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Viver no cemitério com campa comprada e pronta a habitar

Viver no cemitério com campa comprada e pronta a habitar

Foi o acaso que levou António e Inácia a viver junto ao cemitério da Chamusca. A amizade com o coveiro da altura fez o casal pensar no futuro e querer preparar aquilo que, apesar de inevitável, muitos não querem resolver em vida – onde morar depois da morte. Já têm campa montada, com os respectivos nomes, fotografias e até flores.

Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos. A máxima de Benjamin Franklin assenta como uma luva na história de Inácia e António Reis, de 58 e 59 anos, respectivamente. Na Chamusca, onde residem, todos os conhecem como o casal que vive no cemitério. Na verdade, a casa que habitam estava colada ao cemitério, quando para lá foram há cerca de 16 anos, mas agora está literalmente dentro do cemitério, desde que houve obras de alargamento do mesmo.
Inácia ficou triste, não por o cemitério quase lhe entrar em casa, mas porque perdeu o terreno onde tinha algumas oliveiras e onde podia plantar couves. “Arrepiámo-nos um bocado quando viemos para aqui, mas a casa onde estávamos não tinha condições e tivemos que nos adaptar”, conta a mulher.
Para António a morte é certa, por isso combinou com o amigo coveiro o sítio onde queria morar para sempre. “Já comprámos a campa há muito tempo, cerca de 12 anos, mas não a queremos estrear tão depressa. Ainda há muito para viver”, diz o proprietário, sorridente.
Na altura a ousadia custou-lhe perto de dois meses de salário, pouco superior ao salário mínimo nacional, mas diz que o fez por gosto.
António é um personagem cheio de vida, trabalha actualmente na lavagem de carros da Câmara Municipal da Chamusca, e gosta de recordar os tempos em que queria ser cantor e em que até chegou a actuar nas festas da Ascensão, corria o ano de 1982 ou 1983, já não se recorda bem. Do que se lembra perfeitamente é dos 35 anos que passou ao serviço do município na recolha do lixo. “Estreei três camiões do lixo”, diz com orgulho.
Árvore de Natal todo o ano
Inácia não trabalha, fica em casa e gosta de passear pelo cemitério. Lava a campa duas ou três vezes por semana e gosta que lhe digam que está um brinco. É uma mulher prática e o seu pragmatismo leva-a a manter a árvore de Natal montada todo o ano. “Para quê desmanchar se para o ano tenho que fazer outra vez”, interroga-se.
A árvore faz assim parte da decoração da casa, juntamente com a colecção de santos que aumenta todos os anos. Sempre que comemora mais um aniversário, o marido oferece-lhe uma nova imagem religiosa. Diz que é desenhadora e mostra os seus desenhos com orgulho. Desenha flores e garante que a inspiração não vem da profusão de flores do cemitério, mas sim da sua cabeça.
No final da entrevista apanha uma pequena rosa da roseira que cresce junto ao muro do cemitério e entrega-a à repórter de O MIRANTE, dizendo-lhe com doçura “é uma rosa de Santa Teresinha, o dia em que nasci.”
O dia em que nasceu está registado, assim como o do marido, já o dia da morte é uma incógnita. O que é certo é que vão ficar no cemitério da Chamusca, na campa comprada e paga com esforço, e que até talvez venha também a ser residência de outros familiares. “Todos são bem vindos”, remata António.

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