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Sentença “bizarra” absolve empresa de pagar indemnização a vítima de legionella
Juíza considerou que Leonel Ferreira não conseguiu provar que a sua pneumonia foi causada pelas bactérias encontradas na ADP Fertilizantes

Sentença “bizarra” absolve empresa de pagar indemnização a vítima de legionella

Leonel Ferreira ficou com sequelas que não lhe permitem voltar a trabalhar e vai recorrer da decisão. Presidente da Associação das Vítimas do Surto de Legionella já veio criticar a decisão da juíza, considerando que foi “cozinhada” há muito tempo pelo Estado quando este não conseguiu assegurar nexo de causalidade a todas as vítimas.

A empresa ADP Fertilizantes do Forte da Casa foi absolvida pelo Tribunal Cível de Vila Franca de Xira de pagar uma indemnização de 200 mil euros a Leonel Ferreira, vítima do surto de legionella de 2014 que foi a primeira a recorrer à justiça. Apesar de todas as perícias da Judiciária e outras entidades, não ficou provada a existência do nexo de causalidade entre a pneumonia que afectou a vítima e as bactérias detectadas na torre da ADP, conforme se lê na sentença a que O MIRANTE teve acesso.
A decisão foi comunicada às partes na passada semana e o advogado da vítima, Varela de Matos, já garantiu que vai interpor recurso por considerar a sentença da juíza “extraordinária e bizarra”. O causídico disse mesmo que “um dia, quando se fizer a antologia da asneira nos tribunais de primeira instância, esta merece figurar em primeiro lugar”.
Leonel Ferreira mostrou-se surpreendido com a decisão e garante que foram mostradas provas em quantidade e variedade suficiente para mostrar que a ADP terá sido a fonte da origem da legionella que ainda hoje o impede de trabalhar e levar uma vida normal. “Estava convencidíssimo que seriam eles os culpados. Mediante a maneira como a justiça funciona em Portugal sempre desconfiei que o desfecho seria assim, não há coragem para atribuir as culpas a quem as tem. Se fosse uma microempresa a causar danos, então aí aos donos até tiravam as camisas e tudo o que eles tivessem para indemnizar”, criticou.
Leonel Ferreira tinha reclamado uma indemnização por danos físicos e morais à ADP e também à Solvay Portugal e à Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, tendo a juíza considerado que nestas duas últimas não foram detectadas concentrações relevantes de bactérias da legionella. Ainda foi feito um pedido para integrar no processo a General Electric, empresa que fazia a manutenção das torres da ADP, mas não foi aceite pela juíza.

Fiabilidade das provas posta em causa
Na sentença a juíza considera que, na prática, a ADP Fertilizantes fez o que lhe competia nas suas obrigações legais ao ter contratado uma empresa habilitada para fazer a desinfecção das torres de refrigeração da sua fábrica no Forte da Casa. Mas, tal como O MIRANTE já tinha dado nota, conclui também que um dos pontos fulcrais do processo foi o facto dos advogados de defesa da ADP, segundo a juíza, terem conseguido colocar em causa “a fiabilidade dos meios empregues nas colheitas de água realizadas e na colheita biológica particularmente realizada a Leonel Ferreira”. Isto depois dos técnicos da Administração Regional de Saúde terem explicado, em julgamento, que chegaram a recolher água contaminada em garrafões de cinco litros em vez de recipientes esterilizados.
Na sentença lê-se também que apesar de terem sido encontradas “concentrações elevadas” de legionella nas torres da ADP, não ficou provado “que a estirpe que afectou fisicamente o autor coincide com aquela que foi detectada na ADP”, considerando que Leonel Ferreira “não provou nem comprovou a existência do nexo de causalidade” entre a sua pneumonia e as bactérias que foram detectadas na torre da ADP.
O MIRANTE tentou ouvir os advogados de defesa da ADP mas tal não se revelou possível até à data de fecho desta edição.

Associação de vítimas “triste e revoltada” com decisão

O presidente da Associação das Vítimas do Surto de Legionella de Vila Franca de Xira, Joaquim Ramos, disse a O MIRANTE que a decisão agora conhecida não pode ainda ser considerada como um sinal do que está para vir no futuro no que diz respeito ao processo crime – que ainda vai entrar na fase de instrução - e garante que as vítimas não vão desistir.
“Ficámos com um sentimento de tristeza e revolta porque toda a gente sabe quem causou a legionella, só os tribunais é que parecem não saber. Já se suspeitava deste resultado porque há muito que a decisão vem sendo cozinhada pelo Estado, a partir do momento em que falhou na recolha das amostras e deixou tanta gente fora do nexo de causalidade”, refere.
Joaquim Ramos conclui lamentando que a decisão “não é nada que as vítimas já não esperassem” e por isso assegura que a melhor chance de verem ser feita justiça é através da acção popular que estão a ponderar avançar contra o Estado.

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