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“A vida é melhor se formos afectuosos e se tivermos a capacidade de partilhar”

“A vida é melhor se formos afectuosos e se tivermos a capacidade de partilhar”

Personalidade do Ano Cidadania - Joaquim Guardado director do Centro João Paulo II e administrador da Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI, em Fátima

O advogado Joaquim Guardado é o tutor de mais de uma centena de crianças que vivem no Centro João Paulo II, todos deficientes profundos cujos pais não têm capacidade financeira para os criar ou o tribunal ordenou que ali fossem institucionalizados e é administrador da Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI para doentes com Alzheimer. Para além destes cargos é ainda Provedor da Misericórdia de Pombal. Admite que o facto de não ter filhos faz com que tenha mais tempo para os outros mas diz que só pode estar naquelas instituições quem, para além de uma boa preparação técnica, sente verdadeira paixão pelo que faz.

Os utentes do Centro João Paulo II são deficientes que foram abandonados ou cujos pais não têm condições para os ter consigo. Como se relaciona com estes jovens?

Estes utentes são bons para mim porque me transmitem felicidade, agradecimento e, principalmente, porque há um toque ou um olhar que nos dão muito. Só se pode estar nestas instituições de forma apaixonada e enquanto tivermos ideias para melhorar e inovar. Esta oportunidade que a vida me deu não foi planeada. Foi algo que aconteceu. Se me tivessem convidado para assumir um cargo destes aos 30 anos não aceitaria porque na vida há um tempo para tudo e nessa altura eu não estava preparado.

Como lida com estes dramas profundos sem ser afectado?

Procuro ter alguma naturalidade mas há casos que me chocam. Ninguém pode ficar indiferente a uma criança que temos cá, cujos pais são simultaneamente seus irmãos, por exemplo. Não se fica indiferente a uma criança que foi de tal maneira abanada que ficou com sequelas cerebrais gravíssimas. Sabendo que essa criança teve um momento mau, se pudermos melhorar um bocadinho a sua vida isso é fundamental. Essa é a descoberta que todos nós tentamos fazer aqui, particularmente os funcionários, que fazem um trabalho de excelência. Esta é uma casa mágica onde a ternura e o afecto são extremamente importantes. E nós até recebemos muito mais do que damos.

Está a dizer que os funcionários do Centro João Paulo II têm uma relação mais que profissional com os utentes.

A relação dos funcionários com os utentes é de tal maneira próxima que no Natal, por exemplo, eles pedem autorização para levá-los para casa para poderem passar essa quadra juntos. Os utentes também são a família dos funcionários e quando eles falecem são os funcionários que choram por eles. Quem está aqui a trabalhar tem uma relação afectuosa com todos. Além da capacidade técnica para fazer o seu serviço tem a noção da importância dos afectos.

Lidar com pessoas com deficiência profunda faz-nos ver a vida de outra forma?

Relativizamos os nossos problemas porque as situações destes utentes é que são problemas sérios. Disse-vos durante a visita às instalações que iriam sair diferentes da forma que entraram e foi isso que aconteceu. Somos capazes de dar valor àquilo que temos depois de uma visita ao Centro João Paulo II. A vida é melhor se formos capazes de sermos afectuosos e se formos capazes de partilhar as coisas. A vida é toda ela uma partilha.

Também é administrador da Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI em Fátima dirigida a pessoas com demências.

É uma instituição de qualidade que acolhe sessenta pessoas que sofrem de demências, particularmente na área do Alzheimer. A União de Misericórdias decidiu criar esta unidade para ter algo de topo, diferente e pioneiro. Recebemos regularmente instituições que querem saber como funcionamos. É preciso perceber o que nós entendemos dos nossos idosos. Vamos entrar numa fase em que os nossos idosos vão viver mais tempo mas as suas doenças vão ser mais relacionadas com as demências e temos que estar preparados para isso.

O que o levou a aceitar o convite para dirigir a Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI?

A minha mãe e a minha sogra sofreram ambas com Alzheimer, o que me deu a experiência de cuidador nesta área da saúde.

Como é que se lida com essa realidade de ter uma mãe e uma sogra com Alzheimer?

Aprendi a despedir-me da minha mãe antes da sua morte. É complicado. É outra pessoa com quem nos estamos a relacionar diferente daquela que conhecemos toda a vida. Temos que encarar as coisas com alguma naturalidade. Sabemos que um dia não estaremos cá. Nunca pensei que a minha mãe viesse a sofrer de Alzheimer mas aconteceu. Quando me despedi dela já tínhamos tudo conversado entre nós.

Fala-se o suficiente sobre doenças relacionadas com demências em Portugal?

Nunca se falou tanto de demências como agora. Temos é que saber preparar os técnicos e os funcionários para saberem lidar com este tipo de doentes. Cada caso é um caso. Uns são muito agitados, outros são calmos. As Misericórdias têm um papel importante a desempenhar nesta área. Têm que aprender a lidar com este tipo de doentes. Tem que se estudar sobre as características das doenças relacionadas com demência para estarmos melhor preparados.

