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“Os bombeiros são o exército mais barato que existe”

“Os bombeiros são o exército mais barato que existe”

David Lobato tem a categoria de segundo comandante dos Bombeiros Municipais do Cartaxo desde 2006 mas foi nomeado comandante da corporação em 2013 após a saída de Mário Silvestre para a Autoridade Nacional de Protecção Civil. Diz que o maior problema da corporação é a falta de recursos humanos. Defende a profissionalização dos bombeiros e considera que as câmaras que possuem corpos de bombeiros municipais estão a ser prejudicadas em relação às outras. Uma entrevista na semana em que os Bombeiros do Cartaxo celebram o 81º aniversário.

Os bombeiros municipais estão mais bem preparados que os voluntários?

Tanto os bombeiros municipais como os voluntários estão equilibrados ao nível de preparação. No entanto, considero que o modelo dos bombeiros municipais é o modelo do futuro dos bombeiros. O responsável máximo da Protecção Civil do concelho é o presidente da câmara, ou seja, como responsável máximo tem que ter à sua disposição uma força que ele controle. Os presidentes de câmara que tenham corporações voluntárias não conseguem controlar o que lá se passa.

Os bombeiros municipais dão mais despesas aos municípios que os voluntários?

As câmaras que têm bombeiros municipais estão a ser extremamente prejudicadas em relação às câmaras que têm voluntários porque as verbas do Estado que vêm para os voluntários não vêm para os municipais. Por exemplo, a Câmara do Cartaxo gasta cerca de 700 mil euros por ano com a sua corporação, enquanto no concelho de Azambuja, a câmara gasta cerca de 300 mil euros com dois corpos de bombeiros voluntários.

Porquê?

Porque o Estado transfere directamente para os bombeiros voluntários uma verba mas não transfere para os municipais porque já pertencem ao município e as autarquias já recebem verbas próprias do Estado. Seguindo o exemplo que dei, enquanto a Câmara de Azambuja pode investir esses 700 mil euros no concelho, a Câmara do Cartaxo não pode fazer investimento porque tem que investir nos bombeiros, para salvaguardar a população.

Quais as principais dificuldades com que se debate a corporação do Cartaxo?

Temos 36 profissionais, e talvez sejamos das corporações da região que tem mais elementos, mas mesmo assim não são suficientes para conseguir responder a todas as solicitações. Para responder em toda a linha devíamos ter 43 elementos. Todos os dias prestamos auxílio a outros concelhos mas a câmara não recebe dinheiro dos outros concelhos por isso. Nunca vamos deixar de responder e de ajudar os concelhos vizinhos mas não é justo a minha câmara municipal investir este ‘bolo’ enorme do seu orçamento quando outras câmaras que deviam investir nos seus corpos de bombeiros não o fazem. Não queremos mais do que os outros, apenas queremos igualdade.

Há dificuldades na recruta de bombeiros?

Nos bombeiros voluntários há mais dificuldade porque nos municipais há a possibilidade de progressão na carreira. No entanto, há alguns corpos de bombeiros voluntários que pagam muito melhor do que os municipais. Fazemos recruta de dois em dois anos. No último ano entraram oito e desses oito ficaram seis. A próxima que vamos abrir é para profissionais e essa recruta é sempre mais concorrida.

Concorda com a profissionalização dos bombeiros?

Não conheço nenhum militar da GNR nem nenhum médico que exerçam a sua profissão e depois vão fazer outra coisa quando saem do trabalho. Acho que com os bombeiros deve acontecer exactamente a mesma coisa. A primeira intervenção tem que ser profissional. Todas as corporações deveriam ter a capacidade de meter, no mínimo, na rua, duas ambulâncias e um veículo de desencarceramento ou um veículo de combate a incêndios.

Sai mais barato ao Estado ter associações de bombeiros voluntários e por isso é que se diz tão bem da existência deste tipo de corporações?

Costumo dizer que os bombeiros são o exército mais barato que existe. O problema do Estado tem sido, desde sempre, nunca pensar nos bombeiros a longo prazo. Só se pensa no desenrascanço.

Cada vez mais se exige bombeiros e comandantes com habilitações superiores. Até que ponto deixa de contar a experiência? E isso não é prejudicial ao sistema de socorro?

Tem que haver habilitações mínimas a nível de comando porque tem havido um grande desenvolvimento na área em que os bombeiros intervêm. A forma de entender o incêndio, perceber as condições meteorológicas... Tem que haver formação e as pessoas têm que perceber aquilo que estão a fazer e sobre o que estão a falar. Aliado às habilitações tem que haver experiência, isso é fundamental.

Limpeza de terrenos é fundamental para facilitar a vida aos bombeiros

Que presente daria à sua corporação pelo 81º aniversário que os Bombeiros Municipais do Cartaxo comemoram a 25 de Novembro?

Temos dois problemas: um deles é a falta de recursos humanos. A Câmara do Cartaxo já abriu concurso para que possamos colocar pelo menos mais cinco elementos. Já tínhamos o procedimento aberto mas, devido a muitas burocracias, o processo tem-se arrastado ao longo deste ano. Espero que a situação se resolva em breve.

