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De Torres Novas para Luanda onde se movimenta com total à vontade e sem medo

De Torres Novas para Luanda onde se movimenta com total à vontade e sem medo

Carla Sousa deixou temporariamente um filho e o marido para ser professora em Angola. Durante anos tentou fazer trabalho como voluntária em África, nomeadamente na Guiné-Bissau. Quando pensava que a concretização desse sonho não seria possível surgiu-lhe um convite para dar aulas numa escola particular em Luanda. Deixou em Torres Novas o filho e o marido e foi. O seu maior apoio é a família mas diz que está bem adaptada. Carla Teixeira de Sousa não quer voltar já para Portugal e ainda acalenta o desejo de vir a morar e a trabalhar em Moçambique, Timor e Macau.

Carla Teixeira de Sousa, uma designer têxtil de Torres Novas está, desde 2016, a dar aulas numa escola privada portuguesa em Luanda, Angola. Para aceitar o convite que lhe foi feito deixou marido e um filho menor em Portugal. Essa terá sido a parte mais difícil da concretização daquilo que começou por ser um sonho, que era trabalhar em África. “Sem o apoio incondicional da minha família o meu sonho não teria pernas para andar”, declara.
Carla conta a O MIRANTE que África sempre foi um objectivo desde tenra idade. Candidatou-se várias vezes para fazer voluntariado na Guiné mas nunca conseguiu. Quando lhe surgiu a oportunidade de ir dar aulas em Luanda, diz que a agarrou com as duas mãos e viajou sem receio.
Explica que não teve dificuldade nenhuma na adaptação e o que mais a surpreendeu foi o excesso de falta de regras. “Há uma enorme falta de lógica em quase tudo mas a pouco e pouco habituamo-nos”, diz.
Como trabalha numa escola portuguesa em Luanda, a maior parte dos seus colegas no dia-a-dia são portugueses. Mas também já fez amigos angolanos e não afirma que não tem medo de andar pelas ruas e mercados. “Desloco-me tanto em táxis oficiais como carros de “candongueiros” e até em motos que fazem serviço ilegal de transporte”, conta a professora.
Sobre os alertas relativamente a assaltos, desvaloriza-os. “Sinceramente eu não acho perigoso andar pelas ruas apesar de já ter sido assaltada. Mas assaltada também já fui no Porto, em Paris, e em Goiânia, no Brasil, por exemplo. Em qualquer grande cidade existe sempre esse risco. No entanto esta minha postura foge um pouco àquilo que pensa a maioria dos portugueses que aqui trabalha”.
Carla Teixeira de Sousa diz que quem trabalha em Luanda vive bem, frequenta bons restaurantes, bons eventos, mora em boas casas e viaja com facilidade, mas acrescenta que os contrastes sociais são muito grandes.
“Os professores devem ser os que têm menos rendimentos na escola onde trabalho. Chega a ser surreal a ostentação exibida pelos encarregados de educação. É a primeira vez que vivo de perto com uma realidade destas”, confessa.
Apesar disso a professora refere que tem um nível de vida que não tinha em Portugal e que não tem que contar os tostões ao fim do mês. No entanto faz questão de dizer que o que a prende a África não são os kuanzas, até porque, explica, “as transferências de dinheiro para Portugal estão cada vez mais difíceis. O que me prende aqui é um projecto profissional e o enriquecimento pessoal a esse nível”.
Para exemplificar o à vontade com que se movimenta em Luanda diz que anda por todo o lado. “Gosto do contacto com o povo; de comprar fruta na rua; de comer peixe grelhado nas barracas; de arranjar as unhas na calçada; de comer funge na barraca da vizinha; de discutir com o rapaz que me quer vender pão seco; de negociar o preço do tomate”.
Irrita-se quando alguém tem ideias pré-definidas sobre o povo angolano. ”Não é por alguém ser negro e pobre que tem que ser bandido. Os portugueses armados em ricos e inteligentes arreliam-me um bocado. Nem todos são prepotentes, mas na maioria, sim, infelizmente”.
Carla Teixeira de Sousa diz que o que ainda a espanta é aquilo que considera ser a falta de estímulo do povo angolano. “É um povo com um atraso de quarenta anos e no entanto essa realidade, ao mesmo tempo que inferniza o andamento de qualquer rotina normal dá um encanto estranho que transforma o lugar e suas gentes em poesia”, desabafa.
“Angola tem um povo positivo que não faz ideia do drama em que vive. Portugal não só tem escolas, hospitais, estradas e transportes públicos como para além disso as coisas funcionam. Em Angola isso nem em sonhos. Ah, e o cheiro a urina pelas ruas, que em Portugal não há”, conclui.
Houve recentemente uma mudança política com a eleição de um novo presidente da República e apesar de não haver um optimismo generalizado em Angola, Carla diz acreditar em melhorias. “O presidente anda a mexer na estrutura e apesar de muitos acharem que é complô, eu acredito na mudança. Parece-me corajoso e determinado, embora tenha o exército do lado dele”, conclui.

De Torres Novas para Luanda onde se movimenta com total à vontade e sem medo

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