, são duas das mais jovens bombeiras da corporação de Alverca do Ribatejo, que conta cada vez com mais mulheres a enfrentar as chamas e a dar resposta em todo o tipo de acidentes.

Sandra Araújo costumava ir para a varanda da sua casa e debruçava-se do parapeito para ver passar a fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Alverca do Ribatejo (BVA). Fê-lo toda a infância e dizia sempre à mãe que um dia se juntaria a eles. Esse dia chegou aos 15 anos e hoje é bombeira de 2ª. No início a mãe não achava bem, mas foi-se habituando a que a filha passasse as férias de Verão no quartel em vez de ir para a praia com a família ou estar com os amigos. Porém, foi quando Sandra começou a ajudar a combater incêndios, aos 17 anos, que o coração da mãe começou a tremer mais. “Como ela nunca sabe bem onde estou, se vou ser enviada para algum lado ou não, fica com o coração nas mãos”, confessa Sandra, que neste Verão foi dormir a casa quatro vezes e chegou a brincar com a mãe ao perguntar-lhe se tinha planos para alugar o seu antigo quarto a alguém.
Sandra já percorreu o país inteiro a combater fogos e já esteve em perigo mais que uma vez. No Gerês, em 2010, chegou a ter um fogo a morder-lhe os calcanhares e voltou com o casaco queimado. Só este Verão, um dos mais fatídicos em Portugal, combateu as chamas em A-dos-Melros, Castanheira do Ribatejo, Catujal, Guarda, Mação, Oleiros, Samora Correia, Vialonga, Vila Nova da Barquinha e Vila Velha de Ródão, entre muitos mais, e são precisamente estas missões que mais adrenalina lhe dão: “É onde sentimos mesmo que estamos em perigo e que temos um pico de adrenalina. É como costumo dizer: explicar a sensação de ser bombeiro a quem não o é, é impossível, e a quem o é, é desnecessário”.

Bombeira estudante passa as férias no quartel
Sara Duarte, 22 anos, concorda com a colega e uma das amigas mais próximas que tem nos BVA, ao lado de quem já chegou a combater fogos várias vezes. Para ela, o pior incêndio deste ano foi o de Oleiros. “Estávamos a proteger 16 casas, tínhamos mato à frente e atrás e só tínhamos 16 mil litros de água entre os dois veículos florestais e o tanque que tínhamos levado. A nossa sorte foi haver um tanque com 40 mil litros de água numa das casas, porque senão tínhamos lá ficado nós e o carro”.
Outra das complicações que se deram nesse incêndio foi uma projecção das chamas para o mato atrás das casas, provocada por uma rajada de vento. “Também tivemos sorte porque andava um helicóptero a sobrevoar a zona e fez logo a descarga para abrandar as chamas, senão as casas podiam ser ardido todas”, conta Sara.
A jovem tinha 12 anos quando disse à mãe que queria ser bombeira. Na escola, sempre que algum colega se magoava, o instinto de Sara era de o ajudar. “Não pensei em ser médica porque sempre gostei muito de desporto e queria algo que me permitisse manter-me em movimento. A profissão de médico é muito parada, enfermeiro também, mas ser bombeiro, mesmo não estando directamente ligado ao desporto, temos muita actividade física e temos a parte da saúde, juntei o útil ao agradável”.
Não integrou logo nenhuma corporação de bombeiros porque nessa altura morava com a mãe na Póvoa de Santa Iria e era permitido aos infantes e cadetes, que podiam juntar-se à corporação de lá a partir dos 14 anos, começarem a andar logo de início nas ambulâncias, o que agora só é permitido a partir dos 17 anos. Isso preocupou a mãe de Sara, que não a deixou alistar-se tão nova.
Aos 14, já a morarem em Alverca, Sara pôde finalmente juntar-se à Brigada 1130 dos infantes e cadetes dos BVA, de onde passou para estagiária, aos 17 anos. Foi a partir daí que começou a sair em serviço nas ambulâncias e a ter contacto com a total realidade da experiência de ser bombeira. E também foi pouco tempo depois que foi chamada para o seu primeiro incêndio. “Já tínhamos formação para lidar com a situação, já tínhamos algumas bases, mas é muito diferente estar no terreno quando é real”.
Já há quase quatro anos que se tornou bombeira de 3ª e também está a tirar a licenciatura em Desporto na Escola Superior de Rio Maior. O tempo livre é muito escasso e confessa que a família começa a dizer-lhe que sente falta dela: “Nas férias de Verão da escola, por exemplo, os meus amigos passavam os três meses de férias na praia e eu passava-os no quartel. E ainda hoje, quando me convidam para qualquer coisa, muitas vezes não posso ir. Mas a minha mãe e as minhas irmãs sempre apoiaram a minha decisão”.

“Mulheres são uma mais-valia na nossa corporação”
Dentro de pouco tempo a irmã mais nova de Sara, Carolina, de 13 anos, poderá juntar-se às várias mulheres nos BVA, cujo número tem vindo a aumentar nos últimos anos para satisfação do 2º comandante Vasco Martins: “Temos cada vez mais mulheres e temos de estar contentes por isso porque são uma mais-valia na nossa corporação, estão ao mesmo nível dos homens”.
Sara vê na irmã o mesmo espírito que ela própria tinha antes de entrar para os BVA: “Ela participou numa formação que houve há pouco tempo na Póvoa de Santa Iria sobre primeiros socorros e ficou interessada. Já anda a massacrar a minha mãe para vir para aqui comigo. E quando cá vem anda a decorar os nomes das viaturas todas e também tem espírito para isto. Se houver alguém na rua a precisar de ajuda, ela é a primeira a ir ajudar”.
Os colegas na corporação, mais que os amigos de fora ou mesmo as famílias, são quem melhor compreende os horários instáveis e a dedicação que é precisa para se ser bombeiro. Para quem não é, é “impossível explicar” o que se passa num quartel, explica Sandra: “Os meus amigos ouvem-me contar as histórias e dizem que olham para mim com orgulho porque sou feliz a contar o que passei, e eles querem sempre ouvir mais, mas sei que não compreendem o que é estar na nossa pele. Ninguém que não seja bombeiro compreende”.

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