Qual é o segundo problema?

Temos 20 elementos da corporação que estão como assistentes operacionais e quero muito que passem a bombeiros profissionais. Esta situação aconteceu porque, devido à crise, as câmaras não podiam contratar bombeiros sem autorização especial do Governo. Para não termos falta de elementos, a câmara contratou assistentes operacionais que fazem exactamente o mesmo serviço que os bombeiros e têm a mesma formação. Ser bombeiro não é o mesmo que ser assistente operacional e existe a possibilidade de progressão da carreira que não existe para um assistente operacional.

O senhor exerce o cargo de comandante apesar de estar na corporação como segundo comandante.

Sou segundo comandante desde 2006. Quando o anterior comandante saiu, em 2013, fiquei a substituí-lo. Com o congelamento das carreiras não tive possibilidade de fazer a progressão na carreira por isso a câmara nomeou-me como comandante. Faço tudo o que compete a um comandante mas a remuneração é de segundo comandante. Agora, com a abertura do concurso público, tudo se resolverá e qualquer pessoa pode concorrer ao cargo de comandante e aos cargos de bombeiros profissionais.

Que balanço faz destes quatro anos à frente da corporação?

Temos tido uma boa aceitação por parte da nossa população e, pelo que vamos verificando, temos uma boa imagem fora do concelho. Tem sido muito gratificante e, modéstia à parte, temos feito um bom trabalho.

Porque é que este ano a região foi poupada a grandes incêndios?

No concelho do Cartaxo não temos uma área florestal que possa dar muitos problemas. A nível do distrito de Santarém, a zona norte não foi poupada aos incêndios, infelizmente. No entanto, os grandes incêndios que ocorreram nenhum começou no distrito de Santarém.

Foi por acaso ou as pessoas estão mais cuidadosas?

Noto, nos últimos anos, pelo menos no concelho do Cartaxo, que as pessoas acatam aquilo que deve ser evitado nos períodos críticos. Não fazem queimadas no Verão. Estão mais sensibilizadas e preocupadas. Talvez não tenhamos sido tão afectados por causa dessa prevenção e sensibilização por parte da população.

Como se poderia resolver o problema da falta de limpeza de terrenos?

Se todos nós, incluindo no perímetro urbano, limpássemos 20 ou 30 metros de mato e feno que temos à volta das nossas casas era muito mais fácil combater os incêndios. Os bombeiros teriam a vida facilitada e os incêndios seriam combatidos mais fácil e rapidamente. Agora, se temos que nos preocupar em salvar pessoas e bens, que é a nossa missão, o mato fica para último. As pessoas têm que ser as primeiras a prevenirem-se e limparem o que está à volta de casa.

Em criança já ia para o quartel pela mão do pai

David Lobato nasceu a 18 de Janeiro de 1973 em Alcoentre, concelho de Azambuja. O pai era bombeiro nos Voluntários de Alcoentre e em criança ia muitas vezes para o quartel. Foi, por isso, com naturalidade que ingressou nos Bombeiros Voluntários de Alcoentre com 13 anos. “Já nasci com o bichinho dos bombeiros e sempre quis ajudar as pessoas”, confessa.
Em 1994 concorreu para um lugar na corporação dos Bombeiros Municipais do Cartaxo e ficou. Foi subindo de categoria e em 2006 chegou a segundo comandante. Quando o anterior comandante dos Municipais do Cartaxo, Mário Silvestre, saiu para a Autoridade Nacional de Protecção Civil, David Lobato assumiu o comando, cargo que ocupa desde 2013. Vive no Cartaxo desde 2004. É casado e tem um filho, com 13 anos, mas o adolescente não parece interessado em seguir as pisadas do pai.
David Lobato conta que não faltam memórias de socorros mais complicados mas aqueles que envolvem crianças são sempre os mais marcantes. “Há cerca de 15 anos fomos a um acidente na auto-estrada que envolveu duas crianças. Transportei uma delas que acabou por falecer. Ainda hoje me lembro da sua cara e do acidente. Depois há sempre a aflição com os incêndios quando vemos as pessoas, desesperadas, a pedirem ajuda e nós sabemos que naquele momento não temos meios para combater o fogo e percebemos que a casa vai ser afectada. É muito complicado percebermos a nossa impotência para ajudar”, admite.
O comandante dos Municipais do Cartaxo considera que os bombeiros deviam ter mais apoio psicológico para lidarem melhor com as emoções a que estão sujeitos no seu trabalho. “Estamos tão habituados a pôr de lado as nossas emoções porque fomos preparados para nos concentrarmos em salvar vítimas e abstraírmo-nos da aflição que está à nossa volta que acabamos por depois sermos mais desligados das nossas emoções na nossa vida pessoal. Devíamos ter consultas ou apoio psicológico nem que fosse só para conversar”, afirma.

“Os bombeiros são o exército mais barato que existe”

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