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“Falo abertamente da homossexualidade e nunca sofri qualquer tipo de censura”
Domingos Lobo, agraciado com a Medalha de Mérito Municipal em Benavente, e Fernando Dacosta

“Falo abertamente da homossexualidade e nunca sofri qualquer tipo de censura”

Domingos Lobo falou a O MIRANTE da sua obra literária, da guerra, do PCP e da homossexualidade. Foi programador cultural na Câmara de Benavente durante 25 anos. Fundou as temporadas da música, fez várias recolhas literárias, trabalhou com as bandas filarmónicas do concelho e formou o grupo de teatro Sobre Tábuas. Passados seis meses de ter deixado as funções de programador, Domingos Lobo recebeu a Medalha de Mérito Municipal. Distinção contestada pela oposição.

Conhecido como escritor, actor, jornalista, encenador e programador cultural, José Domingos Lobo, nascido em 1947 em Nagozela, na região Centro de Portugal, diz já se sentir ribatejano. Apesar de não o ser, foi em terras do Ribatejo que passou a maior parte da sua vida, onde iniciou a sua actividade política e se tornou militante do Partido Comunista Português (PCP).
Quando chegou a Salvaterra de Magos, em 1982, “trazia já muito caminho andado pelas áreas da cultura”. Já tinha feito jornalismo, trabalhado como actor, escritor e encenador, mas nunca tinha estado diretamente ligado à política. “Contra todas as evidências nunca me metera directamente na política. Mas lá me arrastaram e eu deixei-me arrastar, num percurso que durou trinta anos e apesar dos pesares, muito me agradou”, disse o escritor.
Foi vereador, presidente da assembleia e deputado municipal em Salvaterra de Magos, num contributo que considera cívico, gerador de algumas inimizades, “mas que também ajudou a mudar alguma realidade naquele concelho”. Domingos Lobo entende que “tomar partido, defender ideias e modos de vida justos é um dever cívico do qual um escritor não se deve furtar”.

Medalha de Mérito contestada
De Salvaterra de Magos seguiu para Benavente onde foi programador cultural durante 25 anos, a convite da Câmara Municipal de Benavente. No dia 20 de Abril, cerca de seis meses depois de ter deixado o cargo, foi premiado pela autarquia com a Medalha de Mérito Municipal (grau prata).
O MIRANTE já tinha noticiado a contestação da atribuição da medalha, por parte do Partido Socialista, em reunião de câmara do dia 5 de Abril. Mas Domingos Lobo desvaloriza e confidenciou a O MIRANTE que jamais iria dizer “eu não merecia tanto”. “O que eu digo é que trabalhei muito. Trabalhei porque gostei daquilo que fiz na Câmara de Benavente ao longo destes 25 anos. Comecei muita coisa que não existia no domínio da cultura e as tarefas que se foram acumulando muito gratificantes”, justificou.

A guerra, a homossexualidade e a censura
Foi a guerra colonial, onde combateu com apenas 20 anos, que o obrigou a “escrever à pressa e a contragosto, como se esse acto fosse modo de respirar e de tentar reconstruir o caos. Só sei escrever a partir dessa vivência. Foi a angústia sofrida que me levou à escrita e a entendê-la como uma ferramenta essencial de denúncia, de testemunho e de transfiguração do real”, disse o escritor.
Em grande parte dos seus romances escreve sobre homossexualidade, um tema que ainda hoje é espécie de tabu no partido do qual é militante (PCP). Domingos Lobo diz não saber “se o partido ainda tem esse tipo de barreiras”, mas garantiu a
O MIRANTE que nunca foi alvo de censura pelo partido e que sempre escreveu sobre o que entendeu.
“Eu falo abertamente da homossexualidade e nunca sofri por parte dos meus camaradas qualquer tipo de censura, por causa dessa envolvência. Penso que o escritor deve falar de tudo, sem barreiras”, acrescentou.
No entanto é sabido que Álvaro Cunhal, o mítico Secretário Geral, se referia à homossexualidade como “uma coisa muito triste” e que a expulsão de Júlio Fogaça gerou polémica sobre a homofobia no partido. Há um ano o PCP absteve-se sobre a condenação na criação de campos de concentração gay, na República da Chechénia. Domingos Lobo contrabalança relembrando Ary dos Santos, militante comunista e homossexual assumido, que também nunca foi discriminado pelo partido.
A escrita de Domingos Lobo continua a não querer “ser um repolho no supermercado”. Aos 71 anos vai lançar mais um romance. Intitulado “Faz frio neste lado da noite”, o novo livro “tem muito a ver com a minha história, a de um velho escritor que está a relembrar as suas vivências desde os seus tempos de criança. Pelo meio há uma história policial e uma história de amor. Falo dos meus tempos em Nagozela, como me meti na política e nos livros. Acho que o escritor é um perscrutador de memórias e foi isso que eu fiz com este livro”, disse a em jeito de confidência.

“Falo abertamente da homossexualidade e nunca sofri qualquer tipo de censura”

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