Os pacientes privados vão ficar de fora da Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI?

Temos um total de 60 camas e quando inauguramos a Unidade pusemos dez camas para pacientes privados mas agora são todos vindos do público.

Há um excesso de procura?

Existe um excesso de procura mas também preferimos ter um valor certo de utentes derivado das contingências que possam aparecer porque os custos de manter uma unidade destas são altos e o poder económico da maior parte das pessoas não é muito elevado.

A região e o país não têm falta deste tipo de equipamentos?

Muita falta mesmo. O que vai acontecer daqui por uns anos é que os lares vão tornar-se cada vez mais unidades de cuidados continuados. Antigamente as pessoas iam para os lares porque estavam sozinhas ou acamadas. Hoje começa a ser diferente. Até em termos arquitectónicos as instituições têm que ser diferentes e modernizar-se porque o idoso está cada vez mais exigente e tem mais formação académica que antigamente.

Além destas actividades e de manter o seu escritório de advogados também é Provedor na Santa Casa da Misericórdia de Pombal há 13 anos. O que é que faz nos poucos tempos livres que lhe sobram?

Gosto muito de ler e quando tenho tempo gosto de estar com os meus amigos. Ler é um hábito antigo e quando tenho tempo telefono a alguns amigos para almoçar ou jantar. É algo que me dá um gozo enorme porque gosto de cultivar as minhas amizades.

No final do dia consegue desligar de tudo ou leva no pensamento os seus utentes?

É impossível não levar comigo em pensamento a vida que os utentes tiveram, particularmente em alguns casos sociais que ainda mexem comigo.

Foi autarca. Que cargos desempenhou?

Fui vereador na Câmara Municipal de Pombal. Na altura tinha 30 anos. Entrei na política em Pombal pelo PSD e depois fui também numa lista do PS. O que me move são as pessoas e não os partidos. Nunca me filiei. Depois disso já fui convidado mas a política já não me diz nada.

Desiludido?

Os tempos mudaram muito e há coisas em que prefiro não me meter. Têm que se escolher os melhores dos melhores para os cargos políticos. Pessoas que gostam da terra e que são capazes de fazer sacrifícios pelo seu concelho. Quando vejo que as secções dos partidos políticos são constituídas por meia dúzia de militantes e que depois são eles que mandam em concelhos com 20 mil ou 50 mil eleitores custa-me a aceitar.

Sente-se um homem realizado?

Sinto-me bem comigo e isso é o mais importante. Faço o que é possível fazer. Tenho consciência que sou um cidadão correcto, sou um indivíduo educado, respeitador e que faço aquilo que talvez não haja muita gente a fazer mas não sou o único a fazê-lo. Há imensa gente capaz de fazer o que faço mas a vida é feita de oportunidades e eu tive essa oportunidade para fazê-lo. Consegui aproveitá-la e faço aquilo que gosto.

Um homem de afectos que não gosta de ser o centro das atenções

Joaquim Guardado não gosta de ser o centro das atenções e quando lhe foi anunciado que tinha sido distinguido com o prémio Personalidade do Ano de O MIRANTE
na área da Cidadania fez questão de dizer que o mérito do prémio era das instituições que dirige, nomeadamente do Centro João Paulo II. A outra é a Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI para doentes com Alzheimer.
Por opção própria é tutor de mais de metade dos 192 utentes que vivem no Centro, todas elas deficientes profundas e com idades entre os seis e os quarenta e cinco anos. “A primeira vez que aqui entrei levei um murro no estômago. É impossível não sairmos daqui pessoas diferentes”, confessa.
Tem uma relação próxima com todos os utentes do Centro. Conhece-os a todos pelo nome e durante a visita com O MIRANTE falou e brincou com todos. É um homem de afectos e a ternura está na mão que passa em cada um deles a demonstrar o seu carinho.
Joaquim Guardado nasceu a 2 de Agosto de 1955 em Faro, no Algarve, mas aos 15 dias de idade foi para Pombal com os pais e é lá que ainda hoje vive. “A minha mãe é do Algarve e quis ter o seu único filho junto da sua família que era de Faro, por isso é que nasci lá”, explica.
Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra e tem escritório de advocacia em Pombal. Esteve ligado a diversas associações e foi vereador na Câmara de Pombal há cerca de trinta anos. É Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pombal há 13 anos. Admite que o facto de não ter filhos também lhe permite ter uma maior disponibilidade para ajudar os outros. “Tenho a minha mulher na retaguarda que me ajuda bastante e sabe que gosto de fazer estas coisas, que não deixam ninguém indiferente. Ela é o meu porto de abrigo”, afirma.

“A vida é melhor se formos afectuosos e se tivermos a capacidade de partilhar”

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